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sábado, 24 de outubro de 2015

UM CONTO DE REIS




O VELHO ENIGMA DAS NINFAS
(PHODAM-SE OS CARETAS)


Tenho vivido e sofrido sentindo a liberdade de recusar a ideia da
culpa e do karma. Ouço sua voz encorpada sussurrando meu nome na hora
exata do gozo (voo). Sou de Oxóssi.  Maria Amélia passei toda noite
sonhando. Maria Amélia passei toda noite pensando. Lindas palavras que
eu preparei pra lhe dizer, mas me esqueci, mas me esqueci. Eu cheguei
lá, mas me esqueci do que ia dizer do que ia falar. Eu cheguei lá, eu
cheguei lá. Fonte do prazer.  Anteontem na noite de Sábado, assisti a
queda de uma bela árvore centenária na esquina das ruas Oriente e
Palmira, ao lado da produtora de audiovisual chamada Brócolis. Eram
mais ou menos dez e meia, eu ia chegando para cumprir mais uma etapa
no escritório de número três, quando, o próprio Caçapa, me alertou que
ela, a árvore estava estalando e tombando. Eu e os eternos convivas,
ficamos observando o transcorrer do evento, dois degraus acima do
outro lado da rua, os bombeiros já tinham sido acionados. A incerteza
a torturar. Depois de outro surdo estalar, seu galho maior que dava na
rua em frente tombou na fiação beirando as janelas do prédio
residencial, devido o calor seco do tempo de inverno, pegou um fogo
rápido ameaçador. Qual nada, a explosão não aconteceu, os bombeiros
chegaram e rodearam com cordas todo o entorno, entre milhares de
comunicações, via vários tipos de ondas virtuais, assim decidiram com
o apoio de outros órgãos, durante a madrugada, decepar aquela vida
antiga. Acho que não havia outro jeito. Na manhã seguinte só restava
um toco no meio do passeio levantado pela sua enorme raiz que teimava
em crescer por baixo do asfalto e do concreto. O fenômeno da lua. Nem
o Biro–Biro, a enciclopédia da Serra, soube me dizer que tipo de
árvore era aquela. Era só ela a árvore. Tão redonda Lua, como flutua.
Olhos cozidos de vida arrastada. Cinema polifônico é só o que desejo
no momento, apesar de andar meio travado. Descobri que pra mim tudo
depende das relações intergalaxiais, não da ordem da comunicação
simplória e sim do apuro da intuição rarefeita em ligação direta, que
melancolicamente vai de mal para pior, interrompida pela falta da
troca de canais, por culpa das contradições, se bem que amo as
contradições. Estive morto durante mais de duas semanas junto com
aquela árvore, essa morte conseguiu fazer com que eu escapasse mais
uma vez do baixio sacolejo da realidade desinteressante. Adoro as
palavras. Não tenho vergonha nenhuma de dia a dia ir ficando mais
doido, ampliando o grau da doce loucura, só sei que agora quero fazer
este filme, apenas tenho que descobrir como. Descobrir a alma do filme
soprou o Saraceni no pé do meu ouvido. De braços dados com o brother
soul.  O aconchego cor de rosa da verdadeira morte com a bela árvore,
minha amante secreta, possibilitou nova ereção frondosa vertical,
quase adolescente à beira do meu umbigo. Fulge, ó rosa, rosa às vezes
de tão rosa vermelha, em explosões de juras de amor, rosa se mostra
esparzindo perfumes nos rincões, no horto montanhês e na cidade
iluminada por luzes intangíveis. Rosa de calor, rosa apaixonada de
rútila esperança orvalhada, língua rosa se expande da cor de Cereja
rosa, cintila por entre luas brancas, de tão brancas acharam em si, o
que tinham de rosas. É fugaz a rosa igual a rosa do coração
apaixonado.  Rosa rubra.  Rosa culposa da menstruação vermelha meio
vermelho rosa. Rosas do Dorival.  Rosas de Abril. Tudo me diz não
podes mais fingir. Rosas a me confundir.  Minha anatomia enlouqueceu,
sou todo coração. Confesso que gostei de minha morte, juntinho da
árvore, por todos esses dias, não posso contar para ninguém, é um
mágico segredo. Morreria de novo com ela, se me chamasse, ou então eu
mesmo a chamaria de meu amor rosa. Sim, podemos morrer só um pouquinho
todo dia, durante as noites também, quem sabe? Ela não respondeu. A
culpa e ela voltaram a se encontrar, pura perda de tempo.  Vamos
seguindo em frente. Não sei o porquê do vamos, se sempre vou só, como
todo mundo que se preza. Os bigodes do Rosemberg. O destino é apenas
um, onde a bússola indica e o coração desconfia, não sei usar fio
dental para o desespero dos meus dentes. Descobri ao acaso esta
sonatina mozartiana. Sofres porque queres, foi o que disse o cara para
a mulher no bar calorento do Domingo sem futebol e eu anotei também
não sei por que, no verso do bilhete do bicho que joguei na cobra e na
borboleta, pode dar na cabeça. Ouvi Recôndita Harmonia do Giácomo
Puccini na voz dele o cantor. O que significou isto para o filme que
estou a fazer, não sei, sei que significou alguma coisa. A receita de
família é manter um distanciamento crítico.  A música começou muito
bem. A rosa louca. O excesso de rosa. Longe lá onde eu nem sei, cantou
o doce Afonsinho Heliodoro. Exitetion Blues. Vou tentar penetrar a
fronteira imprecisa entre a arte e a técnica, disse a rainha da Leica,
tudo foi ajustado com grande precisão, tínhamos já aí a correção de

