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terça-feira, 30 de novembro de 2010

CRÔNICAS DO COTIDIANO

Recebi pela internet dois textos que me impressionaram muito.
O primeiro uma entrevista, onde não se sabe quem é o repórter, com o conhecido preso Marcola em alguma penitenciária de segurança máxima e o segundo um panfleto apócrifo proclamando a união das facções do crime.
Pareceu-me o enredo de algum novo filme entre bandidos e mocinhos em uma luta fratricida, telespetacular, tão popular hoje em dia. Uma ficção que começaria com uma entrevista com o comandante dos bandidos, no caso um intelectual de cadeia que começa, depois de dedicar o seu ócio prisional a leitura obsessiva de três mil livros, a teorizar sobre a sociedade dos miseráveis e da opção de uma maioria de jovens pelo crime do tráfico...

Aqui está o título e em seguida as primeiras sequências do filme:

Estamos todos no inferno

S1 - Dia – exterior – plano aéreo da região onde foi construída uma grande penitenciária de segurança máxima.

Narração:

"O homem nasceu livre e está sempre acorrentado.
Há quem se julgue dono dos outros, mas não deixa de ser mais escravo do que eles.
Quando um povo é obrigado a obedecer e obedece, faz bem; logo que ele pode romper o jugo, e o rompe, faz ainda melhor: pois, recuperando sua liberdade com o mesmo direito com que lhe foi tirada, ou é justo que ele a reconquiste, ou não era justo que lhe fosse tirada." (ROSSEAU, Jean Jacques. Contrato social).

O carro conduzindo o repórter chega à penitenciária.

S2 – Dia – interior – penitenciária

O repórter é conduzido pelo guarda até onde se encontra o preso.
Os dois se olham.
O guarda a pedido do repórter sai da sala separada por um vidro.
O repórter tira um gravador do bolso e começa a entrevista.

- Você é do PCC?
- Mais que isso, eu sou um sinal de novos tempos. Eu era pobre e invisível... Vocês nunca me olharam durante décadas... E antigamente era mole resolver o problema da miséria... O diagnóstico era óbvio: migração rural, desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias... A solução é que nunca vinha... Que fizeram? Nada. O governo federal alguma vez alocou uma verba para nós? Nós só aparecíamos nos desabamentos no morro ou nas músicas românticas sobre a "beleza dos morros ao amanhecer", essas coisas... Agora, estamos ricos com a multinacional do pó. E vocês estão morrendo de medo... Nós somos o início tardio de vossa consciência social... Viu? Sou culto... Leio Dante na prisão...

- Mas, a solução seria...
- Solução? Não há mais solução, cara... A própria idéia de "solução" já é um erro. Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio? Já andou de helicóptero por cima da periferia de São Paulo? Solução como? Só viria com muitos bilhões de dólares gastos organizadamente, com um governante de alto nível, uma imensa vontade política, crescimento econômico, revolução na educação, urbanização geral; e tudo teria de ser sob a batuta quase que de uma "tirania esclarecida", que pulasse por cima da paralisia burocrática secular, que passasse por cima do Legislativo cúmplice (Ou você acha que os 287 sanguessugas vão agir? Se bobear, vão roubar até o PCC...) e do Judiciário, que impede punições. Teria de haver uma reforma radical do processo penal do país, teria de haver comunicação e inteligência entre polícias municipais, estaduais e federais (nós fazemos até conference calls entre presídios...) E tudo isso custaria bilhões de dólares e implicaria numa mudança psicossocial profunda na estrutura política do país. Ou seja: é impossível. Não há solução.

- Você não têm medo de morrer?
- Vocês é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês não podem entrar e me matar, mas eu posso mandar matar vocês lá fora. Nós somos homens-bomba. Na favela tem cem mil homens-bomba... Estamos no centro do Insolúvel, mesmo... Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte, a única fronteira.Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos, diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque do coração... A morte para nós é o presunto diário, desovado numa vala... Vocês intelectuais não falavam em luta de classes, em "seja marginal, seja herói"? Pois é: chegamos, somos nós! Ha, ha... Vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó, né ?Eu sou inteligente. Eu leio, li 3.000 livros e leio Dante, mas meus soldados todos são estranhas anomalias do desenvolvimento torto desse país. Não há mais proletários, ou infelizes ou explorados. Há uma terceira coisa crescendo aí fora, cultivado na lama, se educando no absoluto analfabetismo, se diplomando nas cadeias, como um monstro Alien escondido nas brechas da cidade. Já surgiu uma nova linguagem. Vocês não ouvem as gravações feitas "com autorização da Justiça"? Pois é. É outra língua. Estamos diante de uma espécie de pós-miséria. Isso. Após-miséria gera uma nova cultura assassina, ajudada pela tecnologia, satélites, celulares, internet, armas modernas. É a merda com chips, com megabytes. Meus comandados são uma mutação da espécie social, são fungos de um grande erro sujo.

- O que mudou nas periferias?
- Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem US$ 40 milhões como oBeira-Mar não manda? Com 40 milhões a prisão é um hotel, um escritório... Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado? Nós somos uma empresa moderna, rica. Se funcionário vacila, é despedido e jogado no "microondas"... ha, ha... Vocês são o Estado quebrado, dominado por incompetentes. Nós temos métodos ágeis de gestão.Vocês são lentos e burocráticos. Nós lutamos em terreno próprio. Vocês, em terra estranha. Nós não tememos a morte. Vocês morrem de medo. Nós somos bem armados. Vocês vão de três-oitão. Nós estamos no ataque.Vocês, na defesa. Vocês têm mania de humanismo. Nós somos cruéis, sem piedade. Vocês nos transformam em superstars do crime. Nós fazemos vocês de palhaços. Nós somos ajudados pela população das favelas, por medo ou por amor. Vocês são odiados. Vocês são regionais, provincianos. Nossas armas e produto vêm de fora, somos globais. Nós não esquecemos de vocês, são nossos fregueses. Vocês nos esquecem assim que passa o surto de violência.

- Mas o que devemos fazer?
- Vou dar um toque, mesmo contra mim. Peguem os barões do pó! Tem deputado, senador, tem generais, tem até ex-presidentes do Paraguai nas paradas de cocaína e armas. Mas quem vai fazer isso? O Exército? Com que grana? Não tem dinheiro nem para o rancho dos recrutas... O país está quebrado, sustentando um Estado morto a juros de 20% ao ano, e o Lula ainda aumenta os gastos públicos, empregando 40 mil picaretas. O Exército vai lutar contra o PCC e o CV? Estou lendo o Klausewitz, "Sobrea guerra". Não há perspectiva de êxito... Nós somos formigas devoradoras, escondidas nas brechas... A gente já tem até foguete antitanques... Se bobear, vão rolar uns Stingers aí... Pra acabar com a gente, só jogando bomba atômica nas favelas... Aliás, a gente acaba arranjando também "umazinha", daquelas bombas sujas mesmo... Já pensou?Ipanema radioativa?

- Mas, não haveria solução?
- Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de defender a "normalidade". Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma autocrítica da própria incompetência. Mas vou ser franco... na boa... na moral... Estamos todos no centro do insolúvel. Só que nós vivemos dele e vocês... não têm saída. Só a merda. E nós já trabalhamos dentro dela. Olha aqui, mano, não há solução. Sabe por quê? Porque vocês não entendem nem a extensão do problema. Como escreveu o divino Dante:"Lasciate ogna speranza voi che entrate!" Percam todas as esperanças... Estamos todos no inferno.
É o fim da entrevista!.

