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quarta-feira, 14 de outubro de 2015

INFORMAÇÃO


Literacia
Por Orlando Senna
 Inicialmente o conceito literacia estava enganchado na comunicação escrita, significando a capacidade de compreender e usar adequadamente a informação gerada em textos impressos. É uma palavra historicamente nova, tanto que não está registrada na maioria dos dicionários brasileiros, embora esteja nos portugueses, espanhóis, ingleses e franceses (littéralisme). Essa capacitação está relacionada com a expansão dos conhecimentos individuais e com o desenvolvimento de uma visão crítica (em alguns dicionários ingleses, literacy é definida como alfabetização e, analogicamente, como conhecimento e iluminação).
Uma palavra historicamente nova para uma atividade humana antiga que, em português, se chamava letramento: ensinar a ler e a escrever. Ensinar de verdade e não de uma maneira superficial ou desleixada, causando o problema dos “analfabetos funcionais”, indivíduos que sabem ler mas não conseguem compreender o que estão lendo (milhões de pessoas têm essa deficiência). Atualmente, com o desenvolvimento da educomunicação e das linguagens audiovisuais, o conceito literacia foi expandido, adotando o entendimento moderno e amplo de leitura, de ler o mundo. Frases como “um filme provoca várias leituras diferentes” ou “não consigo ler suas intenções” são cada vez mais comuns.
Alguns acadêmicos preferem usar o conceito no plural, as literacias, outros optam por manter o singular expandido — literacia científica, literacia política, literacia digital, literacia midiática (Glauber se preocupava com isso, dizia que muita gente não sabia ler as “entrelinhas” dos jornais e telenoticiários, as intenções por trás das letras e vocalizações). Até mesmo a Literacia Emergente, que se refere ao aprendizado da leitura da vida, que começa no nascimento do bebê e abrange os primeiros anos da infância.
Decidi tecer essas observações ao conversar sobre literacia audiovisual com minha amiga Erika Savernini, da Universidade Federal de Juiz de Fora, autora de um livro encantador, Índices de um Cinema de Poesia – Pier Paolo Pasolini, Luis Buñuel e Krzysztof Kiéslowski (Editora UFMG). Ela me falou sobre uma cooperação entre o Grupo Comunicar, instituição espanhola com raio de ação mundial, e a Universidade Federal de Juiz de Fora para realização de pesquisas sobre “competências e produção de coisas” com alunos do ensino fundamental. Um trabalho didático, prenhe de consciência contemporânea, com crianças na fronteira entre o período da literacia emergente e as outras literacias.
Sobre a literacia audiovisual, menciono um pequeno movimento que se manifestou há dez anos no Brasil, consistindo em propor ao governo, ao Ministério da Educação, o aprendizado da linguagem fílmica em todos os níveis escolares, como a língua materna e a matemática, devido à sua crescente importância na convivência humana. O governo achou que não era necessário e/ou a implementação disso era muito cara, tanto no que se refere à preparação de professores quanto ao equipamento. Hoje, com a multiplicidade de usos, funções e disfunções dessa linguagem, com forte repercussão no entendimento, comportamento, religião e cidadania das pessoas, a presença integral dessa matéria nos currículos escolares deveria ser um tema estratégico dos países, já que tem a ver com poderes politicos e econômicos nacionais e internacionais.
Antes era o verbo: literacia se origina no latim littera, que significa letra. Mas, continuando a citar a Bíblia, o verbo se fez carne e habitou entre nós. Ou seja, a História continuou e continua sua marcha, trazendo (inventando, construindo, transformando) novas competências e coisas e, em consequência, novos aprendizados. Novas apreensões adequadas a cada situação, a cada contingência. Portanto, aprender a aprender é a essência da galáxia literacia. Mais uma citação, essa do escritor português Joaquim Coelho Rosa (in Literacia, Fundação Calouste Gulbenkian, 2008): “a existência humana é uma tarefa permanente de leitura da vida: ler a vida é escrever e reescrever o mundo”. 


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