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sexta-feira, 31 de maio de 2013

NOTÍCIAS

ATENÇÃO BRASÍLIA

A CAMERATA MUSICA NOVA dará, no próximo sábado, 1º de junho, continuidade à série de concertos intitulada "Museu Sonoro”. Desta vez o espetáculo será realizado no Catetinho. A série de apresentações é patrocinada pelo FAC, Fundo de Apoio à Cultura, com apoio da produtora Sistrum e percorre os museus do Distrito Federal para a divulgação da música contemporânea. No concerto de sábado, às 11 horas, com entrada franca, serão ouvidas obras de Silvestre Revueltas, Karlheinz Stockhausen, Ricardo Tacuchian, Jorge Antunes e Edgar Varèse.


COMOVENTE E ESCLARECEDOR

O Depoimento na íntegra de Lúcia Murat para Comissão da verdade do Rio de Janeiro:

"A minha primeira prisão foi no Congresso estudantil em Ibiúna em outubro de 1968. Eu era vice-presidente do diretório estudantil da faculdade de economia e estava no congresso representando a minha faculdade. Fiquei cerca de uma semana na prisão e não fui torturada. Antes do Ato Institucional número 5, em 13 de dezembro de 1968, os estudantes de classe média não eram torturados, mas o mesmo não acontecia com os operários. Dois anos mais tarde encontrei e militei com Jose Barreto, assassinado junto com Carlos Lamarca, e ele me contou das torturas que sofreu em 1968, quando foi preso por ter estado no comando da Greve de Osasco.

Por ter sido presa no Congresso de Ibiúna, eu entrei na clandestinidade lodo depois do Ato Institucional numero 5, pois sabíamos que com o fim do habeas corpus e dos direitos que ainda existiam os militares iriam me perseguir em algum momento. E, efetivamente, alguns meses mais tarde quando da chamada Operação Rockefeller, mais de 10 mil pessoas foram presas numa tentativa de preservar o país de qualquer manifestação contra a chegada de Nelson Rockefeller , então governador de Nova York. Nessa ocasião, a casa dos meus pais foi invadida por militares armados. E, meu pai, Dr Miguel Vasconcellos, então diretor do Hospital Pedro Ernesto no Rio de Janeiro, foi preso e levado para um quartel onde o interrogaram sobre a minha localização, a qual ele desconhecia. Com ele, foi levada minha irmã Regina Murat Vasconcellos. Eles foram soltos, depois de ameaçados.

A minha segunda prisão se dá então em 31 de março de 1971, depois de dois anos e meio de clandestinidade.
A tortura era uma prática da ditadura e nós sabíamos disso pelo relato dos que tinham sido presos antes. Mas nenhuma descrição seria comparável ao que eu vim a enfrentar. Não porque tenha sido mais torturada do que os outros. Mas porque o horror é indescritível.

Sabendo dessa impossibilidade, vou tentar descrevê-lo.
Em março de 1971, eu estava junto com Maria Luiza Garcia Rosa num quarto que alugávamos num apartamento no Jacarezinho. Eles chegaram de noite e nem houve condições de esboçar uma reação. Imediatamente fomos separadas, me jogaram num carro e me enfiaram um capuz. Começaram a me bater dentro do carro.

Quando cheguei no Doi-Codi, não sabia onde estava, só fui descobrir mais tarde, que era o quartel do Exercito localizado na Rua Barão de Mesquita, que existe até hoje. Rapidamente me levaram para a sala de tortura. Fiquei nua, mas não lembro como a roupa foi tirada. A brutalidade do que se passa a partir daí confunde um pouco a minha memória. Lembro como se fossem flashs, sem continuidade. De um momento para outro, estava nua apanhando no chão. Logo em seguida me levantaram no pau de arara e começaram com os choques. Amarraram a ponta de um dos fios no dedo do meu pé enquanto a outra ficava passeando. Nos seios, na vagina , na boca. Quando começaram a jogar água, estava desesperada e achei num primeiro momento que era para aliviar a dor. Logo em seguida os choques recomeçavam muito mais fortes . Percebi que a água era para aumentar a força dos choques.
Isso durou horas. Não sei quantas. Mas deve ter se passado mais de dez horas. De tempos em tempos, me baixavam do pau de arara. Lembro que um médico entrou e me examinou. Aparentemente fui considerada capaz de resistir, pois a tortura continuou.

Logo que comecei a apanhar, achei que não ia resistir e inventei uma história que na minha cabeça me possibilitaria me suicidar.Nós tínhamos um sistema de ponto - de encontros - em que se não aparecêssemos em 48 horas, nós seriamos considerados presos e nossa família seria avisada. Eu queria proteger meus companheiros e a única coisa que me passava pela cabeça era agüentar um tempo até eu ter condições de me suicidar, pois assim todos estariam salvos. Então, disse que eu deveria estar na varanda do apartamento onde tinham me prendido, e que um companheiro passaria de carro embaixo do edifício. Eu faria um sinal de que tudo estava bem, e ele iria me encontrar mais tarde em um determinado lugar. Eu achava que da varanda do apartamento eu poderia me jogar e tudo estaria terminado.

Mas quando eu saí do pau-de-arara , eu estava paralítica, a minha perna direita tinha inchado muito (depois foi diagnosticada uma flebite). Eu não conseguia mexer a perna, estava muito machucada, com febre muito alta e com os pulsos abertos por causa do pau de arara. Sem poder subir as escadas do edifício, eles me levaram até o local, mas me deixaram dentro do carro e me substituíram na varanda por uma pessoa deles com uma peruca da cor dos meus cabelos. Quando eu percebi o que estava acontecendo, comecei a ficar desesperada. Sabia que eles não iam pegar ninguém e que quando voltasse eu não iria resistir. Eu não ia conseguir me suicidar. Essa foi talvez a pior sensação da minha vida, a sensação de não poder morrer. Eu chorava igual uma louca dentro do carro e pedia por favor para eles me matarem.Eles riam. E diziam que eu ia me fuder se não caísse ninguém.

Eu não tinha muita noção das horas, mas sabia que, naquele momento, tinha que aguentar pelo menos mais 12 horas para impedir a prisão dos meus companheiros,. E não sabia como. Aos 22 anos, eu vi que tinha que inventar outra história que justificasse para mim mesmo o novo horror que se aproximava. Desde o carro, antes de ir para um encontro onde ninguém foi preso, eu comecei a dizer que a culpa era deles, que ninguém era idiota de ir num ponto porque não era eu que estava na varanda. Eu precisava me agarrar a uma história, mesmo que eles não acreditassem.
Não sei bem o que se passou quando eu voltei. As lembranças são confusas. Não sei como era possível, mas tudo ficou pior. Eles estavam histéricos. Sabiam que precisavam extrair alguma coisa em 48 horas senão perderiam meu contato. Gritavam, me xingavam e me puseram de novo no pau de arara. Mais espancamento, mais choque, mais água. E dessa vez entraram as baratas. Puseram baratas passeando pelo meu corpo. Colocaram uma barata na minha vagina.

Hoje, parece loucura. Mas um dos torturadores de nome de guerra Gugu, tinha uma caixa onde ele guardava as baratas amarradas por barbantes. E através do barbante ele conseguia manipular as baratas no meu corpo.
Eu queria morrer e não conseguia morrer. Mas nisso praticamente eu já tinha ganho o tempo necessário para liberar os pontos com a organização. E a Marilena Vilas Boas, que mais tarde foi barbaramente assassinada, que era com quem eu tinha os encontros, conseguiu avisar minha família de que eu tinha sido presa.

Passados esses primeiros dias, eu fui largada no corredor, de capuz. Eu ficava meio desmaiada, meio dormindo.
Até que fui levada para a enfermaria. Na enfermaria, depois de algum tempo, comecei a tomar antibióticos. Não podia andar, minha perna direita estava muito inchada e não mexia, meus pulsos estavam feridos, assim como os seios e os pés. Não podia comer porque tinha levado muito choque na língua e se engolia alguma coisa, vomitava.
Médicos mais tarde calcularam que se eu não tivesse começado a ser medicada, eu teria morrido em poucos dias. Isso é uma questão importante. As circunstâncias. Com certeza eu fui salva por circunstâncias, não pela vontade deles. Podíamos morrer a qualquer momento e por isso nos mantinham incomunicáveis em todo esse período e negavam nossa prisão. Para eles, que eram donos de nossas vidas e de nossas mortes, seria apenas mais um "acidente", como tantos que aconteceram.