S.3 – Dia - interior – penitenciária.

O preso levantou-se e saiu da sala. Passa-se um tempo. Entra na sala o guarda que encaminha o repórter até a saída do presídio, mas antes passa para ele um papel que está escondido, enrolado na sua mão. O repórter abre o papel e entra apressado no carro que sai em disparada. No texto do Panfleto a convocação, quase política ideológica de todos os marginais na luta terrorista da aplicação dos decretos determinados pela união das facções do crime organizado.

O filme poderá contar a história desse exército de famintos até a tentativa final do seu extermínio feito pela invasão da polícia aos morros e periferias das grandes cidades.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

CELUKINO

Enquanto o Rio Pegava Fogo, Cabo Frio Botafogo.

Há na cidade de Cabo Frio um café comandado pela simpática e belíssima Dilene, onde se reúne um grupo eclético de pessoas da cidade e algumas personagens de fora, como eu que sou mineiro. Entre outros, podemos encontrar todas as tardes ali presentes, singular figuras da inteligência local. Falo do Professor Totonho, do comunista Babade, do jornalista Cabral, do empresário Fábio, dos políticos Janio do PDT e Cláudio do PSOL, do ator Caju, do empresário Zé, do articulista Duca, do desenhista Walber, do cineasta Marcelo, etc. Mas neste sábado, o papo político, as confabulações sobre o futuro do país, as últimas notícias da invasão policial nos morros do Rio, não conseguiram apagar o fogo da alma de todos que por lá apareceram. O bloco carnavalesco “Me Beija que Estou Carente” explodiu o seu grito de euforia convocando os foliões para esquecerem as tristezas e abraçarem a alegria da tradicional gozação que são os elementos primordiais da alma brasileira. A banda chegou, o surdo marcou, o tamborim repicou, os metais ativaram a memória das inesquecíveis marchinhas e os nossos amigos extravasaram no asfalto o que estava preso na garganta e Totonho o mais animado de todos deu o seu show de escárnio. Estava com o meu celular e não resisti o registro que aqui hoje publico.

domingo, 28 de novembro de 2010

Poesia

Ligadaço no Plantão
Emiliano Sette

Território Livre
Terrivelmente vive
Sob a égide do calibre

Macacos me mordam
Belisque o meu braço
Pra ver se acordo
E compro um peito de aço

Vou seguindo fugindo do mala
Desviando da bala
Do tapa na cara
Dos bandidos de farda

Trancafiado em casa
Da sala pro quarto
Do quarto pra sala

Paranóia urbana
Aglomeração humana
Só se pensa na grana
De baixo da cama
Ou num banco bacana

Grampos, câmeras
Blindados e grades por todos os lados
Correntes, cadeados
Tudo vigiado

24 horas

Ta ligado?

Notícia de Belo Horizonte


sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Crônicas do Cotidiano

O RIO PEGA FOGO III

Mais ataques incendiários movimentam a cidade com tiros e imagens aéreas de traficantes fugindo de carro, de moto e a pé, por um caminho de terra em direção ao outro morro vizinho. Carros e pneus pegando fogo tentam impedir a invasão policial. Tanques da marinha penetram favela adentro carregando bem protegidos o pessoal da tropa de elite da polícia que invadirá o morro. Tiros e correrias de curiosos, repórteres assustados portam coletes a prova de bala, é a guerra dos miseráveis, um novo Canudos sem Antônio Conselheiro, uma rebelião às avessas, uma nova matança que se inicia. As primeiras cenas da invasão são fotografadas por câmeras postadas nos helicópteros que sobrevoavam o campo de batalha, o espetáculo é visto de longe, mas podem-se ver detalhes das vielas do morro pelas poderosas teleobjetivas que observam paradas a garotada traficante, a maioria sem camisa, todos armados, correndo de um lado para o outro nos labirintos do grande complexo de becos, ruas, travessas, que cortam casas, casebres e barracos de alguns milhares de moradas que formam essa pobre comunidade. Na fuga desesperada dos bandidos um deles é atingido por um tiro e é arrastado por um amigo. O sangue mancha a terra seca da estrada de união das duas comunidades. Os bandidos fogem em massa, são mais de duzentos! Exclama o repórter da rede de televisão. Anoitece, a polícia toma posição de alerta e não se avança um passo a mais no território do inimigo, é muito perigoso, dizem eles. Todos esperam o dia amanhecer. Ai eu pergunto: Como nasce um bandido? Quem são eles? Qual é a história de cada um desses traficantes? Quem comanda as ações? Qual o número de traficantes que sofrem o comando de uma liderança? Essa ação da polícia de pacificação através da expulsão da comunidade de todos os bandidos resolverá o problema do tráfico e da criminalidade? Para onde vai esse dinheirão que se diz que o tráfico ganha neste comércio de droga? Como espalhar por todas as periferias miseráveis do estado, e depois do país, essas unidades de pacificação? Vocês não acham que tem alguma coisa errada nisso tudo? E se além de explodir carros, ônibus, eles comecem a explodir bombas em locais de grande afluxo de pessoas? Como conter ações de terroristas solitários? Aonde as autoridades governamentais querem chegar com essa estratégia de pacificação?

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Cronicas do Cotidiano

O RIO PEGA FOGO II

Depois dos novos ataques aos carros e voltando ao tema que cobrem as páginas dos jornais do país e do mundo, podemos identificar a ação incendiária que tomou conta do Rio como sendo um conluio entre os bandidos e os mocinhos das histórias em quadrinho do nosso cotidiano. O governo através da polícia infiltra-se nos morros com poder de fogo imbatível na mão de homens músculos, guerreiros munidos de alta tecnologia e depois de matar um grande número de inimigos, passam a tomar conta da comunidade, dos guetos que cobrem grande parte da cidade do Rio de Janeiro, em uma ação dita pacificadora que maquia a realidade social de todos que ali vivem com o manto frágil da paz antibelicista e antidroga. E assim acuados, os ditos marginais, se refugiam em outras localidades e se espalham como formigas provocando outros tipos de ações ilegais por todo o estado. Como eles vivem neste sistema cruel, “a cada bandido que morre nascem dois outros”, essa ação só seria vitoriosa e realmente pacificadora com o extermínio de todos bandidos, o que é impossível. Então a pergunta que eu faço é a quem esse tipo de ação pode interessar? Uma teia de aranha grande envolve esses episódios de quem mexe com drogas e armas. Você acredita que um bando de loucos, perseguidos, subnutridos e famintos, que faziam parte do tráfico nos morros cariocas e fugiram para outros complexos habitacionais, teriam criado por iniciativa própria esse tipo de ação que passa a ocorrer em cascata pelo estado de Rio? E se a onda incendiária se espalha para outros estados? Eles estão organizados em grupos que obedecem algum comando superior ou resolveram individualmente praticar esse tipo de ação? O burguês que perde o seu carrinho comprado a duras custas e que talvez ainda não acabou de pagar e quem vai pagar o pato? Os Bancos e suas seguradoras manterão os preços para o seguro do carro da classe média? Eu acho que não existe nada organizado, comando de penitenciaria distante, etc. O que acontece é que um homem isolado, por pura revolta, ateou fogo em um carro, criou o pânico, movimentou o noticiário e de uma maneira única, confusa, a onda se espalhou e os bandidos, com suas motos possantes, descobriram um meio seguro de intimidar o estado através da classe média apavorada. Estão dando o seu recado truncado. O grande perigo e agregar a violência gratuita ao espetáculo pirotécnico. O que o governo que iniciou essa ofensiva pode agora fazer? E o que a sociedade tem a oferecer além do caos?