Paralaxe, leve e manuseável.  A arma do caçador foi esquecida, o muque
da arte pode acertar o alvo por si mesmo como um preâmbulo ainda
desconhecido, como um evangelho não domesticado, como nossa mestiça
bárbara vontade incontida. Eu vou numa caravela, a velha Santa Maria,
que passa Domingo de noite, pelo meu Rio de Janeiro. Se você quiser
também, entre na embarcação e vamos sorrindo para o mundo.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Cinema na história


GUERRA OU BARBÁRIE ?
( NOVO TEXTO SOBRE O FILME GUERRA DO PARAGUAY)
PARA MARIA EDUARDA PRADO, JOSÉ SETTE E DALILA CAMARGO MARTINS
Ronaldo Caiado, Eduardo Cunha, Renan Calheiro, Bolsonaro’s, Datena... Vivemos a época vitoriosa do inumano. Ou seja, do avanço ilimitado de um baixo capitalismo convenientemente religioso e bárbaro. E entre os seus projetos a alienação, o domínio da informação, a violência urbana-rural e a guerra. A obsessão enraizada da destruição e a ocupação de corações e mentes. Ênfase aos muitos discursos que nada dizem. O déjà vu que vem desde a descoberta. A discussão “erudita”, sem assunto algum. Mas...não seria isso a nossa atual política cultural ? Mas também é desse retumbante fracasso que são alimentados uma infinidade de burocratas, estáveis em suas repartições. Na verdade, “novos” censores e policiais no sentido literal do termo! 
O capital sabe bem da sua força, e exatamente por isso está nas mãos sujas de empresários, políticos, banqueiros, religiosos, burocratas... Hoje com a televisão se manipula fácil o coletivo das cidades, Estados e continentes. E o que ela se propõem a criar? Um ajuste a credulidade de um deus totalitário, eternamente invisível e ausente. E com ele uma manipulação escancarada de fascismos pelo consumo desenfreado. Daí a hostilidade a todo tipo de arte que faz pensar. A desvalorização do pensamento é o caminho a ser seguido pelos meios de comunicação. Se quer os Malafaias, as Xuxas, os Datenas e as Angélicas. Se quer o lixo, e não as muitas contradições da verdadeira criação que estão muito além de deus ou do diabo.
 
Ora, se a indústria cultural é só um negócio comum do dinheiro, nosso trabalho que parte da Guerra do Paraguay, passa ao longe de só ser mais um produto descartável como tantos e tantos outros. Deliberadamente rechaçamos essa sacralização imbecil e televisiva do capital. E como se vê, excedemos objetivamente a todos os limites sem submissão ou obediência a nenhum tipo de ordem. Temos consciência que a contra evolução ancorada no fascismo político-histérico e religioso quer sim, abolir o saber e a liberdade. E de clichê em clichê usando e vendendo um deus que ninguém vê, mas faturando com a “mais valia ideológica”. E o que é a TV? Como sabiamente dizia um velho revolucionário, são: “escravos ideológicos da burguesia”. E a sustentação dessa percepção, passa sim pela “mancha ideológica do consumo”. Com tudo e todos virando mercadoria. Claro que ainda se está podendo escolher entre a periguete do Eduardo Cunha ou ignorá-la como ser humano. Mas até quando?
 