Na enfermaria, os médicos que me trataram eram os mesmos que nos "assistiam " na sala de tortura: Amilcar Lobo e Ricardo Fayal.No dia seguinte, comecei a ser interrogada por dois representantes da Bahia - eu tinha vivido clandestina durante um ano em Salvador - o Major Cinelli, do CIEX e um representante da Aeronáutica. Eles resolveram me levar para a Bahia. Disseram que iam me tratar lá.

Fui de avião da FAB para Salvador e levada para o quartel de Barbalho, onde o medico se apavorou achando que eu ia morrer em suas mãos e fez um relatório descrevendo em detalhes minha situação e pedindo um especialista. Lembro que esse médico disse: "Eu vou fazer isso porque senão você vai morrer nas minhas mãos e eu não tenho nada a ver com isso". Trouxeram então um médico neurologista da Aeronáutica que me tratou. Minha perna começou a desinchar. Continuava de cama e sendo interrogada todos os dias pelo major Cinelli. Mas nesse momento sem tortura física.

Melhorei, a perna desinchou e fui transferida para Base Aérea em Salvador. Eu estava com a perna muito fina, sem controle no pé, a cintura torta, como se eu tivesse tido paralisia infantil. Achei que as torturas tinham terminado, quando me avisaram que eu voltaria para o Rio. Quando eles entraram na cela já me puseram o capuz. Fui levada aos trancos para o avião, e durante todo o trajeto era ameaçada de ser jogada para fora. Me levantavam da cadeira, me levavam até um lugar onde deveria ser a porta de emergência do avião e diziam que iam abrir. Voltavam a me sentar para recomeçar tudo. Em algum momento, me perguntaram pelo "Paulo" , nome de guerra do Stuart Angel Jones, e eu percebi que ele tinha caído. Depois, no Rio nunca mais perguntaram por ele. Stuart tinha sido assassinado. Só soube depois.

Eles se comportavam o tempo todo como se estivessem disputando um campeonato. E o que estava em jogo podia ser uma prisão, a morte de alguém da oposição considerado importante, o fato de alguém ter falado. Assim, o pessoal do Dói-Codi disputava com a Aeronáutica, que disputava com a polícia... O pessoal do Rio disputava com a Bahia, etc.... Eles nos disputavam como se fossemos troféus, verdadeiros animais de caça.

Quando voltei ao DOi-Codi, de Salvador, a tortura seria um pouco diferente. Em 1971, eles já conheciam bem o funcionamento das organizações clandestinas E a tortura era dirigida para o seu aniquilamento. Assim, eles sabiam do esquema de pontos que tínhamos e a tortura quando éramos presos, era violenta e brutal para que entregássemos os encontros com nossos companheiros o mais rápido possível. Depois, eles sabiam que podiam usar o tempo a favor deles para conseguir informações mais estruturais. Um dos torturadores, de nome de guerra Nagib, me disse um dia que para eles nós éramos como cachorrinhos de Pavlov. O choque no início tinha de ser de alta voltagem. Mas depois, eles podiam dar choques pequenos que a nossa memória era do choque de alta voltagem. Nos já estaríamos nas mãos deles.

Acho isso muito importante porque demonstra também que essa equipe de torturadores estudava os métodos que eles eufemisticamente chamavam de "técnica de interrogatório". Não era simplesmente uma explosão de um sádico de plantão.Num segundo momento então, a tortura era progressiva, feita de idas e vindas, de ameaças e da nossa certeza, permanentemente alimentada por eles, que tudo poderia recomeçar a qualquer momento. O objetivo era, pouco a pouco, nos anular, como pessoas e como militantes.

Foi nesse quadro, na volta, que o próprio Nagib, fez o que ele chamava de tortura sexual cientifica. Eu ficava nua, com um capuz na cabeça, uma corda enrolada do pescoço passando pelas costas até as mãos, que estavam amarradas atrás da cintura. Enquanto o torturador ficava mexendo nos meios seios, na minha vagina, penetrando com o dedo na vagina, eu ficava impossibilitada de me defender, pois se eu movimentasse meus braços para me proteger eu me enforcava e instintivamente voltava atrás. Ou seja, eles inventaram um método tão perverso em que aparentemente nós não reagíamos, como se fôssemos cumplices de nossa dor. Isso durava horas ou noites, não sei bem.
Era considerado um método de aniquilamento progressivo. E foi realmente o período em que eu mais me senti desestruturada, mais do que em toda a loucura dos primeiros dias Porque você já sabe o que é a tortura, e ela parece que nunca terá fim.Nessa época, a rotina estava implantada. Eu ficava numa cela - num período fiquei com uma menina do Paraná chamada Ruth - e era levada repetidamente para a sala de tortura, para novos interrogatórios. 

Acho que a essas alturas eu já estava ha dois meses na prisão, quando meu advogado, Dr Tecio Lins e Silva, conseguiu que eu fosse apresentada na Auditoria da Marinha, onde corria um processo contra mim.
Desde o primeiro dia, quando Marilena avisou minha mãe, minha família e meu advogado, tentavam desesperadamente me encontrar. Eles sabiam que se eu fosse levada na auditoria, eu estaria salva pois teria sido apresentada e seria muito difícil eles me matarem. Por isso, usaram de todos os subterfúgios e procedimentos legais para conseguirem que eu fosse apresentada. O meu advogado entrou com um pedido na Auditoria afirmando que eu tinha sido presa. A auditoria mandou uma ordem para o Quartel da PE.

Essas contradições existiam porque em meio ao horror a ditadura brasileira sempre tentou manter justificativas legais. E nós não estávamos sendo torturadas numa casa clandestina, mas num quartel do exército.
E assim um dia mandaram eu me vestir - nós usávamos um macacão na prisão - e eu fui levada por um grupo de soldados da PE para a Auditoria da Marinha.
Quando eu cheguei na auditoria eu não andava, a minha perna continuava atrofiada e eu tinha hematomas e ferimentos pelo corpo. Me levaram para uma sala onde estavam meus pais e meu advogado. Sempre rodeada pelos soldados da PE, eu pedi por favor para que eles tentassem me tirar do Doi-Codi e me levassem para o Hospital Militar. Eu sabia também que aquele momento era a única chance que eu teria de denunciar as torturas com uma prova real. Eu era a prova real da tortura. E apesar do medo imenso que sentia eu denunciei que estava naquele estado por causa das torturas, num depoimento extremamente emocionado. 

Lembro- e eu tinha apenas 22 anos - que quando entrei na sala todos os juízes militares baixaram a cabeça. Não tiveram a coragem de me encarar. Como também não tiveram a coragem - apesar de todos os esforços do meu advogado - de me mandarem para o Hospital Militar e, mais uma vez, eu fui levada para o Doi-Codi. Eu tremia muito pois imaginava o que me esperava depois de ter denunciado tortura. Eu disse para o meu advogado: Eles vão me matar'. A impotência estampada nos olhos dele era o retrato desse país.

Mas eles não podiam mais me matar porque eu já estava oficialmente presa, o que no entanto não tinha a menor importância para mim. O importante era que eu sabia que ia voltar a ser torturada e que eles deveriam estar furiosos com o meu depoimento. E é impressionante a capacidade deles de inventarem sempre alguma coisa diferente. Alguma coisa que vai te deixar pior ainda.

Quando cheguei na sala de tortura, estavam todos juntos e enlouquecidos. (Releio esse depoimento e vejo que a todo momento eu digo que foi a pior coisa que vivi na vida.) Bom, esse momento foi de novo o pior momento que já vivi na vida. Eles me fizeram representar o que eu tinha feito na auditoria, como se tivesse sido uma representação, uma mentira, uma palhaçada. "Ah, agora faz mais cara de choro, não está suficiente, você fez mais cara de choro do que essa lá', '- Manca mais, você mancou mais lá filha da puta'. E eu fiz tudo o que eles mandaram, eu fiz tudo que eles mandaram. A sensação era que eu tinha perdido inteiramente minha identidade. Quando a sua dor é transformada em piada com a sua ajuda é como se nada mais tivesse sentido.

Depois disso, eu fiquei mais algum tempo no Doi-Codi, não sei precisar quanto. Sei que fui presa em 31 de março e que quase três meses depois fui finalmente mandada para a Vila Militar, onde passei a ser legalmente presa, com visita de família e advogado. De todo esse período, de todo esse horror, eu vivi também alguns momentos de esperança. No quartel da Barão de Mesquita, além das equipes de torturadores, encontrávamos soldados da Polícia do Exército em serviço militar. Era um quartel, com um funcionamento normal de quartel. E a maior parte dos soldados para mostrar serviço diante dos oficiais participavam da brutalidade. Ou nos empurrando, ou, por exemplo, dizendo que tinha um degrau a mais quando subíamos uma escada de capuz fazendo com que caíssemos. Pequenos poderes, muitos abusos. Mas nem todos se comportaram assim. Dois soldados são inesquecíveis por terem conseguido manter sua humanidade. E eu queria lembrá-los hoje.