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Crônica do Cotidiano

Meu amigo Sérgio Santeiro remeteu para lista de documentaristas, da qual participo, uma crônica dramática extraída do cotidiano sobre o desrespeito, o desconhecimento e o maltrato que um senhor de 66 anos pode sofrer em sua própria casa. Santeiro é um artista, um intelectual rebelde e revolucionário, professor na UFRJ, que construiu, assentando tijolo por tijolo, mano a mano, a sua casa, o seu devenir, de frente para o mar da cidade de Niterói, um lugar tranqüilo onde o velho comunista pudesse observar a natureza e ter a paz merecida de um guerreiro. Nosso amigo comum Gilberto Vasconcelos, também professor da UFMG, é quem me contou a história da obsessão desse homem de cinema pelo lugar onde ele hoje vive, descrevendo em detalhes os botecos da redondeza, onde ele bebeu uma boa branquinha e uma cervejinha gelada em sua companhia, disse-me ainda que quando foi visitá-lo a casa não havia sido mobiliada e que ele, mesmo assim, estava felicíssimo com o seu recanto encantado. Assim podemos agora ler com toda a dramaticidade a crônica que ele em desabafo sofrido nos remeteu.

Ser idoso
A última mas não a primeira, nem a segunda crise teve inicio, a meuver, quando manifestei há uns dois ou três meses a Ela o meu temor denão conseguir mais manter a casa com mais seis pessoas que constituema família dela.Nestes 30 anos sempre me esforcei por acompanhar e suprir material eafetivamente a criação de seus dois filhos então menores, hoje com 32e 35 anos respectivamente. Atravessamos momentos difíceis na relaçãocom o pai e os dois filhos. Até o segundo filho de seu primeirocasamento foi igualmente acolhido e nutrido por mim quando necessitou,ainda jovem.Ultimamente tenho com o mesmo empenho acompanhado e garantido acriação dos dois netos mais próximos que acabaram por morar conosco.Infelizmente, a retribuição tem sido terrível, além do rastro desujeira e bagunça que os adultos promovem pela casa inteira a qualquerhora e de qualquer maneira.Ao reclamar da cozinha suja que sempre deixam dias a fio sem lavar nemum copo, acabo ameaçado pelo caçula, hoje enorme (com uns 2 metros por3) marombeiro e vitaminado, e secundado pela irmã, tampouco franzina.Fazem coro na bagunça e ameaçam-me fisicamente.Sou um senhor de quase 66 anos que jamais fui sequer acusado deagressão a quem quer que seja. Fico triste ao ver que se queira agirassim comigo, ainda mais na minha própria casa que partilho com a mãedeles.Não creio que tenham direito a ocupar a casa à minha revelia e dojeito que fazem, com a sobrecarga dos serviços e das contas de luz,gás, água, alimentação etc. Nestes últimos três meses inesperadamentenão tenho trocado mais que três frases com Ela que, finalmente, hámais de um mês arrumou malas e não tem aparecido em casa.Em sua ausência, a insistência intempestiva dos enteados em prejudicaro funcionamento da casa motivou forte discussão e novas ameaças. Paraminha surpresa, Ela retorna e toma o partido dos filhos contra mim,recusando-se a discutir o que mais me preocupa que é a impossibilidadede continuar mantendo a casa praticamente sozinho.Novas discussões e exaltações de parte a parte e parece que chegamosao fim. Os filhos dela e seus pares continuam aqui atrapalhando tudo,luzes acesas, televisões ligadas, portas e janelas abertas etc,agravando ainda mais o custo de manutenção da casa que, apesar desolicitados, mãe e filhos jamais se dispuseram a considerar.Finalmente este mês repassei uma ou outra despesa para o novocompanheiro da enteada, e parece que assim se sentem ainda maisagressivos e desordeiros.Imagino que apenas Ela e eu temos direito ao abrigo e suporte da casa,afinal os demais tem pais e parentes vivos a quem solicitar além denós neste momento de impasse. E como persiste o ambiente de permanenteameaça, requeiro alguma providência acauteladora enquanto Ela e eu nosseparamos sem litígio, afinal temos em comum somente a casa.Apesar de muito apegado à casa, que construí com as minhas própriasmãos, concordo em vender a minha parte por um valor compatível com oimóvel e minhas necessidades, eliminando-se o vínculo que nos resta.Enquanto isso é necessário que os agregados se mudem daqui no máximoao final do ano letivo das crianças, que não podem ser prejudicadas.Não há como nem porque protelar a convivência impossível e agoradanosa entre nós.

Sergio Santeiro. 20/11/2010

domingo, 21 de novembro de 2010

Cinema de Invenção

Recolhi, em corte seco, do seu filme de longa metragem “O Vampiro da Cinemateca” (1975/77) onze minutos (10%) de alguns trechos que poderiam ilustrar o momento histórico em que ele foi filmado e passar, para quem ainda não conhece, um pouco do seu pensamento polêmico e idiossincrático. O filme é narrado na primeira pessoa pelos textos do próprio Jairo e de outros autores com sua voz distorcida como uma guitarra de Hendrix, e também por gestos e movimentos da sua figura- personagem quixotesca de forte presença ditirâmbica frente à câmera superoito. Nele pode-se reencontrar o discurso estético-poético da época de uma geração infelizmente hoje esquecido.

Pequena Homenagem ao Escritor, Crítico e Cineasta Jairo Ferreira.

Alo! Ministério da Cultura, da educação e do saber: Não seria uma má idéia fazer uma grande reunião com toda essa geração, todos esses personagens que estão presentes no livro do Jairo, os reunindo em uma grande mostra dos seus filmes no Festival de Brasília ou talvez, quem sabe, muito depois, em um encontro Kinespiritual na casa do Eliseu Visconti em Teresópolis.

Ambos os encontros poderiam muito bem serem registrados, documentados, por todos jovens entusiastas do cinema-futuro ali presentes trazendo nas mãos suas câmeras digitais e nas cabeças a memória do genial Jairo Ferreira e de todo o seu cinema de invenção.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Loucura Pouca é Bobagem

Clipes da Internet e seus (D) Efeitos Visuais.