Ter passado da escuridão cênica do roteiro da Guerra do Paraguay para a natureza solar e viva, me fez voltar a observar a paisagem impregnada de poesia. Árvores, estrada, montanhas... A vida que poderia ser um sonho infinito, rejeitamos suas intenções mágicas e poéticas. Talvez devêssemos filmar mais a natureza. Mais a paisagem que os discursos e certezas. Mas sem dinheiro algum foi o que deu: uma vez mais a imagem como suporte das palavras. E como sabiamente afirmava Benjamin: “Aquilo que sabemos que, em breve, já não teremos diante de nós torna-se imagem”. Ainda assim tentamos poetizar a percepção de todos.
 
O cinema com a luz inventiva de Viniciu Brum, servindo a delicadeza e precisão da pintura sem suavidade alguma. Uma vez mais a imagem como um teatro de guerra, só que sem tiros ou batalhas. Deixamos isso para Hollywood cafetinar e lucrar! Como afirma João Barrento falando de Benjamin e Paul Celan: “O nosso tempo é um tempo sem memória e sem projeto; e como, sem isso, nenhum presente se suporta a si próprio, este é um tempo (do) vazio.” Tá tudo dito! Batalha-se sim uma “dessubjetivação” na construção de um coletivo assumidamente alienado e feroz. E nós nos refugiamos nessa maldita guerra (como são todas) para a partir dela pensarmos Molière, Artaud, Nietzsche... e também o idiotismo das batalhas que não aparecem, pois optamos em privilegiar a Trupe do Teatro Popular das Bacantes, nos seus muitos confrontos com a ordem. E é desse encontro com a loucura que parte o filme.
 
Da composição nas tantas imperfeições do real. Os atores se movimentando no acaso de muitas contradições. E entre tantos objetos o espaço cênico como paisagem de fundo. Ontem as dunas da Barra da Tijuca no Jardim das Espumas. Hoje a natureza solar da Serra. O cinema fazendo avançar o tempo! Penso no movimento que nem sempre explica a ação. E entre estranhezas, diferentes caminhos possíveis. Não filmo para analfabetos pois quero não o público abortado pelo dinheiro, mas pela fome de saber. Saber ser como ser humano! E do desequilíbrio entre todos, nasce uma possível análise das diferenças dos tempos. O fenômeno do diálogo possível fechado em momentos antagônicos: no presente e no passado de uma idéia luminosa. Tempos que dialogam: o Império e a República! Devemos pensar tanto além de um sistema como de outro. O filme é sim um exercício de diferenças reintroduzindo o movimento na história, e suas tantas contradições. E sem o desejo de eternizar nada. Muito menos a inutilidade dos nossos heróis!
 
Me permiti recorrer a ironia em Brecht e a natureza em Humberto Mauro numa busca da potência do inexprimível na história. Tempos distintos numa tentativa de dialetização dos acontecimentos não-acadêmicos! De fato assim começa o caminho do Teatro Popular das Bacantes: por uma compulsão das palavras na estranheza da solidão rural. Os tantos e tantos séculos de latifúndio. Em suma: atores, textos e imagens se misturam. Eis por que o lugar das diferenças é poético: ele faz aparecer palavras, encontros e contradições. A dessemelhança com o cinema de mercado é radical sim ! A inexpressividade seja lá de quem for não nos interessa nem como mercadoria. Nos interessa a dúvida, o belo, as tantas estranhezas possíveis e as infinitas intensidades poéticas.
 
Ou seja, a imagem acrescida da palavra. Rostos próximos e distantes evocando uma ressimbolização da história como um valor incompatível com o saber oficial. Procuramos uma certa “nobreza” narrativa na desmoralização das guerras de ontem e de hoje. Ora, como não desprezá-las? Tanto desacredito delas, como das religiões que viraram profissões bem remuneradas. Mas é trabalho mesmo? Não. “Em torno de cada imagem escondem-se outras. Forma-se um campo de analogias, simetrias e contradições.” Estas palavras de Ítalo Calvino nos servem bem, como uma dança das idéias.
 
Volto a enfatizar o trabalho preciso e criativo de todos. Também não é, nem seria possível uma discussão compromissada com um certo triunfalismo obsceno. Fizemos um filme autocrítico de desconstrução e introdução a uma nova história deslegitimando e desprezando o enfoque autoritário. Nossa história oficial sempre viveu debaixo das aparências do certo e do errado. Mas o que seria uma coisa e outra numa análise livre de uma guerra imperialista? Mas, não queríamos o bode de corpos retorcidos e em sangue; e sim corporeidade, intensidade e prazer como significado de uma luta mais profunda e maior de desilusão sim, com a nossa história oficial toda coberta de lama e sangue.
 