Eu queria lembrá-los aqui, mesmo sem saber seus nomes, porque o que estamos fazendo é um exercício de humanidade. Um soldado se ofereceu para levar um bilhete para minha família. E levou. O outro foi o enfermeiro que na minha primeira noite na enfermaria passou todo o tempo acordado colocando panos quentes para tentar amenizar a dor da minha perna, Lembro que ele só repetia. "Quando eu terminar o serviço militar, quero esquecer tudo isso."
Mas nós não podemos esquecer. E por isso estamos aqui hoje.

Estava já há cerca de dois meses na Vila Militar, quando em final de agosto, fui levada de novo para o Doi-Codi. Essa possibilidade não passava pela minha cabeça. Tinha me convencido que tudo aquilo acabara. Mas com o assassinato da Yara Yalvberg e a perseguição ao Lamarca e ao Zequinha, resolveram que eu deveria ser interrogada de novo sobre a Bahia. 

Quando um sargento me disse, na Vila Militar, que eu iria ser levada para o Doi-Codi entrei em desespero, e de novo tentei suicídio. Era inadmissível voltar a viver tudo aquilo. Mas fui impedida pela minha companheira de cela, minha querida Abigail Paranhos, que perdemos para o câncer alguns anos atrás. Estava tão desesperada que me deram uma injeção e fui levada quase desmaiada para a Barão de Mesquita.

Lá tudo estava mudado. As celas tinham cama e lençol e os aparelhos de tortura foram substituídos por celas com controle de som e de temperatura, as chamadas geladeiras. Os presos eram colocados sem poder dormir, sem comer e em temperaturas baixíssimas. Fui de novo interrogada pelo Major Cinelli. Eu não estava entendendo nada do que acontecia.

Hoje, me parece que o Doi-Codi da Barão de Mesquita, a partir desse momento, foi reservado para presos que passariam por esse "interrogatório cientifico". Ao mesmo tempo, os militantes das organizações armadas considerados chave foram sumariamente condenados a morte. Não iam mais para o Doi-Codi. Iam ser torturados e assassinados em outros lugares, como a Casa da Morte de Petrópolis, cuja única sobrevivente foi Ines Etiene Romeu.
Foi assim com Sérgio Furtado, com Paulo Ribeiro Bastos, com Fernando Santa Cruz e muitos outros companheiros que constam da lista de "desaparecidos". A pena de morte foi decretada também para os combatentes urbanos nesse período, assim como foi para os militantes da Guerrilha do Araguaia. Não posso provar que houve uma decisão de matar os poucos sobreviventes das organizações armadas, mas é o que deduzo do que vivi nessa época.

O Nagib, que gostava de discursar, de me explicar as técnicas e os objetivos deles, me disse uma vez que depois de acabarem conosco, que no fundo éramos apenas garotos impertinentes, eles iam terminar com quem efetivamente importava, com aqueles que tinham feito nossas cabeças. E que depois de aniquilar as organizações armadas, iriam aniquilar o Partido Comunista Brasileiro. Efetivamente, alguns anos depois a direção do PCB foi assassinada.

É terrível você olhar para trás e descobrir que no seu país utilizou-se de métodos cruéis e criminosos na luta política. Não se tratava apenas de aniquilar quem estava se defendendo de armas na mão, mas de aniquilar toda e qualquer visão contrária à deles. Era um método de manutenção de um poder autoritário. Uma vez na enfermaria, quando questionei o Amilcar Lobo de como um médico e psicanalista se permitia àquele papel, ele me disse que se não fosse ele seria outro, que ele era apenas um membro de uma engrenagem. Eu me lembro que respondi: muitos disseram isso em Nuremberg.

Não estamos em Nuremberg. 43 anos se passaram desses acontecimentos. Restaram pequenas cicatrizes no meu corpo, um problema de sensibilidade na minha perna direta e essa história. Uma história que compartilho com vocês não por desejo de vingança ou masoquismo, mas porque acredito que a única maneira de fortalecemos a democracia nesse país e conhecendo nosso passado. A única maneira de combater aqueles que ainda torturam por esse país afora, é mostrar que esse é - e sempre foi - um crime de lesa-humanidade.

Depois de 3 anos e meio de prisão, fui solta. É verdade que depois de tudo isso, reconstruí minha vida. Com a ajuda de mina família, de meus amigos e de um processo de análise que durou 25 anos, Mas reconstruir não significa esquecer. Reconstruir significa saber conviver com esses fatos lutando para que não se repitam jamais. O horror à violência e ao autoritarismo passou a fazer parte de mim.
Há dois anos, pedi licença ao Exército para filmar as celas onde estive presa. O pedido foi negado. Sem explicações. Como se pode avançar em direção ao futuro se não se pode reconstruir o passado? Até quando vão esconder nossa história?

Milhares de pessoas foram presas e torturadas no Rio de Janeiro Queria pedir à Comissão que comece uma campanha para que todos aqueles que foram presos mandem um depoimento. Precisamos saber o que aconteceu. Nome, data , que torturas sofreu e quem foram os responsáveis.
Na minha época do Doi-Codi, os torturadores usavam nome de guerra e tinham seus nomes verdadeiros tampados por um esparadrapo na camisa. Mas posteriormente, consegui identificar alguns deles, que são: Major Demiurgo - então chefe do Doi-Codi e que mantinha contato com nossas famílias; Tenente Armando Avolio Filho - de nome de guerra Apolo; e Riscala Corbage, o Nagib.
Os outros não consegui localizar. E creio que passados 43 anos será quase impossível o reconhecimento. Mas outros torturados, e foram milhares, com certeza terão outras informações a dar.

Espero que a Comissão possa ouvir os que ainda estão vivos e a todos aqueles que foram reconhecidos para que possamos revelar por inteiro esse período."


quinta-feira, 30 de maio de 2013

O Haicai no Brasil (II Parte)