Recebi (repasso aqui embaixo) outro dia pelo meu emeio um pequeno clipe da história dos efeitos especiais que nasceram com o cinema há 110 anos passado, em 1902, na Europa, com A Viagem a Lua de Méliès, Der Golem de Paul Vegener; Caligari de Robert Wiene; entre outros. Depois, na década de cinqüenta, surgiu o cinema de roliude com O Incrível Homem que Encolheu de Jack Arnold e finalizando a edição deste pequeno clipe, trecho de filme com os recursos atuais da tecnologia na criação dos efeitos visuais que são espalhados aos milhares pela Internet.
E assim, brincando com as imagens como sempre, eles vendem o impossível para o mundo dos incautos espectadores e ficamos espantados com o que nos parece verdade na fantasia do planeta Disney.
O fotógrafo do filme Amaxon, meu produtor e amigo Marcelo Pegado, anda estudando e criando alguns efeitos em vídeo HD e até está montando um site dedicado a essas suas experiências que na certa um dia serão úteis em algum filme de ficção poético-brasileiro.
Viva roliude e salve a tecnologia digital nipônico-americana da computação! São milhares de plug-ins e programas neste fantástico universo onde imagens com registro de qualidade e possibilidades infinitas de efeitos visuais parecem-nos vindas de outro mundo, onde jovens aficionados possuídos de todas as possibilidades criativas experimentam o novo, criando efeitos que no passado do cinema eram desenhados e trabalhados a exaustão, meses a fio pelas velhas trucas, sem contanto obter a qualidade que hoje se consegue em poucas horas de trabalho na frente de uma telinha de um computador caseiro, obtendo resultados nunca antes vistos pela mistura infinita de movimentos memorizados nos milhões de cálculos dos poderosos micros-chips e desenhados em sofisticados programas que fazem surgirem nas telinhas espalhadas pelo mundo imagens, que ainda não são, mas poderão ser ainda, futuristas, expressionistas, abstrações poéticas cheias de efeitos de arte e de beleza.
Vamos ao vídeo-filme em questão:

Só o futuro é moderníssimo.


Poesia de Cinema

Matéria Inséctil

De tempo em tempo
De páginas em páginas
Dos contos aos cantos
Das sombras as sombras
Só espero a partida que vem.

Esta luz de néon invade o cosmo
vinda do fundo de um cabaré.
Na minha alma um sonho
um átomo , um corpo estranho
tamanha luz , incêndio que não é.

Estranha entranha de caminho róseo
ideário vermelho a procura de ação
que insistentemente e sem nenhum propósito
rouba da escuridão o insólito ar do meu pulmão

Desejo insone do meu quarto chorinho.
Declamo tristes trovas de paixão e ódio
Lutando para não transformar em negócio
O resto da luz em matéria

É que o seu amor me conduz
entre a paz e a guerra
No princípio o caminho da artéria
e no fim o martírio da cruz

Luto o luto torto no contra mão da glória
Enigmas de um pobre poeta maluco
Preso no cipoal da história

Eu sei que te constrange o sopro do meu coração
Por esse seu sexo molhado quente tenho tesão
Gosto infinitamente de te passar a mão

Lavo minha língua solta nos seus ouvidos
Afasta-me aos gritos de horror
Palavras de dor e de prazer...
Minha língua fala e isto te assusta
Consola-me Amor
Tu tens um furor de menina
Tara animal ser uterina
Sem sexo sem nexo
Sou seu menino
Lambuzando-me em você.

Oh! Pode ser que eu me fodo
No batuque e na mandinga
No choro de uma cuíca dentro do trem da Central
No Brasil cineral...
No soluço de uma fêmea agasalhando o meu todo
Isto não é normal!

O grito do zagueiro no ritmo imortal de uma pelada
Um samba afina o cortejo que passa vai e volta mal
Uma entoada marchinha de meninas sacanas e abusadas
Tudo isso é carnaval!

No meio do povo o gringo trôpego penetra com
alma vadia o corpo da morena brejeira deixando
o bravo guerreiro explodir
nos sentimentos e na porra
de um mundo velho
repleto de fodas livres.

Que esta felina maldita
logo queira ao som de um grito
o fogo de graves e agudos
grunhido no tempo infinito
a música universal
súbitos sussurros
cai de novo de quatro
o animal em seu louvor
gesticulando o meu apêndice expele
navegando por gotas d`água
o gozo na perna esperma
aflito de vida bandida.

Rio, janeiro de 1978

domingo, 14 de novembro de 2010

Para meu amigo Gilberto Vasconcellos

LIBERDADE

Fala-se muito em liberdade, liberdade disso ou daquilo, liberdade de imprensa, de comércio e de posse. Fala-se e coloca-se a palavra, repleta de sentidos nobres, nas situações mais constrangedoras de engano e mal dizer. Liberdade não se amálgama com escravidão, servidão, sujeição. Liberdade, como dizem os filósofos, independente de quaisquer condições e limites, é o meio pelo qual o ser humano realiza a plena autodeterminação, constituindo a si mesmo e ao mundo que o cerca por sua capacidade inerente à ordem cósmica, concebida como natureza, universo ou realidade absoluta, fazendo-o existir com autonomia e autodeterminação ilimitada, desde que consigam agir e pensar como parte dessa realidade primordial e abrangente, harmonizando-se conscientemente com seus desígnios e suas aptidões, por meio dos quais a coletividade compreendendo as leis da natureza e os condicionamentos que pesam sobre a história universal, transforma o real com o objetivo de satisfazer suas necessidades materiais e intelectuais.
É deste ponto de vista libertário, distanciado e livre de mim mesmo, que pude observar e ter visões holísticas do vídeo que o professor Gilberto Vasconcellos fez comigo e que acabei de assistir. O vídeo que ele intitulou de “Sette Sétima Arte” é conversa-documento de uma geração. Eu e Gilberto, que é também sociólogo, escritor e crítico de arte, passamos horas na recepção de um hotel em Juiz de Fora, bebendo vinho, comendo queijo de minas e ruminando palavras em pensamentos expressos de maneira quase teatral, como se os dois personagens representassem em um só ato de meia hora todos os contornos de uma existência dedicada ao saber da arte na política e na cinematografia de todos os tempos. Fazíamos cinema como se fossemos gregos socráticos entre uma taça e outra de um bom “rouge” divino, sorvendo o que comíamos enquanto vivíamos sem restrições esse momento de prazer em poder se expressar com plena liberdade, na arte de um bom diálogo, todo o nosso conhecimento, quase toda a nossa história. Não discutíamos, nem queríamos persuadir um ao outro com suas idéias. A conversa, mesmo interpretada teatralmente com inflexões dramáticas e cômicas, principalmente por mim, foi muito bem gravada (posso dizer filmada), com movimentos precisos e ágeis do homem-câmera, criando nos planos-sequências segmentados pelo tempo-espaço das imagens, o conflito das lentes com o que foi retratado, aproximando-se nos clímax dramáticos e se afastando nas reflexões contemplativas e dedutivas do professor Gilberto, formalizando a ação contida nas palavras, valorizando a edição final em processo de corte seco, autofágico, sem identificar o protagonista como tal, livrando o observador da chata e entediante entrevista. A fotografia elétrica não intervém nos personagens e nem deixa, em nenhum momento, de observar o enquadramento perfeito, cinematográfico, das angulações preciosas. O começo misterioso, de suspense futurista, com o personagem-repórter pelas ruas (da Alphaville de Godard), procurando encontrar um homem 100%brazileiro. Através de toda a brasilidade de Câmara Cascudo, Oswald de Andrade, orientado pela batuta de Camargo Guarnieri, sob a inspiração do gringo Cassavete e a benção do transatlântico trotskista da história, Gilberto corta pela prosa a proa da poderosa lente kinoptik 9.8 retratando Kodak com seu olhos de aço afiado nos verdes mares do sul. E de binóculos no fim do nada e no começo de tudo podemos fazer o raio x de uma época conturbada pela vontade revolucionária de uma geração que ainda não passou e que possui a gazua e o x do problema. Evoé professor Gilberto e todos os seus meninos universitários, artistas dedicados que com muita criatividade e respeito participaram deste kinovídeo!

