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domingo, 17 de outubro de 2010

METAMORFOSE

Quinto Movimento
O barco está sendo amarrado por Henri no píer quando Iracema sai apressada caminhando sozinha até a velha igreja. Na igreja o Padre aparece vindo da sombra e assusta Iracema que está ajoelhada.
Padre:

- A morte dolorosa de uma pessoa em uma cidade tão pequena me faz desconfiar dos estranhos, mesmo ele sendo uma menina bonita..., uma menina católica, como você, de joelho, rezando, arrependida, temendo a Deus, então eu me pergunto: o que ela anda fazendo de ruim aqui sozinha em Eldorado? Por Deus! Eu sinto o demônio vazar por sua pele... Quem é você, bruxa dos infernos?
Iracema:

- Sou quem eu sou e isso você não pode mudar. Estou aqui tentando achar o caminho da minha libertação, da minha harmonia com a razão e preciso ser respeitada com o silêncio do sacerdócio...
Padre:

- A única coisa que temos de respeitar, porque ela pode nos unir, é a língua. (Mostra a língua como um objeto pornográfico) - Estes são os meus princípios. Se você não gostar deles, eu tenho outros.
Iracema:

- As suas forças dispersas, seus princípios confusos, são instrumentos que não são concebidos como uma orquestra. Por isso a sua reza desafina. Você é um fraco. Ao contrário comigo é necessário que todos os instrumentos da orquestra toquem constantemente com toda a sua força, pois a minha reza não foi destinada a ouvidos humanos e não dispõem da duração de uma noite de concerto...
Padre:

- Aqui temos uma mulher com a cabeça aberta - dá até pra sentir a brisa que vem de lá...

Brandão entra apressado na igreja..., saindo da sombra ele se aproxima com olhar flamejante para perto do Padre e depois para Iracema, que ainda permanece ajoelhada em frente do altar...

Brandão:
- Ele pode parecer um idiota e falar como um idiota, mas não se deixem enganar: ele é realmente um idiota... Marcos, Mario e o Souza, os três estão mortos e nem terminou o dia e você fica aqui pregando seus pecados para a menina... Estamos correndo perigo e precisamos marcar uma reunião aqui e agora com o Sérgio e o Henri. Vai procurá-los e eu fico aqui esperando...

O Padre sai da igreja pela sombra enquanto Brandão fica observando Iracema que começa a se levantar da posição em que estava.

Brandão:
- Por favor, senhorita, pode continuar as suas orações..., permaneça ajoelhada e reze, pois eu nunca esqueço um rosto..., mas, no seu caso, vou abrir uma exceção... Assim pode ir embora, mas não saia da cidade, pois quando tudo isso acabar eu quero falar novamente com você...

Brandão olha para o corpo da menina e depois se virando para o altar sai andando na sua direção como se ali se escondesse alguma coisa que ele procura. Atrás de Brandão está agora Jaci.

Silêncio.

Passando pela sombra do altar, Jaci sai da igreja e nós a acompanhamos pelas ruas da velha cidade. Em uma ruela passa por ela o Padre, Sérgio e Henri falando e gesticulando. Nós retornamos com os três para a Igreja. Todos gesticulam nervosamente. Henri, o mais nervoso, tenta correr desesperado. Sérgio o segura pelo braço. O padre, tenso, anda de um lado para o outro da rua e fica esperando pelos dois.

Sérgio:
- Henri! A sua ignorância é a arte de procurar problemas, encontrá-lo e depois diagnosticar errado e então, quando a cagada for consumada, aplicar todos os remédios errados... Não é hora de fraquejar! Nenhum fantasma pode nos derrotar.

O Padre sai sem falar em direção da igreja.

Henri:
- Sérgio, três de nós já foram mortos da mesma maneira, uma punhalada no coração. Qual será o próximo?

Sérgio:
- Não tem próximo nenhum. Fomos pegos de surpresa, seu ignorante, fica calmo que vamos resolver tudo. Já pedi auxílio à central de polícia e uma viatura deles já está a caminho. Em poucas horas esse lugar vai está repleto de meganha. Quem está fazendo isso não vai se livrar assim tão fácil, portanto fique calmo, está tudo bem?

O Padre volta da igreja correndo, apavorado e chama os dois que estavam conversando.

Padre:
- Brandão foi assassinado com um punhal no coração aos pés do altar... Puta que o pariu! Nem o templo sagrado foi respeitado. Quem é que pode ter essa força maligna para assassinar quatro homens fortes em menos de um dia? Meu Deus! Meu Deus! Que mal horrível esses homens de bem cometeram para sofrerem tão terrível vingança?

Os três retornam a igreja e nós os acompanhamos. Quando entram podem notar o corpo do Brandão estendido no chão. Os três atônitos param na frente do corpo estendido. Sérgio se aproxima, olha para o seu relógio.

Sérgio:
- Ou ele morreu ou meu relógio parou!

Henri:
- Isso não é hora de brincar... Vamos todos morrer... Nada poderá deter esse monstro sagrado!

Sérgio:
- Morrer! Vamos todos um dia, mas não hoje...

Padre:
- Quem te garante?

Sérgio:
- Eu te garanto...

Henri:
- Foi o que você disse quando nos trouxe para esse buraco... Eu garanto!

Sérgio:
- E não garanti esses anos todos?