Segundo Masuda Goga, com os primeiros imigrantes, desembarcou um bastante especial, o poeta de haicai Shuhei Uetsuka (1876-1935), que usava o haimei (nome
literário) de Hyôkotsu. Neste haicai percebe-se o caráter descritivo do haicaísta japonês.
A nau imigrante
chegando: vê-se lá no alto
a cascata seca.
Em Mirandópolis, SP, na Colônia Aliança. (1926) viveu o poeta e professor Kenjiro
Sato. Ele dividia o trabalho na roça com aulas de haicai. Cabe aqui um comentário: o
haicai é parte integrante dos programas de ensino da educação infantil no Japão ainda
hoje.
Jardim de violetas
(deixe-nos a sós)
eu e a borboleta.
Neste haicai há a imagem reiterada da solidão como condição para o estado de
contemplação. Reafirma-se a idéia de que a solidão é algo bom, o contrário do que
ocorre com o imaginário brasileiro, em que a solidão é algo triste, depressivo.
Sementes de algodão
agora são de vento
as minhas mãos.
O camponês no cultivo do algodão aparece nesse haicai, como se praticasse tai shi.
Ainda nesse período inicial de contato com japoneses no Brasil, acontece o
pioneirismo baiano do haicai brasileiro. É Afrânio Peixoto (1876-1947) que arrisca uma
definição para o haicai:
Em seu livro “Trovas populares brasileiras” (1919) apresenta o haicai: mais simples
que a nossa trova. Epigrama lírico de tercetos breves, de cinco, sete e cinco sílabas, que
expressam emoções, imagens, comparações, sugestões, suspiros, desejos, sonhos.
Afrânio traduz do francês alguns clássicos japoneses:
Pétala caída
Que torna de novo ao ramo:
Uma borboleta! (Moritake)
Pensei que nevava Lírios... minha branca amada
Vinha aparecendo... (Kitô)
Mas Afrânio Peixoto também produziu seus próprios haicais. Neles aparecem traços
de religiosidade como marca da poesia de recolhimento emotivo:
Na poça de lama
como no divino céu
também passa a lua.
As coisas humildes
têm seu encanto discreto:
o capim melado...
O haicai atinge o modernismo e se lança nos seus desejos de quebra de regras:
Luís Aranha (1921) no poema Drogaria de éter e de sombra, sonha que estava no
Japão, “passeava de richka e fazia haicais” e escreve:
Jogaste tua ventarola para o céu
Ela ficou presa no azul
Convertida em lua.
Pardas gotas de mel
Voando em torno de uma rosa
abelhas
Manuel Bandeira (1886-1968) define haicai como “um gênero difícil, não pela forma
em si, mas por exigir um pouco daquele milagre da gota de água, que é o de, em sua
exigüidade, refletir todo o universo”. Um dos pioneiros na tradução de Bashô, exaltação
ao silêncio:
Quatro horas soaram.
Levantei-me nove vezes
Para ver a lua.
A cigarra... ouvi:
Nada revela em seu canto
Que ela vai morrer.
Fecho a minha porta.
Silencioso vou deitar-me.
Prazer de estar só...
Quimonos secando
Ao sol. Oh aquela manguinha
Da criança morta!
Oldegar Vieira – Folhas de Chá e polêmica na ABL. Perde o prêmio de 1938 para
Cecília Meireles. Resultado duramente contestado pelo acadêmico Fernando Magalhães.
Folhas de Chá foi publicado em 1940 com ilustrações de Anita Malfatti – uma aula de
haicai em sua introdução de 28 páginas (os haicais desagradam aos preguiçosos de
pensar e aos preguiçosos de sentir...), antes dos 191 haicais:
A fogueira branca
dos vaga-lumes parece
um baile de estrelas.
Oh! Velho portão...
Sobre a ferrugem floresce
uma trepadeira.
Guilherme de Almeida (paulista), e Abel Pereira (baiano) traçam um caminho de
forma presa às rimas e à métrica. De tão cioso dessa produção, Guilherme de Almeida
passa a dar nome a esse tipo de haicai – haicai guilhermino:
Mesmo generosa
Na vida, cai abatida
A árvore frondosa. (A P)
O cheiro bem forte
Das telhas novas nas velhas
Barcaças do Norte. (A P)
Olho a noite pela
Vidraça. Um beijo, que passa,
Acende uma estrela. (G A)
Diamante. Vidraça.
Arisca, áspera asa risca
O ar. E brilha. E passa. (G A)
O haicai também visita a produção dos marginais dos anos 70:
Fraga (publicitário gaúcho) utiliza-se do haicai para ironizar a condição política dos
anos 70:
Imenso sossego:
carneiro dormindo
no próprio pelego.
Pela minha vista,
marcha o ganso,
a passo nazista.
Guilherme Mansur, poeta ouro-pretano, arrisca alguns haicais que se consagraram:
primeiros ruídos da chuva
alguém remexendo
um saco de pães.
Paulo Leminski, poeta marginal paranaense, popularizou-se como um dos grandes
haicaístas brasileiros:
Confira
tudo que respira
Conspira
Nuvens brancas
passam
em brancas nuvens
Millôr Fernandes, com sua forma irônica de textualizar, apresenta-se como haicaísta
em suas colunas jornalísticas e os coleta e os publica em livros:
É tudo natural:
A galinha – poedeira;
O galo – teatral.
As nuvens, meu irmão,
são leviandades
da criação
Olga Savary, grande mestra do haicai, uma das responsáveis pela apresentação de
Bashô para os brasileiros, dá-nos também uma mostra da criação pela sensibilidade
filosófica, de pensar escrevendo, de escrever pensando – uma maneira nossa de produzir
contemplação:
Onde começa e acaba
estando em tudo e em nada
estar na origem: água.
O poeta cria o sonho
compensando o que lhe falta
com o muito que lhe sobra
Débora Novaes de Castro, paulistana grande divulgadora do haicai, com promoção
de certames literários e edição de antologias importantes na mostra do haicai brasileiro:
Maria Fumaça
um trem que apitando vem
saudade que passa...
o vento travesso
apanha e leva consigo
a folha caída Alice Ruiz, curitibana, segue o legado de Leminsk.
Aqui uma mostra de seus haicais
sutilmente eróticos:
dentro do sono
o corpo se descobre
sem dono
teu sol
me dis-sol-vendo
até minha raiz
Aníbal Beça, amazonense, mostra que o haicai de fato é poesia de todos os
brasileiros. Tanto ocorre no reduto nipônico do sul e do sudeste, quanto no norte. Seus
haicais se confundem com a floresta, tão naturais que são:
Num piscar de olhos
pestanas batem as asas -
foi-se a borboleta.
Mijando escondida
recatada cascata
no lago se alivia.
J. B. Donadon-Leal, em Minas, publica Dô – caminho (1992) pela Massao Ohno.
Cabe aqui um comentário sobre a importância de Masso Ohno na edição e divulgação do haicai no Brasil. Grande editor e sensível para editar a poesia que não tinha acesso às
grandes editoras nacionais.
Eu a visse agora
véu sobre os cabelos brancos
choraria um rio.
Som da lenta chuva
entoando uma canção
que rádio não toca.
Jardim & Avenida (1997) pela EDUFOP, numa mostra do contraste
contemporâneo entre vida natural e urbanidade:
Parece haicai
a voz contida do inverno,
pupa... cedro seco.
Não mais te suportas,
pois habita teu subsolo
a fome dos trens.
Projeto aldravista de haicais. Em 2005 a Associação Aldrava Letras e Artes lança o
livro nas sendas de bashô, quatro poetas numa única edição.
Quase! – a primeira senda do livro, de Andreia Donadon Leal nos apresenta haicais
livres:
O sol
acendeu
o céu.
Galhos, folhas poucas,
parecem lagartas pretas:
maduras amoras.
Enquanto sol – segunda senda, de Gabriel Bicalho apresenta-nos haicais
guilherminos e com títulos:
Indiferença
À musa inflexível
a estátua grita: onde está
tua alma sensível?
Gaivota
Gaivota a planar:
ensejos de pescar beijos na face do mar.
Prenúncio de chuva – terceira senda, de J.S. Ferreira, apresenta-nos haicais livres,
com temas políticos:
Baobá sem folhas
sobrevive no deserto:
lição da Namíbia.
No costão de pedras
a bromélia solitária
oferece flores.
Brejinho – quarta senda, de J. B. Donadon-Leal, apresenta-nos haicais livres,
tematizando a singeleza:
Um sol preguiçoso
tira soneca na tarde
coberto de nuvens.
Brota um capinzinho
entre asfalto e meio-fio.
Por que desistir?
Os haicais do livro “nas sendas de bashô” foram a base do projeto “Da arte poética
à alfabetização: E. E. Dom Benevides”, Mariana – MG, com alunos do ciclo básico de
alfabetização. O resultado desse projeto foi o de provocar curiosidades nas crianças, a
ponto de se interessarem pela história do Japão, pela geografia do Japão, pela
descoberta científica; por exemplo, quiseram saber o que é o orvalho. Fizeram um
experimento de deixar uma folha à noite do lado de fora da sala para recolhê-la de
manhã. Esses alunos viram o que é o sereno.
Pedestre em Tóquio:
a crença em almas penadas
atravessa os séculos (Tainara – 3ª série)
No céu enevoado
frio insuportável...
Gotas de orvalho. (Natanael – 3ª série)
Pela janela da sala de aula
vejo flores vermelhas e bambu.
Que bela paisagem! ( Paulo Henrique – 3ª série)
As crianças da sala de Educação Infantil desenvolveram o projeto haicai na minha
mão, e produziram ilustrações para os haicais do livro “nas sendas de bashô”. São
desenhos fantásticos que demonstram que elas compreenderam mensagens nos
haicais.
As crianças do ciclo inicial de alfabetização da E. E. Dom Benevides”, Mariana – MG
desenvolveram os seus haicais, com o espírito infantil que deve fundamentar a
produção de haicias. Se essas crinaças não perderem esse espírito, permanecerão
poetas.
Dinossauro Rex
tenho medo não
É atração nos desenhos da televisão.
Elefante gordo
Corre assustado de medo
Do pequeno rato.
Quá... quá...
Mamãe pata chama os filhotes
Pra papar. Jacaré não tem orelha
E vive escondido na beira da lagoa
Com o bocão cheio de dente!
Creio que se pode concluir após esta exposição, que os caminhos do haicai brasileiro são retratos da diversidade nacional. Arrisco dizer que, contrário ao que enunciou Manuel Bandeira, o haicai poderá ocupar lugar de destaque na poesia popular pela sua simplicidade, não pela sua complexidade. Ele permite a enunciação natural, ao contrário de outros gêneros literários que exigem frases artificiais. O haicai é poesia para todos os temas, para todas as tendências, para todas as idades.