Estarei publicando o vídeo amanhã na página do KTV do Blog – Assistam!...

sábado, 13 de novembro de 2010

O Sábio da Venezuela

Ludovico Silva: A POESIA NO MARXISMO E O MARXISMO NA POESIA.

Gilberto Felisberto Vasconcellos

Ludovico Silva imagina Marx sentado no sofá vendo televisão horrorizado diante do superfetichismo da mercadoria. Ouve-se a voz de Marcuse falando que a forma da mercadoria no capitalismo monopolista é avassaladora. O que aí interessa não é o valor de uso, e sim o valor de troca, e muito menos o valor de verdade ou artístico. Então, a mais valia ideológica é o zênite do fetichismo da mercadoria. Neste livro escrito em 1971 (a televisão Globo nasceu 1965), Ludovico adverte os revolucionários latino-americanos sobre a importância da televisão e os fatores subjetivos. Camponês delatou guerrilheiros, operário votou em FHC, pastor da igreja universal é aclamado nas urnas, então o subdesenvolvimento deve ser visto pela condição subjetiva das pessoas moldada pela ideologia da televisão, que difunde a aceitação do subdesenvolvimento como um destino e, ao mesmo tempo, o desenvolvimentismo, ou seja, a possibilidade do capitalismo monopolista trazer o progresso para a maioria da população, sobretudo se esta comprar aparelho de televisão. Em cada país as empresas televisivas são específicas, mas o que Ludovico escreveu aplica-se não apenas à Venezuela, mas a todos os paises latino-americanos.
Glauber Rocha falava que o “Brasil era um país ocupado pelo Imperialismo”, e essa ocupação não se dava por tanques, marines ou aviões de guerra, mas sim pela televisão, que é um exército midiático gringo operado por mãos brasileiras para extrair a mais valia material e os recursos naturais dos trópicos, principalmente agora com o descalabro climático provocado pelo combustível fóssil que está em extinção, portanto o que se divisa neste século XXI é o território do trópico como fornecedor de energia e como o único remédio para a catástrofe climática.
A televisão é bancada pelo latifúndio agronegócio e as multinacionais. Se existe executivo do banco de Boston no banco Central, haverá a ocupação estrangeira na televisão brasileira comprada pelo capital estrangeiro. Não há possibilidade de o sistema televisivo continuar sob o controle do capital nacional. Se a infra-estrutura brasileira está nas mãos das grandes empresas multinacionais (somente as empresas multinacionais dominam o agronegócio), portanto essas empresas podem comprar a rede Globo, Record e outras televisões. Então não será surpreendente se todo sistema televisivo estiver nas mãos do capital estrangeiro, aliás, este já é o proprietário da mais valia ideológica.
Vale ressaltar à acústica que preside o ensaio de Ludovico Silva, e não só esse ensaio, vide, por exemplo, a teoria poética que vai de Homero a Rubem Dario. Ludovico era músico, tocava sanfona, seu pai era músico. Essa sensibilidade ao som fez com que apreendesse com mais argúcia o significado da televisão.

Beleza e Revolução
A necessidade vital do ouvido de Ludovico Silva para os brasileiros se educarem, sobretudo os professores universitários, cuja percepção acústica é deplorável. A educação musical e sonora na universidade brasileira é um desastre, então necessitamos dos ensinamentos de Ludovico para combater a surdez estrutural que nos persegue e para pensar a relação entre estética e política, como escreveu em seu livro extraordinário Beleza e Revolução, no qual dialoga com Marx, o Rimbald da economia política. Ludovico tinha ojeriza do economicismo e do pragmatismo supostamente realista que despreza a poesia.
A erradicação do subdesenvolvimento só será feita com socialismo, e nisso ele está sintonizado com o que há de melhor no pensamento de esquerda, Gunder Frank, Ruy Mauro Marini e Darcy Ribeiro. O grande poeta venezuelano escreveu livros e ensaios extraordinários sobre a literatura latinoamericana e do mundo inteiro, grega, latina, francesa, inglesa e norte-americana. O ouvido de Ludovico é a antítese do derrelicto sonoro e ruidoso sob o jugo da televisão, incluindo música popular, pop e sertaneja. A parafernália sonora extraí a mais-valia pelo ouvido para deixá-lo surdo em relação ao subdesenvolvimento. Ludovico foi leitor da escola de Frankfurt, mas não desconfiou da capacidade política do proletariado, não acreditou que tivesse chegado ao fim a missão do proletariado, não compartilhou do pessimismo frankfurtiano a respeito da integração conformista do proletariado na ordem social e industrial.
Embora se distanciasse do pessimismo da escola Frankfurt, concordava que a história do século XX, depois de 1945, não poderia ser entendida sem o aparato televisivo. Ludovico corrigiu Theodor Adorno: a indústria cultural não é cultural, porque a cultura desvela e é libertária, enquanto a ideologia é a essência desta indústria, encobridora, deformadora e falaciosa, portanto o melhor seria dizê-la indústria ideológica, no sentido marxista do vocábulo ideologia, algo que falseia a realidade em função de interesses materiais.
Ludovico traz a prosódia, a oralidade do povo, por isso não está apartado do folclore, escreveu sobre o estilo de Marx, sintonizando-o com Beethoven. Seu livro Letras e Pólvora se destaca pelo som da fala, como se o efeito do som da palavra dissipasse a neblina ideológica. A poesia é concebida como som e símbolo. A poesia também faz revoluções, ele dizia. A beleza é revolucionária; o capitalismo, feiúra. É pelo som da palavra que se poderia escapar da televisão-caverna e do capital monopolista financeiro.