E ao mal-estar com a discórdia, respondemos com uma oposição bem humorada e crítica usando o espaço, o tempo e a paisagem. Fomos pintar cada enquadramento para iluminar o olhar do espectador mais humano e atento. E a cada imagem ou enquadramento, a paisagem sendo modificada e se modificando numa espécie de desenquadramento da história oficial. Ou seja, um pequeno-grande trabalho onde os eventuais excessos passam mais pelas palavras. Elas são tanto a riqueza como a ambigüidade de um diálogo mais historicizado. E o que dizem essas palavras é que é o “X” da questão. Um pouco ou muito como diria Artaud: “Não se trata de suprimir o discurso articulado, mas de dar as palavras mais ou menos a importância que elas têm nos sonhos.” Ou, um mergulho na obscuridade do “fascista que habita todos nós.” Claro que uns mais, outros menos. Nos diferenciamos pouco do mundo animal.
 
Conversando em NY, com um ex-soldado comum que havia estado na guerra do Vietnãn, ele me disse literalmente que foram os melhores anos de sua vida. Ora, como entender isso? Nosso “pequeno homem fardado” também pensa assim, e não saberia dizer por que foi matar no Paraguay. Para concluir, Deleuze nos explicaria tal questão da seguinte maneira: “Basta que o ódio esteja suficientemente vivo para que dele se possa extrair uma grande alegria, sem qualquer ambivalência, não a alegria de odiar, mas a alegria de querer destruir aquilo que mutila a vida.” É-nos exigido sim, um olhar diferenciado e ao mesmo tempo ousado. Um olhar submetido a subjetividade, mesmo trabalhando esse nosso pobre e empobrecido tempo. Daí essa procura pouco lógica de uma outra história. Busca-se uma totalidade na fragmentação de tempos opostos.

LUIZ ROSEMBERG FILHO/RÔ 
RJ/201

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

SONHAR CINEMA



TIPOS E ASPECTOS DA ARTE BRASILEIRA
Três palavras formam o texto dito, escrito e narrado deste meu cine-poema-documental: Criação - Elevação – Sublimação.


O CONVITE
Meu caro amigo,
Escrevi e faço a produção, fotografia e edição de um novo filme (vídeo) documentário sobre a minha trajetória e meus encontros com amigos da arte - música, artes-plásticas, teatro, literatura, poesia, que terá os seus primeiros movimentos gravados em Minas, Rio e São Paulo e você é um dos meus convidados a participar deste registro poético da nossa contemporaneidade.
A URDIDURA
Por ter amigos-artistas por todo país, alguns que há tempo gostaria de tê-los filmados, pretendo agora, com nova tecnologia, resgatar as imagens e sons de tantos outros que ainda permanecem trabalhando com arte e exibi-los, através da minha ótica, ao universo cinematográfico brasileiro.
O filme será dividido em partes correspondentes as cidades visitadas. Juiz de Fora foi à escolhida para iniciar a parte mineira regional do projeto, depois Ouro Preto, Mariana, Belo Horizonte e região.
Buscar as imagens, os sons e os textos dos artistas sobre suas obras, mostrando-os em plena atividade, é o mote deste filme documental.
Visitando esses amigos-artistas em seus ninhos e desenhando as cenas ao acaso das circunstâncias encontradas, pretendo criar um documentário de linguagem experimental, poética, misturando manifestações artísticas, sonoras, gráficas e criando, elevando, sublimando, o pensamento expresso, poético, de cada um, compondo frases soltas, abstratas, tendendo ao ficcional.
Na edição final o documentário também visitará, nos meus velhos arquivos fílmicos, os personagens de toda a minha filmografia documental relacionada às artes
ARTEIRO
1  Um bom artista não sabe fazer mais nada além de criar.
2  Sem arte a educação não se consolida como parte da cultura de um povo.
3  Burocratizar a arte é asfixiar o talento estagnando a criação.
4  Um artista não tem que depender do Estado, mas é o Estado que depende do artista.
5  O Estado tem o dever de proteger os artistas e oferecer a eles os meios de produção que necessitam na prática dos seus sonhos diversos.
6  O escritor, o ator, o pintor, o músico, o poeta, todo grande artista, não precisa de diploma para poder exercer os seus talentos criativos.
7  A arte só é verdadeira quando não é imposta pelo sistema, pelo mercado ou pelos interesses dos burocratas.
8  A arte para a revolução e a revolução para a libertação total da arte.
9  O artista não quer aposentadoria, o verdadeiro artista quer morrer trabalhando.
10 A arte está acima da política e dos desejos populares.
11 A boa arte não se vende, absorve-se.
12 A loucura é o combustível do grande artista.
13 A boa arte é universal e eterna.
14 A arte má também existe mas é regional e efêmera.
AS PALAVRAS
1  É doce o aconchego das palavras quando elas representam verdades que docemente nos elevam a mundos superiores.
2  As Palavras são fortes em alguns momentos e noutros são suavemente pronunciadas como se falássemos com os anjos e deuses.
3  Palavras soltas no ar não formalizam histórias, criam poemas.
4  A Palavra tem de ser sólida e cristalina em sua total perfeição.
5  A Palavra tem de ser aos meus sentidos, uma tela pintada com a mais bela imagem do entardecer de um dia quente de verão.
6  A Palavra é um dom divino ou uma aberração do mal. Não importa a forma em que ela se apresenta. A mesma palavra com um mesmo significado pode ter infinitos significantes.
7  A Palavra tem um só tempo, uma única batida certa em um espaço indeterminado... Não é incrível?
8  A Palavra poderia nos falar por horas milhares de outras palavras sem nenhum sentido. Alguns chamariam isso de poesia e eu acreditaria. É preciso acreditar. É poesia.
9  As palavras quando se relacionam com outras palavras elas transformam o tabu em totem, o amor em ódio, o vício na virtude e todos os ícones nos troféus de uma revolução e é assim que se inicia o poderoso processo de transformação da criação, pela união, na transmutação do inconcebível, no que pode ser criado.
10   “Foi ali, naquele local inóspito, que essa palavra obteve seu maior troféu.”