Bibliografia
BASHÔ, Matsuó. Haicais de Bashô. Traduão de Olga Savary. São Paulo: Hucitec,1989.
BEÇA, Anilbal. Folhas das selva – haicais. Manaus: Valer, 2006.
BICALHO, Gabriel. “Enquanto sol“In: LEAL, A. D. et al. nas sendas de bashô. Mariana: Aldrava Letras e Artes, 2005.
DONADON-LEAL, J. B. “Brejinho”. In: LEAL, A. D. et al. nas sendas de bashô. Mariana: Aldrava Letras e Artes, 2005.
DONADON-LEAL, J. B. Dô – Caminho – hai-kais. São Paulo: Massao Ohno, 1992.
DONADON-LEAL, J. B. “haikai – a essência da poesia.” In: Arte & Palavra, (21).
Suplemento Cultural do Correio da Manhã. Aracaju, junho, 1992:6.
DONADON-LEAL, J. B. Jardim & Avenida. Ouro Preto: UFOP, 1997.
FERNANDES, Millôr. Hai-kais. São Paulo: L&PM, 1977.
FERREIRA, J. S. “Prenúncio de chuva“In: LEAL, A. D. et al. nas sendas de bashô.
Mariana: Aldrava Letras e Artes, 2005.
FRANCHETTI, Paulo, DOI, Elza T. e DANTAS, Luiz. Haikai. Campinas: UNICAMP, 1991.
GOGA, H. Masuda. O haicai no Brasil. São Paulo: Oriento, 1988.
YOSHIMARU, Gôzô. “O poeta Horiguchi Daigaku e o Brasil.” In: Estudos Japoneses, Nº
13, São Paulo: Centro de Estudos Japoneses da USP, 1993: 19-40.
LEAL, Andreia D. “Quase!” In: LEAL, A. D. et al. nas sendas de bashô. Mariana:
Aldrava Letras e Artes, 2005.
LEAL, Andreia D. Projeto: da arte poética à alfabetização. Mariana: Aldrava Letras e
Artes e Escola Estadual Dom Benevides, 2006.
ODA, Teruko. “haicai – a poesia kigô.” In: CASTRO, Débora N. de. I Antologia de haikais. São Paulo: Livro-Arte, 1995: 13-17.
SAITO, Roberto, GOGA, H. M. e HANDA, Francisco (Orgs.) 100 haicaístas brasileiros.
São Paulo: Massao Ohno, 1990.
VERÇOSA, Carlos. Oku – viajando com Bashô. Salvador: Secretaria de Cultura da
Bahia, 1995.

*J. B. Donadon-Leal.
Poeta e ensaísta. Pós-doutor em Análise do Discurso (UFMG), e
Doutor em Semiótica (USP). Professor de Semiótica no Curso de Comunicação Social –
Jornalismo da UFOP. Membro da Academia Marianense de Letras. Membro da Academia de Letras do Brasil. Membro da Academia de Letras do Brasil – Mariana. Membro Correspondente da Academia Maceioense de Letras. Editor do Jornal Aldrava Cultural. Membro efetivo da Academia Virtual Sala dos Poetas e Escritores. Autor de Dô- caminho (1992), Marília - sonetos desmedidos (1996), Jardim & Avenida (1997),
Gênese da poesia e da vida (1997), Sáfaro (1999), Aldravismo - a literatura do sujeito
(2002), Leituras - ciência e arte na linguagem (2002), brejinho - senda 04 de nas
sendas de Bashô (2005). Reflexões: a linguística na sala de aula (Org.) 2007. Relatos
de Experiência - a linguística no ensino da língua portuguesa (2008). Vereda dos Seixos
(2008).


A POESIA HAICAI (Primeira Parte)

 Nas sendas brasileiras do haicai
J. B. Donadon-Leal*

Depois de desenvolver vários trabalhos com haicais nas escolas de Mariana, é hora de falar aos leitores deste jornal sobre as sendas, as veredas, os trilhos e as trilhas pisadas pelos haicais no Brasil. E isso me leva de volta à infância. Em Maringá, no Paraná, nos anos 60 e 70, convivi com nisseis e isseis, primeiras gerações de descendentes de japoneses radicados no Brasil. Ainda muito jovem ouvi falar dos haicais, da poesia pequena que tirava lágrimas dos olhos dos pais de meus colegas nisseis, pois tocavam as lembranças contidas nas incontidas terras vastas de Maringá jogada sobre um planalto de horizonte vasto no quase infinito, não fosse a limitação humana do olhar.
A convivência natural com japoneses no Paraná dava-me a impressão de menino que eles eram exatamente iguais a nós. Nós éramos descendentes dos paulistas descendentes de italianos que arriscavam no pioneirismo de fundar o Norte do Paraná.
Os japoneses eram iguais a nós – imigrantes que passaram por São Paulo e migraram para fundar esse novo Norte do Paraná. Juntos ainda havia alemães e poloneses. Mas, nenhum desses marcavam tanto quanto os japoneses, com sua face de desenho diferenciado e fala colorida pela grandiosa distância linguística.
Arriscava vez ou outra ir ao templo Budista de Maringá, e lá, ficava deslumbrado com o ritual melódico das preces contemplativas, com o ambiente acolhedor. Algo era diferente do que havia em minha forma de divinização. Mas só alcançava a melodia, já que a língua me era algo intransponível. No entanto, um amigo declamava poemas pequenos e os traduzia, não literariamente, mas de forma explicativa, metalinguística.
Com essas explicações eu compreendia um pouco do espírito japonês que havia naqueles meus amigos e compreendia porque eram deles as melhores notas nas salas de aula. Aí esta justificativa inicial pelo interesse que nutro pelo haicai.
Em função disso, quando iniciei minha trajetória de poeta de haicais, busquei estudar o caminho histórico do haicai até sua chegada ao Brasil e os contágios bilaterais que justificam a diversidade temática e a diversidade estética do haicai produzido no Brasil.
Do ponto de vista acadêmico, os estudos do haicai chegam ao Brasil inicialmente pelo francês, língua de base das primeiras traduções de haicais para o português, desde Afrânio Peixoto (1919), ou Manuel Bandeira (anos 30), que certamente tiveram acesso à antologia de poesia clássica japonesa de Julian Vacance, de 1905. Enquanto Afrânio Peixoto fala na lírica parelha à trova, Bandeira reclama da dificuldade em se condensar tanto um tema, tratá-lo na síntese. Teríamos nós o espírito expansionista também na
linguagem, como reflexo da nossa herança expansionista rumo ao oeste na conquista do sertão brasileiro? Somos culturalmente moldados para as coisas largas, para as vastidões? Seria esse o motivo de pluralizarmos tanto as nossas sensações, ao dizermos no plural – “saudades”, “lembranças”, “ciúmes”, ou até mesmo substantivos como “terras” e “gentes”? Ou seria essa a forma genuinamente brasileira de sintetizar? O milagre de colocar o universo em uma gota d’água, como disse Bandeira, na sua definição de haicai, talvez seja esse: pôr a vastidão nacional no plural, já que o singular seria muito pequeno, ou, pelo menos, insuficiente para comportar essa vastidão. Nossa visão de mundo já demonstra nossa disposição para a síntese na enormidade; claro, com a conformidade discursiva que nos é própria. Por isso, nossos haicais não são japoneses, nossos haicais são brasileiros.
No início dos anos 80 conheci Alcides Buss, na UFSC. Com ele conheci o fazer do haicai em Português, em oficinas de haicais. Tratava-se do exercício da síntese, do exercício do kigo, das relações entre nossos discursos e os discursos da natureza. No final dos anos 80 Masuda Goga publica “O haicai no Brasil”, livro que traça as rotas do haicai do ponto de vista histórico e do ponto de vista da produção brasileira. Em 1989
Olga Savary publica “Haikais de Bashô”, com tradução também dos textos de Octavio Paz sobre a tradição do haicai – esse livro torna-se referência em português da poesia de Bashô. Em 1991 Paulo Franchetti, Elza Dói e Luiz Dantas lançam “Haikai”, antologia e história do haicai, livro que também se torna referência para o estudo do haicai japonês.
Em meados dos anos 90 Carlos Verçosa lança “Oku” uma antologia histórica do haicai, incluindo uma completa visita ao haicai produzido e publicado em todo o território brasileiro até meados da década de 90. Em 97 Kimi Takenaka e Alberto Marsicano publicam “Trilha estreita ao confim”, que além das traduções de haicais de Bashô e de sua história, embora romantizada, dão uma pequena mostra do haicai brasileiro. Em
1998, o governo brasileiro lança os Parâmetros Curriculares Nacionais e neles sugere o estudo dos haicais no ensino fundamental.
Como se vê, a grande explosão do haicai no Brasil acontece nos anos 80 e 90, em que o interesse pela poesia sintética atingiu todo o território nacional. Havia grupos de estudos e de produção de haicais de Porto Alegre a Manaus, conforme nos mostra o estudioso baiano Carlos Verçosa, que requer para a Bahia o berço do haicai nacional, evocando a figura pioneira de Afrânio Peixoto.
Hoje o haicai é uma poesia popular no Brasil, haja vista a grande quantidade de publicações desses poemas, em livros, em antologias, em periódicos literários e em concursos de poesia.
Mas, peço licença aos leitores, para continuar a contar essa história de uma maneira mais livre, como se fosse a apresentação de uma antologia de haicais em um sarau de haicais nestas páginas literárias.
Como tem início essa história de haicais no Brasil?
Em Paris em 05 de novembro de 1895 acontece o Tratado de Amizade Brasil – Japão, marco inicial da possibilidade da vinda de imigrantes japoneses para o Brasil, o que se torna realidade em 18 de junho de 1908, com a chegada em Santos do navio (vapor) Kasato Maru com 793 imigrantes japoneses. Destino: São Paulo.
Em 1921 já eram 30 mil japoneses no Brasil trabalhando nas lavouras brasileiras, inicialmente no café e no algodão e depois criaram sua própria forma de cultivar.
Em 1941 já se somavam mais de 150 mil imigrantes japoneses no Brasil. De São Paulo fizeram a mesma rota dos paulistas que foram criar o novo Paraná, na região norte e noroeste daquele Estado. 