Ócio e Filosofia
Quando reparo a oralidade de seu estilo, estou pensando no folclore tal como foi transfigurado musicalmente por Villa Lobos. É que no ouvido está o olho do povo. É mais ouvindo do que vendo, a produção do som sensibiliza o povo, a musica é a psicologia popular. A função do ouvido está em primeiro plano. Glauber Rocha foi artista da imagem e do som. Quando digo que no ouvido está o olho do povo, lembro o belo verso de Ludovico “si solo mirar el ojo escucha”. É a música na literatura como escreveu em seu livro A Filosofia da Ociosidade: “puede ser que algún músico del pueblo se haya interessado alguna vez por el ritmo encantador de mis frases y mis poemas”.
Ludovico juntou poesia, consciência estética do fazer literário, meta-linguagem informada pelas teorias literárias, falando 7 línguas entre tantas outras lidas, ao mesmo tempo tinha um conhecimento científico da sociedade ditado pelo marxismo, que é ciência da revolução proletária. A América Latina é caracterizada pela claridade dos trópicos, o sol vertical sobre a Venezuela. Ele adorava Mallarmé, a clareza harmoniosa, a melodia nítida, o poeta dos poetas.
Ludovico atribuía um poder imenso às palavras, se não fosse isso não seria poeta, embora soubesse que não é a música nem a poesia o motor da história. A história é movida pela luta de classes. Ele não tinha inibição de falar de si mesmo, de colocar a sua pessoa no estilo, o que não comprometeu em nada a objetividade de seus estudos. Escreveu mais de 10 livros sobre Karl Marx e o conceito de alienação. Conhecia muito a Europa, mas não se pode dizer que tivesse sido um intelectual eurocêntrico. Leu e estudou Marx como um latino-americano. O curioso é que não tematizou a selva, nem conheceu a Amazônia e o Brasil. Autor brasileiro, eu me deparei somente com Darcy Ribeiro, mesmo Villa Lobos não aparece como referencia, assim como não aparece o samba, não aparece o chorinho, não aparece Glauber Rocha, Ludovico se achava parecido com Engels. Eu não o vejo parecido com Engels. Eu o vejo parecido com meu amigo Sergio Santeiro. O poeta-filósofo venezuelano nasceu em 37, três anos mais velho que Glauber nascido em 1939.
Como Ludovico se tornou Ludovico? Como de Luís virou Ludovico? Quando estava na Espanha os amigos dele o chamaram de Ludovico, ai ficou o nome de Ludovico. E, antes disso, ele chegou ao marxismo pelo Sartre, lendo-o em Caracas mas ele não se ligou no Sartre, fala pouco do Sartre, fala bem, mas não foi uma figura nuclear em sua visão de mundo. O que o comoveu foi Marx, décadas estudando-o, tomando seus tragos em Caracas com Marx ao seu lado. Ludovico era afeiçoado ao bebum, escreveu um livro de poesia sobre o vinho, tematizou o álcool o tempo todo, afirmando que o álcool o mataria, o álcool estava levando-o à morte, ora dizia que largou o álcool, ora que não largou, morreu cedo com cinqüenta e poucos anos.

A MAIS VALIA IDEOLÓGICA
Em seu ensaio Sono Insone tematizou a sociedade latino-americana subdesenvolvida e os fatores responsáveis pela continuidade dessa situação deplorável, em que o capital desde o começo nasceu estrangeiro, a sociabilidade foi feita pela produção voltada para o mercado externo. E o que isso tem a ver com a televisão? O que o capital estrangeiro tem a ver com o efeito psico-cultural da televisão na sociedade brasileira agora?
A televisão do capital estrangeiro convence os explorados a aceitarem a exploração imperialista. A mais valia ideológica é a relação colônia-metrópole, por isso Ludovico é o grande autor da teoria marxista da ideologia no Terceiro Mundo. A mais valia material, extraída da força de trabalho, tem sua justificativa na indústria cultural. Assim, a mais valia ideológica opera com o não consciente do psiquismo, por onde se introjeta o subdesenvolvimento. Como é que subdesenvolvimento é introjetado no aparelho psíquico dos colonizados? Nisso entra a televisão, sobre a qual é impossível discorrer com neutralidade axiológica.
Ludovico retomou o conceito de Theodor Adorno sobre indústria cultural, elaborado há quatro décadas. E nessa indústria cultural sobressai a televisão como o suporte psíquico da sociedade, fator fundamental do conformismo e da aceitação do subdesenvolvimento como uma realidade ineliminável.
O estudo da televisão requer uma postura critica e não meramente descritiva, pois a descrição do efeito que exerce um programa na massa da população, sem uma abordagem critica, é mera algaravia fragmentada e superficial. Ludovico rebatizou o conceito de Adorno sobre indústria cultural; na verdade é indústria ideológica, e não indústria cultural, porque a cultura revela a realidade, a ideologia a encobre. Há um abismo entre ideologia e cultura, assim entre crença e ciência. A crença mascara, enquanto que a ciência desoculta, então Ludovico prefere falar em indústria ideológica, a mensagem imaterial justificadora da existência da exploração, tornando-a aceitável pelo povo. Essa mais valia ideológica, imersa na produção material, tem, no entanto uma dimensão não consciente, pré-consciente ou inconsciente, o homem comum presta lealdade ao capital material por intermédio dessa mais valia ideológica produtora de um excedente psíquico.
A televisão pode ser vista como uma terapia repressiva para as massas, é isso que dá aos donos do capital as condições de realizarem simultaneamente a extração da mais valia material e a da mais valia psíquica. A esfera psíquica de cada indivíduo é submetida à televisão para justificar o poder material do capital.
A televisão não pode ser considerada em si mesma, nem é propriamente uma extensão do olho, como dizia Mcluhan. É um olho, corrigiu Ludovico, que nos olha, então esse olho da televisão, esse olho pelo qual nos vemos e somos vistos, é o olho do capital. Esse olho-ouvido nos faz ver e ouvir, nós vemos e ouvimos com olho e ouvido constituídos pelo aparato televisivo. Ludovico assinala que a televisão é como um médium absorvente é uma mercadoria que nos faz ver outras mercadorias. A televisão fala da existência de outras mercadorias. A televisão é uma mercadoria no meio de outras mercadorias como o dinheiro, então ela é uma mercadoria especial no mundo capitalista, porque produz o excedente de trabalho imaterial, cujo beneficiário é o sistema de dominação material. A televisão é a exploração imaterial que torna possível a continuidade da exploração do capital. A televisão está dentro do processo de produção, mas atua como uma exploração imaterial.
Ludovico colocou outra questão essencial: a diferença de uma televisão em país desenvolvido e em país subdesenvolvido. Como é o subdesenvolvimento televisivo? A televisão do subdesenvolvimento – a televisão em um país subdesenvolvido - é a penetração imperialista, a esfera do imperialismo por excelência que justifica a extração da mais valia para os centros metropolitanos. É essa a função primordial da televisão no país subdesenvolvido. Embora em todo lugar a televisão seja a mesma coisa, ela atua como fator decisivo dessa produção material e imaterial na periferia do capitalismo, portanto a rigor é desprovida de qualquer particularidade nacional.