11  A Palavra é música, pois assim é mister entender a força que vem de uma palavra e das suas composições, do seu símbolo ideogramático ao som da imagem retratando a história - são pautas poderosas para o bem ou para o mal dependendo das circunstâncias onde foram colocadas na sua edição final. 

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

INFORMAÇÃO


Literacia
Por Orlando Senna
 Inicialmente o conceito literacia estava enganchado na comunicação escrita, significando a capacidade de compreender e usar adequadamente a informação gerada em textos impressos. É uma palavra historicamente nova, tanto que não está registrada na maioria dos dicionários brasileiros, embora esteja nos portugueses, espanhóis, ingleses e franceses (littéralisme). Essa capacitação está relacionada com a expansão dos conhecimentos individuais e com o desenvolvimento de uma visão crítica (em alguns dicionários ingleses, literacy é definida como alfabetização e, analogicamente, como conhecimento e iluminação).
Uma palavra historicamente nova para uma atividade humana antiga que, em português, se chamava letramento: ensinar a ler e a escrever. Ensinar de verdade e não de uma maneira superficial ou desleixada, causando o problema dos “analfabetos funcionais”, indivíduos que sabem ler mas não conseguem compreender o que estão lendo (milhões de pessoas têm essa deficiência). Atualmente, com o desenvolvimento da educomunicação e das linguagens audiovisuais, o conceito literacia foi expandido, adotando o entendimento moderno e amplo de leitura, de ler o mundo. Frases como “um filme provoca várias leituras diferentes” ou “não consigo ler suas intenções” são cada vez mais comuns.
Alguns acadêmicos preferem usar o conceito no plural, as literacias, outros optam por manter o singular expandido — literacia científica, literacia política, literacia digital, literacia midiática (Glauber se preocupava com isso, dizia que muita gente não sabia ler as “entrelinhas” dos jornais e telenoticiários, as intenções por trás das letras e vocalizações). Até mesmo a Literacia Emergente, que se refere ao aprendizado da leitura da vida, que começa no nascimento do bebê e abrange os primeiros anos da infância.
Decidi tecer essas observações ao conversar sobre literacia audiovisual com minha amiga Erika Savernini, da Universidade Federal de Juiz de Fora, autora de um livro encantador, Índices de um Cinema de Poesia – Pier Paolo Pasolini, Luis Buñuel e Krzysztof Kiéslowski (Editora UFMG). Ela me falou sobre uma cooperação entre o Grupo Comunicar, instituição espanhola com raio de ação mundial, e a Universidade Federal de Juiz de Fora para realização de pesquisas sobre “competências e produção de coisas” com alunos do ensino fundamental. Um trabalho didático, prenhe de consciência contemporânea, com crianças na fronteira entre o período da literacia emergente e as outras literacias.
Sobre a literacia audiovisual, menciono um pequeno movimento que se manifestou há dez anos no Brasil, consistindo em propor ao governo, ao Ministério da Educação, o aprendizado da linguagem fílmica em todos os níveis escolares, como a língua materna e a matemática, devido à sua crescente importância na convivência humana. O governo achou que não era necessário e/ou a implementação disso era muito cara, tanto no que se refere à preparação de professores quanto ao equipamento. Hoje, com a multiplicidade de usos, funções e disfunções dessa linguagem, com forte repercussão no entendimento, comportamento, religião e cidadania das pessoas, a presença integral dessa matéria nos currículos escolares deveria ser um tema estratégico dos países, já que tem a ver com poderes politicos e econômicos nacionais e internacionais.
Antes era o verbo: literacia se origina no latim littera, que significa letra. Mas, continuando a citar a Bíblia, o verbo se fez carne e habitou entre nós. Ou seja, a História continuou e continua sua marcha, trazendo (inventando, construindo, transformando) novas competências e coisas e, em consequência, novos aprendizados. Novas apreensões adequadas a cada situação, a cada contingência. Portanto, aprender a aprender é a essência da galáxia literacia. Mais uma citação, essa do escritor português Joaquim Coelho Rosa (in Literacia, Fundação Calouste Gulbenkian, 2008): “a existência humana é uma tarefa permanente de leitura da vida: ler a vida é escrever e reescrever o mundo”. 