quarta-feira, 29 de maio de 2013

ÚLTIMO SUSPIRO


NOTA DE ESCLARECIMENTO SOBRE A AGRESSÃO DE EDUARDO PAES
B
otika
Essa nota tem o objetivo de esclarecer detalhes do ocorrido na madrugada de sábado para domingo, entre nós, Botika e Ana Maria Bonjour, cidadãos cariocas, e o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes. Sob nosso ponto de vista, o acontecimento deve ser retirado da esfera policial, e colocado na esfera política.
Eu, Botika, fui agredido fisicamente, com dois socos desferidos pelo prefeito, após ter xingado o mesmo. O início do que o prefeito chamou, em nota, de “desentendimento físico”, partiu única e exclusivamente de Eduardo Paes, sem revide físico algum por minha parte. Em muitos lugares do mundo, a legislação prevê prisão para a ação de se agredir alguém com um soco.
É preciso esclarecer também que os insultos foram dirigidos ao Eduardo Paes prefeito e sua gestão - que afeta todas as esferas de nossa vida diariamente. Sabemos que as críticas a esse governo não são só nossas, mas de muitos. No entanto, não há espaço para elas quando percebemos que frequentemente a prefeitura reage com violência, como comprova a atitude do prefeito. Uma administração que toma a maioria de suas decisões fechada em um gabinete, sem levar em consideração a posição ou opinião da sociedade como um todo, e que oferece espaços esvaziados e ineficientes para a participação dos cidadãos.
Nossa critica é contra um poder municipal que loteia NOSSA cidade, desapropria e expulsa os pobres, abrindo lugar para os ricos. Uma gestão de poucos, que vem promovendo, à revelia de muitos, uma violenta elitização do Rio de Janeiro - nitidamente vinculada a especulação imobiliária.
Como não reagir a isso? São questões de NOSSA cidade, que afetam nossas vidas diariamente, e sobre as quais não conseguimos ser ouvidos. Estamos sendo aniquilados por um modelo de gestão autoritário e excludente. Impossível não se afetar. Impossível se calar, quando temos a chance de ser ouvidos.
Esta gestão não é cordial. Nossa ação não justifica um ataque físico. Um soco não pode ser relativizado ou discutido. O xingamento, por mais que seja chulo, ainda é linguagem, e deve ser respondido com linguagem, e não com os punhos. Uma agressão verbal não pode jamais ser equiparada ou servir de justificativa a uma agressão física. A diferença entre a agressão verbal e a física é a diferença entre a civilização e a barbárie. Quando justificamos a violência física por uma agressão verbal, estamos sendo coniventes com a maneira violenta com que o poder público nos trata o tempo todo. É exatamente a mesma reação que os aparelhos do estado e do município do Rio de Janeiro tem tido contra manifestantes que reclamam por seus direitos e expõem suas opiniões.
Um homem público deveria estar preparado para reagir de forma correta a qualquer manifestação engasgada de insatisfação que um cidadão dirige a ele e ao que ele representa. A história do Brasil possui diversos exemplos de políticos que foram alvo desse tipo de manifestação por um cidadão e que, no entanto, não reagiram no nível do que fez Eduardo Paes. O gesto do prefeito simboliza o modelo de administração a que somos submetidos no Rio de Janeiro: um modelo que bate na cara de muitos através de uma política voltada para poucos – e que bate na cara também de quem o critica por isso.

PREFEITO X ARTISTA

O lamentável fato observado pela ótica de quem conhece o casal de artistas que apanhou do prefeito...
Cristiana Boavista Quartin

Ojeriza ao Eduardo Paes. É lógico que a agressão contra Botika condiz com tudo que é. Não acredito, nem vejo ninguém no meu FB pró-Paes. Infelizmente é uma realidade perversa complexa e aqueles que fizeram a diferença para a reeleição do prefeito são justamente os mais prejudicados pela sua política como sempre. Mesmo assim, ainda acredito que a democracia seja o melhor sistema. Paes está no poder, foi eleito democraticamente e infelizmente estamos tendo que engolir, não mudos, o seu governo. Privilegiados aqueles que têm acesso ao nosso prefeito para questionar, argumentar, pedir. Botika perdeu a grande oportunidade de fazer um contundente discurso político e sair humilhando-o frente as pessoas da sua mesa, para cair no xingamento impotente e infantil. Eu entendo. Agora não entendo, nem respeito a agressão e a tentativa de difamar infantilmente terceiros, questionando sua honestidade, caluniando, porque partilhavam de uma mesa com o prefeito. Uma atitude fascista, anti-democrática, infantil, pré-conceituosa e inócua, que não leva a nada, além de uma evidente tentativa de auto-promoção pessoal através da polêmica agressiva. Resta por fim esperar que essas pessoas que apontam o dedo para a cara de outros, terceiros, se fazendo de anarquistas politizados, tenham ética e consciência em como lidam também com o dinheiro público. Que estejam de fato embrenhados na difícil tarefa de levar a arte e cultura do nosso país adiante, usando o dinheiro público responsavelmente, remunerando os artistas e profissionais envolvidos que é o mais importante para este fim, fazendo orçamentos éticos e responsáveis com uma verba de um país como nosso, com milhões de desalojados, sem por fora, regalias, gastos inapropriados, irresponsabilidade e etc. Que tudo isso seja de fato uma revolta de pessoas engajadas e não de boêmios, que no fundo estão mais incomodados em não poderem fumar seu cigarro no restaurante, com a patrulha, o "moralismo", os altos aluguéis desse governo, que é uma revolta muito justa da burguesia da zona sul. Para mim isto seria muito mais grave do que partilhar uma mesa, debater, com um prefeito como o Paes. Mas no crédito da dúvida e de acreditar na boa índole das pessoas do nosso meio e relações, acho que não cabem acusações infundadas, caluniosas contra ninguém, que não seja o próprio Paes.

ARTISTA X PREFEITO NO RIO SEM GRAÇA

(A NOTÍCIA) JORNAL "O GLOBO"
O prefeito do Rio, Eduardo Paes, se envolveu em uma briga com um músico em um restaurante de comida japonesa no Horto, Zona Sul do Rio, na noite deste sábado (25).
Eduardo Paes tinha ido jantar com a mulher e um casal de amigos, quando foi abordado pelo músico Bernardo Botikay, conhecido como Botika. Em seu perfil numa rede social, Botika contou que xingou Paes quando o viu nas mesas na calçada. "Não aguentei e fui brusco, agressivo e certeiro", postou.
“A gente [Botika e a mulher] verbalizou, sem educação (e não me arrependo)”, acrescentou.
Após o xingamento, de acordo com o músico, Paes deu um soco na cara dele e sua mulher também acabou se machucando na confusão com os seguranças do prefeito.