Televisão sem Anestesia
Cosmopolita tal qual o dinheiro, a televisão é um canal do imperialismo, embora possa existir proprietários nativos de televisão. Ludovico trata da aparência e essência, por exemplo: a ideologia não consiste nas opiniões e idéias manifestadas ou divulgadas pela televisão, assim como ela não aparece apenas nas opiniões e tendências expostas pelos partidos políticos. Isso é a aparência, mas a ideologia é produzida aquém e além desta aparência, por isso o conceito de mais valia ideológica trata da parte não consciente.
A ideologia do neocolonialismo está na televisão, mas isso não quer dizer que o sistema educacional e o sistema religioso tenham desaparecido. É que depois do surgimento do aparato tecnológico-eletrônico, do qual resulta a televisão, esses dois elementos - o religioso e o educacional - devem ser vistos em função do papel primordial da televisão. Antes de a pessoa entrar na universidade ou no sindicato, sua infância já foi moldada pela exploração imaterial e psíquica da televisão. Então a televisão é o fator determinante que abrange e incorpora a educação e a religião. A ênfase na dimensão imaterial é diferente quando se fala em navios ou trens que transportam mercadorias, pois a televisão transporta objetos imateriais, idéias, imagens e mensagens.
A televisão comunica a mercadoria, é um fator novo da exploração capitalista. É isso o que há de especifico na comunicação: transportar realidades imateriais. É impossível isolar a televisão do subdesenvolvimento, porque ela o reproduz. Então, a teoria do subdesenvolvimento necessariamente tem que incluir a televisão como objeto de estudo. A televisão é um componente fundamental da estrutura subdesenvolvida da sociedade latino-americana.
Ludovico Silva volta e meia em seus livros citava (e como ele era mestre em citar o pensamento de outros autores) a definição de cultura de Samir Amim: “ a cultura é o modo de organização e de utilização dos valores de uso”. A televisão extrai do trabalhador um excedente psíquico para fazê-lo aceitar a exploração do trabalho como algo natural e, muitas vezes, masoquisticamente desejado. Quanto mais a humanidade se converte em mercadoria, mais a TV se expande como medida do capitalismo, isto é, o modo de organização do valor de troca, seja telenovela ou jogo de futebol. A diversão no capitalismo é o momento do gol no futebol manipulado como o anúncio de automóvel.
A televisão nasceu das entranhas do imperialismo, sua irmã gêmea é a bomba atômica de 1945. Assassinado em 1940, Trotsky não viu o aparecimento da televisão anti-socialista. A televisão é o dólar em ação na mente e no espírito do espectador. A alquimia manipuladora da telenovela ou do futebol é aplaudida unanimemente por todos os partidos políticos depois que se foi Leonel Brizola, o último homem político que considerava a televisão uma serpente do capital monopolista.
O conceito de mais valia nasceu depois de Ludovico muito meditar acerca do vocábulo “ideologia” na obra de Marx, assunto sobre o qual escreveu dezenas de livros, tendo consciência de que o fazia melhor do que qualquer acerto na Europa e Estados Unidos, salvo as exceções como Ernesto Mandel e Maximilien Rubel.
O conceito de mais valia ideológica, que nega a distinção entre infra-estrutura econômica e superestrutura cultural, é de autoria de um poeta, crítico de arte, filósofo, dotado de uma sensibilidade para a linguagem, encarada sob o prisma da totalidade histórica, o que o levou a sincronizar o artista Charles Baudelaire, o poeta da modernidade (quem aliás inventou essa palavra) com Marx, o primeiro a fazer a análise revolucionária da sociedade capitalista em seu livro de 1859: A Crítica da Economia Política. Um não sabia da existência do outro, mas ambos tinham o capitalismo como inimigo em comum Ludovico observa que a poesia chegou com atraso na percepção de que no fundo da miséria humana existe o capital. Essa percepção se deu com o poeta Baudelaire que, não por acaso, se meteu nas barricadas de Paris no século XIX.

O Sol é do Povo
O que sobressai na bela crítica marxista de Ludovico é a recusa de ver o mundo em prateleiras separadas, por isso conseguiu elaborar com primor o conceito de mais-valia ideológica, valendo-se da filosofia que, segundo Platão, tão citado por ele, é a “ciências das coisas invisíveis”. Em seu livro sobre o poeta venezuelano Vicente Gerbasi, assinala que os “filósofos são meninos sérios”. Ludovico, o poeta-filósofo, em sua Teoria Poética, que vai de Homero a Vicente Gerbasi, sublinha que a obscura caverna descrita por Platão impede a entrada do “sol das idéias”, de modo que a caverna moderna é a televisão, o principal instrumento da industria ideológica do capitalismo, que na latitude subdesenvolvida do mundo tem efeito ainda mais pernicioso, porque na América Latina, como dizia Darcy Ribeiro, a população (antes de ingressar na letra, ou melhor, banida do alfabeto) está submetida ao bombardeiro da televisão deseducadora. Nada pior do que um pobre analfabeto cabeça feita pela televisão.
É possível estabelecer a constelação entre o descenso da consciência da classe operária e a emergência da televisão como produtora de mais-valia ideológica. Com certeza o anti-capitalista Jean Luc Godard estava ciente dessa correlação quando afirmou, tal qual Ludovico a respeito do “sol das idéias”, que o cinema era a luz do pintor Cezane Iluminando a caverna de Platão. No Brasil de hoje (basta observar os candidatos à presidência da República) é pela televisão que se produz, no som e na imagem, isto é, nos meios mentais de produção, a ilusão do desenvolvimentismo que não é senão a máscara do imperialismo norte-americano dentro de casa.
A televisão na América Latina é uma agência local de interesses estrangeiros. Não só econômicos, mas de ordem cultural, quer dizer, é uma agência de interesses estrangeiros com estereótipos culturais. Ludovico se vale da metodologia de Adorno, segundo a qual a televisão, quer como aparelho emissor quer como receptor, lida com o inconsciente, por isso é que a pesquisa empírica sobre o público baseada em pergunta e resposta, é falha porque o significado da televisão está em se apossar do inconsciente das pessoas, daí o conceito de mais valia ideológica.
A mensagem da telenovela é a seguinte: a miséria capitalista é inevitável, portanto o remédio é aceitá-la, daí o conformismo que aparece na telenovela, todas as telenovelas são rigorosamente iguais. A grande contribuição conceitual de Ludovico é mostrar que o produtor, o receptor da televisão, é um produtor de mais valia ideológica com a adesão não consciente ao sistema de exploração.
Este ensaio notável, sono-insone, traduzido para o português, dá em sonho-insônia, paradoxo que ele tomou de um texto de Adorno sobre a televisão, a quem homenageia no ano da morte do pensador alemão em 1971. Mas Ludovico vai além de Adorno quando aborda do ponto de vista histórico as coisas, os olhos, e os ouvidos, baseando-se na escola de Frankfurt, como ele mesmo diz, sublinhando a história no objeto apreendido e no órgão que o apreende. Ludovico neste ensaio pergunta (parecido nesse aspecto com Jean Luc Godard) o que é ver e ouvir na era da televisão? O que é o olho numa sociedade cujo olhar é feito pela televisão? E o que isso implica na maneira de entender a sociedade? Responde a essas questões com a teoria do subdesenvolvimento capitalista latino-americano. É isso o que o diferencia de outros autoes que teorizaram subdesenvolvimento capitalista como Gunder Frank, Jorge Abelardo Ramos, Ruy Mauro Marini e Darcy Ribeiro. É o destaque dado à função desempenhada pela televisão no subdesenvolvimento, ou seja, a ideologia televisiva do subdesenvolvimento como responsável pela miséria e o atraso, nesse aspecto sendo mais importante do que a religião e a educação. Ele percebeu a televisão como fator ideológico no inicio da década de 70. Algo parecido foi feito por Glauber Rocha, que, aliás, não se encontrou com Ludovico, sendo três anos mais novo que o ensaísta venezuelano. Eles poderiam ter se encontrado: Glauber, o Marx; Ludovico, o Engels, pois Ludovico gostava de dizer que ele era parecido com Engels. Embora Glauber e Ludovico não tivessem se encontrado, eles tematizaram a ideologia do subdesenvolvimento. A Motion Pictures começou nos anos 50 com JK, portanto converteu-se em um fator essencial nos rumos da história do Brasil.
Glauber pensou a comunicação e a história. Não que a história fosse feita pela comunicação, mas sem a comunicação é impossível entender os rumos da história do Brasil. A televisão, segundo Ludovico, é o principal instrumento para produzir e perpetuar o capitalismo monopolista. A cabeça do colonizado é feita pela televisão que hipnotiza a população. Ludovico trata de três elementos fundamentais: subdesenvolvimento, televisão e ideologia. A televisão é por onde se faz a ofensiva psíquica do imperialismo. Escreveu isso em 1971, paralelamente a Glauber Rocha, o que enseja algumas reflexões, sobretudo agora durante a Copa do mundo. O que é pensar o futebol do ponto de vista do valor de troca, isto é, o futebol como mercadoria? Afinal, não existe futebol como uma esfera separada da televisão, a televisão é futebol, a televisão faz com que o esporte exista na sociedade contemporânea, eu diria até que cada gol é a celebração da televisão como mercadoria e aparato de domínio. Por isso eu compartilho da tese de Glauber Rocha e Oswald de Andrade, segundo a qual o futebol é uma alienação perpetrada pela indústria ideológica na sociedade brasileira, sem mencionar o meu saudoso amigo José Róiz: esporte mata.
A televisão é a ideologia do futebol ou o futebol é a ideologia da televisão? É impossível imaginar um Maracanã chamado Karl Marx, um Morumbi chamado Engels, ou um Mineirão chamado Lênin ou Trotsky. O fetichismo do chute na bola é o equivalente universal do dinheiro no atual capitalismo. Capitalismo vídeofinanceiro, eu o batizei em meu livro O Príncipe da Moeda. Haja mercadoria, haverá fetichismo, então por que somos levados à supertição de que a bola na rede é momento lúdico e não valor de troca? Por intermédio da televisão, quem faz o gol é o capital. Os trocadores de passe no campo são os trocadores de valor, que aliás o que nós somos no sistema capitalista de produção de mercadorias, pois existimos como portadores de valores que se trocam entre si. Isso não ocorre apenas quando determinado atleta faz anuncio comercial na televisão: compre isso e converta-se na minha pessoa de sucesso. É isso o intercâmbio da pessoa (mercadoria) do jogador com o produto reificado. O campo de futebol é o mercado de proprietários privados.
Glauber Rocha dizia que Pelé chutava a cabeça do povo brasileiro. O futebol é contra o socialismo. O futebol satisfaz as demandas mundiais do mercado capitalista. Nada mais do que isso.