domingo, 11 de outubro de 2015

Cinema com Joyce


QUEBRANTO

O Primeiro Passo

Durante muitos anos eu possuía na minha pequena biblioteca três livros escritos por James Joyce. Confesso que sempre que começava a ler desistia de continuar. Não conseguia acompanhar a sua intricada narrativa. Assim Ulisses, Dublinense, Retrato do Artista Quando Jovem e também um Estudo sobre o romance moderno com textos de Ezra Pound, Umberto Eco, Ítalo Svevo, Richard Ellmann, onde encontrei o seu Giacomo Joyce, ficaram adormecidos nas estantes.

No ano passado, numa noite de insônia, devorei “As Irmãs” o primeiro dos contos de Dublinense e fiquei extasiado com o que eu acabara de conhecer. Depois foram vindos de roldão os outros 14 contos restantes.

Apaixonado, pela tardia descoberta, debrucei-me na vida e na obra do renomado escritor, primeiro com os ensaios dos autores acima citados e depois com algumas pesquisas feitas pela internet, podendo assim experimentar o prazer de degustar o texto, a poesia inocente, do “Retrato do Artista Quando Jovem” e finalmente o colosso de “Ulisses”, o que mais demorei a ler, o mais difícil de ser decifrado.

Como a minha letra, o meu texto, a minha poesia, é composta por imagens e sons, resolvi fazer um esboço do que eu havia visto e daquilo que mais havia sensibilizado os meus ouvidos em todos os textos do genial escritor. Frases soltas, deste ou daquele momento retiradas do romance ou dos contos, poemas, e todo erotismo fantástico deste anárquico e misterioso ser, foram enchendo páginas e mais páginas de papéis com a minha confusa caligrafia. No final dessa maratona enlouquecida eu já tinha esboçado o desenho do que viria a ser o primeiro tratamento do roteiro de um filme. Comecei de pronto a ordenar e a digitalizar a urdidura, a trama, que aos poucos, como peças de um quebra-cabeça, tomavam a forma da história que deveria ser contada.

Assim nasceu “Quebranto”. Um filme das alucinações de Giacomo no seu um século de vida. Giacomo é James, que pode ser João, o nome que dei ao nosso personagem.

O roteiro começa com a apresentação dos três tempos de vida do João, o principal personagem desta história: CONTUBÉRNIO, GNÔMON, SIMONIA...

Na ânsia de colocar, em imagem e som, parte o que eu estava sentindo nesta indescritível aproximação em parte da obra deste extraordinário escritor, fiz um clipe caseiro de três minutos que está postado no Youtube. 

Não sei se nesse primeiro momento concretizarei o meu intento que é abrir o caminho para uma produção cinematográfica para a realização deste filme. Mas, pelo menos, é um começo e sei que não se atravessa um deserto sem se dar o primeiro passo.  