Em entrevista à CBN, o músico declarou que foi agressivo verbalmente com o prefeito e que em um determinado momento, Paes perdeu a paciência.
Em nota, Paes disse que jantava com a mulher quando foi "gratuita e insistentemente ofendido por um casal desconhecido", e que a discussão "transformou-se em um princípio de desentendimento físico", que obrigou a intervenção de sua segurança. O prefeito acrescentou que críticas são bem-vindas, mas que agressões pessoais em momentos privados diante da esposa não são aceitáveis.
Ao fim da nota, Paes se desculpa: "Apesar da agressividade do casal, eu não poderia ter reagido como o fiz. Peço desculpas à população da minha cidade pela maneira como agi".
O músico registrou boletim de ocorrência na 15º DP (Gávea) e procurou o Instituto Médico Legal (IML) para fazer exame de corpo de delito. O delegado Orlando Zaccone informou que o caso foi registrado como lesão corporal e que vai ouvir todos os envolvidos a partir desta segunda-feira (27).
A FANFARRADA BURGUESIA CARIOCA OBSERVADA PELA ÓTICA DO POETA
Tavinho (ops) Paes. Muito bom!!!
RIO DE JANEIRO - CIDADE MARRAVILHA!
BOTIKA, na saída do boteco japonês com nordestino fatiando sashimi, pergunta ao macho de um casal frugal saboreando acepipes encharcados de soja torrada e tornada óleo: O SENHOR É O EDUARDO PAES? (deveria ter perguntado:o senhor é o fantasma reencarnado do Carlos Lacerda?)
O PREFEITO EDUARDO PAES, com a boca flambando pelo wasabi, responde caricato: NÃO, EU SOU O CÉZAR MAIA! (do qual foi Secretário do meio Ambiente e subPrefeito da Zona Oeste e herdou o rincão carioca para seu lazer provinciano ... e se fosse o CÉSAR MAIA quem tivesse sido indagado se seria EDUARDO PAES, responderia que era o Eduardo Paes ou diria: Não, mas este menino obediente está sob meu controle e à minha disposição!)
... deboche lá e cá: cena perfeita para o descaracterizado Rio de Janeiro, atualmente mais parecido com Campos dos Goitacazes, de dia, e Pindamonhangaba, à noite ... a UNESCO é capaz de credenciar a idade dos Jogos Olímpicos como Patrimônio Histórico e Cultural da Deshumanidade
... depois do surto psicótico mútuo, teve xingamentos inúteis e o prefeito, num ato de civilidade maquiavélica (Maquiavél é claro: A VIOLÊNCIA É UMA PRERROGATIVA INALIENÁVEL DO ESTADO) deu um soco na cara do Botika, interrompendo o fluxo das palavras ... a namorada do roqueiro, percebendo a gravidade da situação,age com moderada histeria e entra no octógono, tentando evitar o bizarro confronto entre categorias diferentes: um peso pena o outro médio pesado - envergaduras desconhecidas, mas acho que são baixinhos e estavam enfezados (curiosa essa palavra: ENFEZADO - é mais ou menos entupido de fezes) ... um fuzuê pra cartunista deitar e rolar ... confusão inadequada para um restaurante japonês, onde Arigatô nem sempre acaba em Sayonara...
... segundo o Diário do Nordeste (municiado por informações pelo O Globo): "De acordo com o músico, após ser atingido por um soco desferido pelo prefeito, um dos seguranças o pegou pelo braço para afastá-lo de Paes.A namorada de Botkay também teria ameaçado agredir o prefeito, mas acabou contida por outro segurança. No tumulto, ela caiu na calçada e machucou os joelhos. O casal registrou ocorrência na delegacia da Gávea, na zona sul do Rio.
Na nota, Paes afirma que em 20 anos de vida pública acostumou-se "a ouvir críticas e até receber agressões", mas afirma não ser aceitável "agressões pessoais em momentos privados diante da minha esposa".
DÚVIDAS LACANIANAS (o inconsciente não está dentro da sua cabeça; é o que foge dela e, geralmente,sai pela boca ...escorrega):
- que segurança é esse que acompanha o casal jantando? Estaria comendo sushis caros também? Quem pagava esta conta? A conta do segurança pode ser paga pelo Estado? Que tipo de privacidade é essa? Que membro do Executivo é esse que perde a cabeça com um garoto franzino na rua e age como se fosse um Brucutu? ...ah se o Erikson Pires estivesse vivo e por perto ... isso ia parar no IML e a foto do prefeito imobilizado num mata-leão ia parar na capa da VEJA e roubar a homenagem ao defunto Civita!!!
- ... para mim, uma das surpresas mais graves e importantes, que precisa ser confirmada, é a resposta do Prefeito: SOU CÉSAR MAIA!
...o que há por trás disso? O que ele quis dizer com este "chiste" sem graça? As posses de serviços dos 12 anos de mandato (durou por 3 mandatos - 1993 a 2005 - ex-PCB, saiu do PDT e elegeu-se pelo PMDB; eleito, mudou de sigla e reelegeu-se pelo PFL e mudou pro PTB no meio do segundo mandato, com o qual ganhou o terceiro mandato, mas acabou indo pro DEM para aposentar-se como dono de taxis, fornecedor de bebidas e uma série de outras atividades (conquistas que o tornam um BEM SUCEDIDO comunista), incluindo as desportivas e culturais) ... e o PAES disse que era ele ...porque será? podia ter escolhido outro nome, antes de bater no garoto magrinho ... e se dissesse GAROTINHO? ... o deboche maior poderia ser: ROSINHA!, mas ia virar assunto pra Cartunista... (aliás, esse é o prefeito que menos interessa aos chargistas e caricaturistas, mas,agora, depois do incidente encheu o prato para o pessoal do traço afiado...)
... pra mim, a violência fica de lado e deve ser tratada em fôro adequado - a delegacia (diga-se de passagem, lugar em que o Prefeito (e suas famosas Secretarias do Não Pode Isso Não Pode Aquilo, sente-se em casa) ...ofato importante foi o que escorreu pela sua boca: SOU CESAR MAIA!
... pelo menos uma coisa tiramos desse episódio:quando você encontrar o Eduardo Paes por aí saboreando sushi, não pergunte se ele é da familia da Dira, da Juliana nem da Minha (deixem esses Paes em Paz) ... para ser elegante e demonstrar respeito e apoio pergunte: O SENHOR É O CESAR MAIA?
... agora, se quiser levar uns socos, experimente perguntar ao César Maia se ele é o EDUARDO "Carlos Lacerda" PAES?

sábado, 25 de maio de 2013

CRIME E CASTIGO

A carta abaixo foi publicada na revista “Le Monde Diplomatique”, na edição de Março de 2013. Acreditamos que a sua leitura seja útil para a sociedade refletir sobre o crescimento da violência urbana.
A POLÍCIA E O CRIME ORGANIZADO*
Primeiro gostaria de informar que serei um anônimo. O lugar onde trabalho e o posto que ocupo não permitem que me identifique. Com relação ao editorial “Sob o domínio do medo”, acredito ser necessário a vocês, jornalistas, reverem seus conceitos com relação à criminalidade.
1) O crime gerado em função da desigualdade social existe, mas não explica o momento que vivemos, pois, se esse fosse um motivo predominante, as estatísticas deveriam apontar para uma redução do crime nos últimos anos, o que não ocorreu. 2) Comece a se perguntar por que a criminalidade até o final do governo militar era baixa, mesmo havendo uma distribuição de renda muito pior. A resposta fácil é que os dirigentes eram violentos e punham a “Rota na rua”. O símbolo dessa época era Erasmo Dias. A realidade era completamente diferente. A polícia, tanto militar como civil, era violenta como continua sendo hoje. Se tiver paciência e força política, pode verificar esses números nas estatísticas das polícias. A realidade hoje, que ninguém fala, é que o crime organizado é dominado por policiais ou civis ou militares. Os militares estão mais ligados a dar cobertura aos roubos de carros, cargas e relógios, e os civis, ao tráfico e à corrupção e extorsão nas delegacias. Se você pegar o Rio de Janeiro como exemplo, vai verificar que o preço da droga não aumentou nos últimos anos, o que comprova que a oferta está estável mesmo com a ocupação das favelas. Em São Paulo, a situação é a mesma. O governo paulista efetivamente vem prendendo mais. Quando vamos verificar quem eles prendem, aí sim são os pobres que vendem drogas. Estes querem ganhar o dinheiro deles, não querem confusão; quando criam problemas, é com outros pequenos traficantes, muitas das vezes induzidos pela própria polícia ligada ao tráfico. A polícia hoje é rica, delegados são grandes empresários na área de segurança privada, o que na verdade é um absurdo, pois, quanto mais crime, mais segurança privada é necessária e o mercado aumenta. Verifique quantos foram presos nos roubos a bares e restaurantes, principalmente nos primeiros três meses. Criou-se aí um novo mercado para as empresas dos delegados. A fortuna de muitos, mas muito mesmos, coronéis é um absurdo para os níveis salariais deles. A distribuição de renda gera muito pouco crime hoje, pois a alimentação está mais acessível. Quem gera crime em quantidade é a classe média alta (meu padrão salário de R$ 13.500 livre por mês) – esta, sim, organiza o crime. Espero de alguma forma ter colaborado.
* O “Le Monde Diplomatique Brasil” preserva o anonimato do autor desta carta.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

MEMÓRIA

LEMBRANÇA DO DESENHISTA ROBERTO WAGNER E DO CHARME DO PREFEITO SETTE DE BARROS, MEU PAI.