Padre:
- Até hoje, sim! Mas as coisas mudaram... Agora, o que foi feito da menina que estava aqui rezando?

Henri:
- Que menina?

Sérgio:
- A menina que você levou, ou não, a Ilha do Farol!

Henri:
- O que tem Iracema a ver com tudo isso?

Padre:
- Eu entrei na igreja e ela estava ali rezando, talvez arrependida dos seus crimes... Você então conhece a menina, Henri?

Henri:
- Conheço sim, por quê?

Padre:
- Não sei... Quanto menos pretendente maior o botim...

Henri:
- Não sei não... Aonde você quer chegar seu padre sacana?...

Sérgio:
- Meus amigos, calma! Proponho que abandonemos o local do crime e passemos a nossa prosa para o lado de fora. Vamos respeitar o defunto e o sagrado...

Os três caminham até a porta da igreja.

Sérgio:
- É preciso neste momento não perder a calma, fomos criados na escola dos desafortunados, já passamos por quase todos os perigos e estamos vivos, somos os mais inteligentes, os mais normais do grupo, os outros amigos que partiram eram mais broncos, encrenqueiros, retirando o Brandão, que era maluco... Havia uma desconfiança dos quatro que eu privilegiava uns, mais que outros... Vocês terão de convir que a morte dos quatro, por mais cruel que possa parecer, foi melhor para nós três...

Henri:
- Dizendo assim parece-nos que esses crimes foram encomendados por você.

Sérgio:
- Ou por você.

Padre:
- Por mim é que não foi.

Sérgio:
- O melhor que temos que fazer agora é reunirmos no gabinete da prefeitura, esperar a polícia chegar e tomarmos providência para acharmos essa garota, Iracema, que a partir dela resolveremos essa peleja.

Henri:
- Essa talvez seja a nossa última chance...


Movimento de Passagem
Documentário de TV

Uma equipe de vídeo faz gravações na cidade... Um documentário para TV. Uma reportagem com paisagens e entrevistas com as principais figuras daquela pequena cidade perdida no litoral que passa a chamar atenção da mídia com a chegada do petróleo e do dinheiro. Todos são entrevistados, principalmente Sérgio, o prefeito recém eleito. Os outros contam como chegaram à cidade e o que fazem ou o que acham que deve ser feito com a verba milionária petrolífera destinada à melhoria do município.

Imagens da cidade, suas praias, seus recantos.

Narração:
- Esta é a cidade de Eldorado, o paraíso na terra. Um dos lugares mais charmosos do nosso litoral só podia ter também uma história no mínimo curiosa. De uma antiga vila de pescadores surgiu uma pequena cidadezinha que recebeu há uns 20 anos atrás um grupo de amigos que aqui se estabeleceu e pouco a pouco foram transformando a cultura da pesca no frisson do turismo... A cidade cresceu e o mais popular do grupo, o ex-capitão Sérgio, foi eleito prefeito da recente emancipada cidade.

A equipe prepara a entrevista com o prefeito que está cercado dos seus amigos. O Padre chega por último e une-se ao grupo. Tudo é festa. Todos brincam como se fosse um time de futebol. Alegria geral.

Repórter:
- Então Prefeito, qual é a sensação de ser eleito com apenas 1200 votos e sem concorrente?

Sérgio:
- Minha querida, a população consciente de que eu sou o melhor para a cidade, não lançou outro candidato e assim fui eleito pela maioria...

Repórter:
- Mas Prefeito, os votos brancos e nulos foram da maioria que não querem o senhor...

Sérgio:
- São uns ignorantes, querem que a cidade volte a ser a vila dos pescadores...

Repórter:
- Realmente isso não é possível, mas o senhor também é acusado de dominar financeiramente toda a comunidade e comprar eleitores...

Sérgio:
- Isso é uma mentira! Só me preocupei com o bem estar de todos... Minha filha quando cheguei aqui não havia nada... Ande pela rua e me diga, existe outra cidade onde as pessoas são mais felizes? Onde exista mais divertimento? À noite essa cidade fica fervilhando de vorazes turistas em busca de aventuras e prazer...
O dinheiro corre solto e todos vivem bem. Não temos mendigos, todos são coloridos e os trapos viram fantasias e passam a ganhar dinheiro, aliais muito dinheiro, estou pensando em criar um novo imposto...

Repórter:
- O Prefeito pode apresentar toda a sua equipe?
Sérgio:
- É claro, vamos lá: esse é o Henri, meu braço direito... (flashes de todas as cenas de ação em que Henri aparece) - Esse aqui é o nosso Padre, ele abençoa o nosso governo, o nosso povo (flashes do Padre em ação) – Esse aqui é especial... Marcos é o nosso diretor de fazenda, o homem que faz milagre com o dinheiro! (flashes) – Agora esse é o Mário que administra a cidade e é o proprietário da mais bonita pousada da nossa região... Vocês já foram lá conhecer? (flashes) – Aqui temos o Souza, é de poucas palavras mais de muita confiança. (flashes) – Deixei por último o nosso intelectual, Brandão, o nosso Sherlock, um pouco nervoso, mas ótima pessoa... (flashes). Agora vou levar a nossa bela repórter para um passeio na lancha municipal...

Repórter:
- Lancha municipal?

Sérgio:
- O presidente não tem um avião, nossa cidade é mais modesta, tem uma lancha.

Cenas da lancha navegando no mar azul.

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