Jose Sette

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

EM TEMPOS PASSADOS

 SOMOS TODOS ESTRANGEIROS

Ivan Lessa
(Londres, 7 de setembro, 1970)

Estrangeiro é o bairro em que moramos, estrangeira é a mulher que encoxamos no elevador, estrangeiros são nossos pais, nossos filhos. Nunca me senti em casa no Brasil, ninguém está em casa no Brasil: todo mundo foi até a esquina, todo mundo foi tomar um cafezinho. Achava que, de uma maneira ou de outra, eu estava embromando ou sendo embromado por alguém. Que viver não era nada daquilo, que eu não tinha nada com o peixe, que os verdadeiros brasileiros estavam misteriosamente ocupados com seus sofrimentos, ou então atarefados criando um Brasil melhor: gente andando rapidamente nas ruas da cidade, ou cavando uma terra dura e ingrata. Os brasileiros eram abstratos, distantes, mais calados do que comumente se supõe. Conheço algumas vozes brasileiras: gostaria de saber escrever na tonalidade do Jorge Veiga, ou do Moreira da Silva, misturada a uma retórica aborrecida e às avessas semelhante à de Ruy Barbosa — como o Hino à Bandeira acompanhado de caixinha de fósforos. Os sambinhas, claro, eram brasileiros, o pessoal que sentava ao meu lado no Maracanã era brasileiro, as piadas de papagaio eram brasileiras. Mas tudo era de mentirinha, beirando sempre o pitoresco ou se precipitando na tragédia policial ou no editorial dos jornais. A vida a sério, os seis quarteirões em que me locomovia, as seis pessoas com quem convivia não eram, digamos assim, bem brasileiros — assim como eu, tinham máquina fotográfica a tiracolo e camisas com palmeiras.
Em tudo que eu engolia ficava uma ponta de tradução atravessada em minha garganta: os filmes com legendas em português, as histórias em quadrinhos, os livros, as notícias; os foxes. Éramos uma versão pobre do que a vida deveria ser — e a vida vinha sempre em inglês, em francês, em alemão. Mesmo quando dizia “eu te amo”, ou “não me chateia”, eu me sentia vagamente ridículo, apropriador — feito um homem de série da televisão mal dublado: minha boca fechada e as palavras ainda saindo, um ventríloquo com descontrole psicomotor.
Reconheci, pelo paladar, pelos olhos, certos molhos, certas bossas tipicamente brasileiras (o problema é que eram típicos): feijoada, dendê, folha seca de Didi, Noel Rosa, escola de samba. Mas a essência, a parte que tratava de mim (nos meus seis quarteirões, na cidade no sul do país) e de minha relação com os severinos todos, essa parte era sempre tratada em outra língua; eu pertencia aos estrangeiros, foram eles que me disseram como vim a fazer parte ou como nunca fiz parte. Eu era, como todo brasileiro, um improvisador, um adaptador, um tradutor, conseqüentemente um traidor — porque eu olhava para a cara de meu semelhante e não sabia como poderíamos nos entender, o que ele tinha a me dizer, o que eu poderia lhe dizer, como juntos conseguiríamos nos salvar. No entanto, o tempo todo, eu era, eu sou, apenas mais um João, só que em russo.
Não consegui, como tanta gente de minha geração ou mais moça do que eu, me interessar pelo folclore caboclo. A própria palavra folclore já leva embutido um desaforo urbano. No entanto, achava que o setor, devidamente estudado por profissionais competentes, me seria útil, me forneceria, por exemplo, dados para escrever com justeza para um público moço que vive de cinema, disco e que sabe, curiosamente, que há uma tremenda safadeza, uma violência no ar. Não lia, portanto, O Negrinho do Pastoreio — o que já preparava o terreno até para eu deixar de ler Machado de Assis ou Dalton Trevisan. Comprava pocketbooks, que eram mais baratos, mais engraçados, e, de certa forma, sobre mim, a meu respeito. Preocupado comigo mesmo, com esse “meu respeito”, descobri-me sozinho no meio da avenida repetindo eu… eu… eu… como um pronome enguiçado que não consegue engatar a segunda e a terceira do singular. Perdi os joões, os josés, os severinos, vim para o original, o estrangeiro, dando início a uma certa paz, tranqüilidade, a noção de ordem: as legendas acabaram, sou finalmente, completamente, um estrangeiro. Posso agora conjugar-me no plural, dizer nós. Somos todos estrangeiros, sois todos estrangeiros, são todos estrangeiros. Não há nada a fazer a não ser descobrir esse estrangeiro que há na gente. Daí então a gente começa a falar brasileiro, coça o saco, conta como é que é. Daí então o papo, aquele papo, pode começar. Só que agora pra valer.