quinta-feira, 23 de maio de 2013

LOUCURA POUCA É BOBAGEM

A depressão de Van Gogh
por Menalto  
Braff

 Plantações de trigo pintadas por Van Gogh
Todo artista tem algum desvio de normalidade, certo? E o que dizer de artistas como Johann Sebastian Bach e Carlos Drummond de Andrade?
Alguns biógrafos de Vincent van Gogh afirmam que sua loucura foi conseqüência do constante contato do pintor com trigais. Pelas descrições que nos chegam de seu comportamento, hoje se pode afirmar com segurança que se tratava de um caso de depressão. Suponho que os psiquiatras da época ainda não tivessem, com sua pouca ciência, grande conhecimento da doença. Cá entre nós, não me inclino a crer na causa apontada nem dela duvido. Emanações do trigo maduro? Algum tipo de defensivo? Não importa. Demos de barato que tudo aconteceu assim mesmo.
Então quando olho em volta, fico cismando: será que do canavial não emana algum fluido malévolo, causador de algum tipo de transtorno? Acredito que não. Pelo menos os cientistas atuais, com muito mais ciência do que no século XIX, até hoje não acusaram as plantações de cana de causarem moléstia alguma. É bem verdade que o efeito psicológico da monotonia da paisagem também não pode ser desprezado. Alguns ecologistas acrescentariam que o carvão a que submetemos o aparelho respiratório durante as queimadas é um subproduto da cana prejudicial à saúde. Mas dizer que da cana, da cana como está agora, aquela imensa mancha parada, toda ela verde clara, cobrindo as colinas da região, dizer que dela emana alguma coisa, até hoje ninguém disse. Pelo menos que eu saiba.
Fico imaginando a família Van Gogh transferindo-se para Ribeirão Preto. Uma das conclusões a que chego é que o Vincent poderia não sofrer de depressão e, por isso, é bem provável que não se suicidasse. Mas também é possível que, livre da “loucura”, não pintasse tela nenhuma.
Como saber? Algumas pessoas defendem a ideia de que todo artista tem algum desvio da normalidade, ou seja, é portador de alguma espécie de perturbação mental. E para usar um termo antigo, eles querem dizer que todo artista é meio louco. E citam exemplos, pois exemplos é que não nos faltam. Tudo que se queira provar vai encontrar sempre exemplos comprobatórios. E isso me leva fatalmente à conclusão de que o exemplo não comprova coisa nenhuma.
E para rebater a ideia de que todo artista é meio louco (com seus devidos exemplos), chamo em meu socorro nomes como Johann Sebastian Bach, organista de igreja, pai de dezoito filhos (no século dezessete essa quantidade era perfeitamente normal). De que loucura ele poderia ser acusado? Pai exemplar, esposo amantíssimo (muito amantíssimo), compositor mais do que sereno. E o Carlos Drummond de Andrade? Funcionário público exemplar, um dos diretores da Biblioteca Nacional, cumpriu pela vida fora todos os expedientes que a função lhe exigia, marido nem tão exemplar, mas isso, nos dias que correm, é indício de normalidade e não do contrário.
Querem mais? Existem aos milhares artistas que foram seres comuns, isto é, que qualquer psiquiatra atestaria como vivendo dentro dos limites do que se costuma chamar de normalidade.
Mas isso também não prova nada.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

UM CONTO DE REIS



MIRAGEM DA MINHA ESCRITA
 Fábio Carvalho

Forçadamente começando a pensar no filme que vi ontem à tarde, O Rei da Comédia, do Martin Scorsese, comecei novamente sofrer. Já o tinha visto uma vez, há muitos anos atrás, nesta nova visão acho que me encontrei com sua viagem interna. O que em termos desconhecidos de cinema foi muito bom, em termos conhecidos também, grandes atuações o que na verdade não passava de obrigação para notadamente um filme de atores, feito por atores para atores. Tenho detestado os atores e adorado mentir como uma mulher. Como não sou ator, portanto para mim não passa de um filme. Um bom filme, com seqüências inesquecíveis, especialmente aquela que um dramático e incomum Jerry Lewis vai andando pelas ruas de Manhattan, e essa caminhada se transforma num pesadelo muito bem filmado. Surpreendente. Sem dúvidas um diretor americano do norte sem contestações. Tive pós-operado prazeres incontáveis e também o desprazer de ver um filme do Fernando Arrabal, que me pareceu detestável: Viva la Muerte. Não exatamente pelo título que a bem da verdade muito me atraiu, mas sim pela forma rasa do filme que não se sabia meio audiovisual. Um extremo mau gosto perpassa todos os seus planos do início até onde consegui ver, uma trilha sonora de tal maneira irritante que deu para acreditar, como total firmeza, que estamos realmente perdidos. Usei nessas vagas afirmações de alguma crueldade. Essa não é a do cinema que me irriga e arma a minha barraca. Salvamos apenas o mundo, o seu e meu teatro também. Ainda não sei falar mal de filmes, portanto vou mudar de assunto. Gosto dos filmes ruins. Música de preto. Acordes capistranos, ela me ensinou mais uma vez. O filme com sons de que falo com estes requintes já é outro, o meu que estou amando. Amor mais puro e louco não há nem houve pra mim desde que ouvi esse mesmo Jimmy tocando baixo como eu.
O filme estranhamente por enquanto chama-se: Sem Sincronia – Jimmy Hendrix e a Fonoaudióloga.
Sei que ninguém aprova, mas quero esse filme assim mesmo. Como sempre é difícil, a esta altura já gosto das dificuldades e vou entrando fundo nela, a viagem. Sei que ela tenta fugir da compreensão como também podemos atuar na epiderme do improvável. Já conhecemos o risco. Quero lhes apresentar o desconhecido. Falar tudo baixo ao pé do ouvido. Aprendendo o desaprendido na exata e cristalina solidez impalpável. Porra meu que frase! Insuportável.
Tenho achado que podemos não reduzir a música à matemática, muito menos pensar no tempo da comédia se sempre vivemos a tragédia, mora na filosofia. Ela a música. Podemos sorrir. Ouço o desenho do cantor. Como Picasso na melodia do misterioso filme do secreto diretor francês Henri-Georges Clouzot. Vamos para a outra estética do sonho. Nesse instante começo a teclar como a guitarra. Num outro nível muito mais como o cantor negro. Agora sim entrei por esse barato, e lá por dentro circundo. Minha pesquisa estava feita há anos naquele hotel perfeito, com o piso por onde ela andava de sapato baixo e vestindo fúcsia, no hall art-deco cinematográfico do patrimônio pessoal que perdi na exata dimensão do organograma, aí depois vi que sabia que devia ter confiado só e apenas na partícula de consciência que em mim pungia. Fui mal influenciado. O sintoma das influências. Que onda traz esse som. Inside out. Gostei e ainda assim aprendi mais um pouco. Podemos chegar lá, ninguém precisa saber e todos merecem imaginar. Cabe a nós. Tinha que rodar por essa cidade dentro daquelas janelas. Sem consolo. A câmera vai dormir comigo. Amanhã o filme vai continuar. Tenho que encontrar-me com o Amadeu, comer um tucunaré e filmar. O inferno é melódico barroco.

terça-feira, 21 de maio de 2013

CONVITE AOS AMIGOS


BIBLIOTECA NACIONAL
TERÇAS CULTURAIS APRESENTA:  

VERTIGEM/ARLINDO DAIBERT

Vertigem é um documentário sobre o artista plástico mineiro Arlindo Daibert, um dos nomes mais significativos de sua geração( anos 80/90),com uma trajetória de exposições por Londres, Paris, Barcelona e Roma, além de ocupar um espaço privilegiado na Coleção Gilberto Chateaubriand  no MAM/RJ. Um diferencial de sua obra são as releituras plásticas que fez de Macunaíma e do Grande Sertão Veredas. O filme será exibido na série Cine Literatura , com apresentação e comentários de seu diretor  Jose Sette que define Vertigem como “ um roteiro surrealista, musical, experimental, uma homenagem do meu cinema de invenção ao universo poético das  imagens sem fim do artista plástico Arlindo Daibert” O DIRETOR JOSÉ SETTE Tem uma extensa filmografia que inclui filmes de temática criativa e original como o longa Um Filme 100% Brazileiro, além de inúmeros médias e curtas, especialmente sobre arte brasileira como Goeldi, Camargo Guarnieri, Murilo Mendes, Geraldo Pereira e Arlindo Daibert.                                                  Data: 04/junho - Horário: 19h.   Entrada Franca

          Local: Casa da Leitura/ Rua Pereira da Silva, 86 – Laranjeiras - Fone-2557-7458.