sábado, 3 de outubro de 2015

O HERMENEUTA


O SENTIDO DO DUPLO
 Carlos Sepúlveda

       Estamos acostumados ( ou seria “condicionados”) por força dos nossos regimes democráticos a desconfiar dos sentidos, tanto dos sentidos óbvios quanto dos mais elaborados. Aliás, nada irrita mais a modernidade do que o singelo ato de “fazer sentido”.
       Estamos convencidos de que não existe discurso inocente, por isso ficamos muito espertos, ou quase. É um prazer inexcedível quando encurralamos um interlocutor ingênuo toda vez que esta ingenuidade é surpreendida por nossas suspeita profissional.
       Afinal, tudo o que se diz não passa de uma forma de enganar, de iludir. E se todo discurso é um duplo sentido, a possibilidade de verdade é um inútil exercício de paciência, até que firme uma operação válida de fazer sentido.
       É a marca mais contundente da baixa modernidade em que nos arrastamos. Ignoramos, faz tempo, que vivemos a era da suspeita.
       Suspeitar é um dever, uma cidadania imperativa para se viver nesse bravo  ( nem sempre admirável) mundo novo.
       Lembro-me de uma passagem de Umberto Eco na qual, com seu humor ácido, observou que tudo andava muito esquisito, muito suspeito. Sempre, por volta das seis horas matutinas, o sol nascia outra vez, e quase sempre no mesmo lugar. Isso é muito estranho.
       Preguiçosamente, adotamos o estranho hábito de criar, para uso próprio, uma outra modalidade de dúvida metódica, o instrumento de que se serviu Descartes para dar vaidade à racionalidade cartesiana. Estamos falando de uma radicalidade mais profunda, a mesma de que Kant ser serviu para escrever suas três críticas. No caso de um discurso normativo, autotélico, o que se produz é dúvida, como num vórtice.
       Se possível, e se você quer ser alguém ” aggiornato” destrua ou desconstrua até não sobrar a mínima possibilidade de se cumprir a tarefa para a qual os discursos foram  criados: fazer sentido, pois este é a maior aspiração de um discurso: fazer sentido. Está no Evangelho de João; no princípio era o logos ( o verbo, o discurso).
       Com vistas a corroborar o escândalo e para impedir a possibilidade de fazer sentido, apela-se para uma multiplicidade de sentidos; vários duplos, de modo a inviabilizar qualquer tentativa de… fazer sentido.
       Ora, acabamos reféns de uma nova hermenêutica cujo credo advoga, para todos os participantes da razão comunicativa, o princípio da hierarquia da interpretação que culmina na máxima: “ o importante não é o que se diz, mas o lugar de onde se fala.”
       Se é verdade que está garantida a pluralidade aparentemente inesgotável dos duplos sentidos, então na há mais um terreno seguro para um discurso que garanta a validade do que outrora chamávamos verdade dos fatos consumados, embora Fernando Pessoa nos tenha alertado de que só há argumentos contra fatos consumados. Evidente que se, um fato já é consumado, não há que se falar em argumentos a não ser por um inesperado altruísmo intelectual.
       Sabemos que não é mais a verdade dos fatos que importa, o que importa é a verdade dos fatos consumidos posto que a verdade, hoje, foi recolhida ao museu das inutilidades funcionais e desartáveis. Afinal se tudo se pode comerciar, precificar, trocar, marcadejar, por que não o sentido?
       Talvez seja por essa razão que a possibilidade do discurso único, garantido pela verdade dos fatos, já não parece fazer mais sentido.
       No comércio da convivência do homem moderno com outros homens, é sempre possível perceber a disputa pela hegemonia do melhor discurso, isto é, daquele discurso que se constitui como validado  pela chamada “verdade dos fatos”. E se esta verdade não consegue validar-se como fato, pior para os fatos.
       Funda-se uma espécie de “neonominalismo”, adornado por um tipo de retórica meramente conceptista. Não se pode mais conceber uma verdade, mas pode-se conceber um discurso que substitui e se sobrepõe  ao que antes se entendia como verdade.
       A moderna concepção de verdade não pode mais se dissociar dos discursos, não lhes antecede nem precede, apenas os substitui.
       Como a pedra que se abre à exortação do “abra-te sézamo”, liberando o acesso aos produtos de uma razão corrompida pelos ladrões de Ali Babá, também o discurso como a verdade vive do roubo, do crime. Vive do prazer de se deixar interpretar pelo avesso, e o avesso é sua neurose.
       Mas o truque , a trampa, consiste em produzir uma rede ampla de sentidos de modo a não substituir verdade alguma.
              Und ob ein tausand Wört habt
              Das Wort, das Wort ist tot
Então, se não há como se salvar  do naufrágio,  vivamos o relativismo, aquele parente da má-fé, cujo efeito é moral e, quanto a isso, não importa o sentido que tenha pois na esfera dos valores, nada é para sempre. Viver um relativismo complexo dá muito trabalho.
Por isso, eis a lição de Mateus 5, 37
“Diga sim quando for sim
E não quando for não.
O que você disser a mais vem da boca do maligno.