*Gilberto Felisberto Vasconcellos é Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora.
E-mail: gilbertovasconcellos@yahoo.com.br

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O Rio Pega Fogo

Estava de conversa com um amigo sobre as últimas ações dos traficantes no Rio de Janeiro e chegamos à conclusão que essa de jogar coquetéis molotov (gasolina engarrafada) aleatoriamente nos carros parados da classe média carioca, pode provocar uma confusão incontrolável na sociedade organizada das grandes concentrações urbana, pois, segundo o meu amigo, o burguês prefere perder um ente querido do que o seu carro novo comprado em infinitas prestações – a pior coisa é ter que pagar por aquilo que não se tem. As seguradoras já se preparam para aumentar o seguro contra o fogo sinistro dos automotivos.
Assim segue o diálogo:
- Você já imaginou se a onda pega, disse o amigo, carros pegando fogo por todas as cidades, não há governo que resista.
- Prender os meliantes é praticamente impossível, praticam a ação de motocicleta e capacete e fogem como ases da velocidade nos filmes de roliude.
- É uma loucura imaginar a explosão de vários carros por dia, todos os dias. - O que se quer com isso? Chamar a atenção para quê? Difundir o terror? Semear a discórdia?
- Acho que os autores dessas ações não sabem responder essas questões, cometem o crime pelo simples prazer de extravasar o ódio adquirido pela invasão dos seus redutos de mando e tráfico... - É preciso descriminalizar as drogas e o governo dominar o consumo...
- Esse drama não tem data para acabar enquanto não se encaminhar todas as crianças do Brasil para as escolas de tempo integral. Urbanizar as comunidades carentes. Criar habitação e saneamento básico para todos os excluídos. Promover a cultura e o esporte nas comunidades reorganizadas e criar nelas escolas de formação técnica adaptadas a uma futura universidade aberta. Só assim e possível criar uma sociedade verdadeiramente livre e feliz onde só será proibido, com penas severíssimas aos infratores, matar e roubar.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

PRECISO CONHECER ESSE CINEMA


ARCA RUSSA de Sokurov

Arca Russa (Russkij Kovcheg), de Aleksandr Sokurov, é um filme realizado em um único plano-seqüência de 96 minutos, o mais longo desse tipo já feito na história do cinema. A experiência mais famosa de planos longos - Festim Diabólico,1948, de Alfred Hitchcock - tem 80 minutos divididos em seqüências de 10 minutos. O diretor, conhecido por sua visão polêmica em trabalhos anteriores como as biografias de Hitler (Moloch, de 99)
e Lenin (Taurus, de 2001), agora trata de três séculos da história russa numa obra realizada em vídeo digital de alta definição, filmada dentro do Museu Ermitage em São Petersburgo, a antiga Leningrado. É um filme-evento que traz, em forma de lamento, reflexões históricas e políticas sobre o fim da Rússia e da Europa aristocráticas. Mas é também, em doses elevadas, uma obra reflexiva sobre o tempo, as artes e a natureza do cinema. Sokurov, um dos diretores mais criativos do cinema, não disfarça a sua satisfação com o resultado do filme: "Fazer Arca Russa me deu uma sensação quase divina, no sentido em que lidei com o tempo de forma natural ; os cineastas sempre imaginam que podem fazer com o tempo o que quiserem. Neste filme eu acho que me reconcilio com essa questão" diz o diretor, acrescentando que discorda da manipulação que o cinema faz com o espectador. Talvez esteja aí a chave do cinema de Sokurov: a sua declarada negação de controlar o tempo através da montagem, que segundo ele funciona como agente ditatorial para escravizar o público.
Arca Russa é um espetáculo de grandes dimensões: a câmera do alemão Tilman Büttner (o mesmo de Corra Lola Corra) segue pelos corredores do museu, onde 867 atores, três mil figurantes e três orquestras dividem-se em 33 cenários diferentes. A seqüência foi realizada numa única tarde, especificamente em 23 de dezembro de 2001. A direção de Sokurov é exuberante e teatral. Falando sobre as influência em seu trabalho, o diretor diz que suas impressões mais profundas estão relacionadas a escritores, pintores e à arte de um modo geral. "A arte é um grande luxo e o cinema tem recursos imensos para retratá-la", afirma, complementando que, apesar disso, é preciso muito trabalho para criar uma obra de arte, não apenas no aspecto físico, mas também no sentido de conseguir um alto grau de compreensão para transmiti-la. O filme se passa inteiramente dentro do Ermitage, um palácio construído por Pedro, o Grande, no século 18 e transformado posteriormente em museu por Catarina II . A câmera - na verdade o próprio espectador - segue os interiores do museu como se estivesse percorrendo os diferentes momentos da história da Rússia. Sokurov explica que não se preocupou muito com o rigor histórico, preferindo se concentrar mais nos períodos de beleza da história russa e não nos seus momentos mais terríveis, embora, como revela, sua primeira profissão tenha sido a de historiador. "Sou formado em história e não consigo imaginar os eventos históricos da Rússia num tempo passado; para mim é como se eles estivessem ainda aí, se estendendo até os dias de hoje", afirma. Sukurov , no entanto, não se mostra muito otimista quanto ao futuro da Rússia : "os problemas que vivemos ontem e hoje - e eu também me considero um personagem dessa história - voltam sempre, como num círculo vicioso. Tivemos duas guerras no século passado e os homens continuam se matando e cometendo todo tipo de barbárie contra os seus semelhantes. Não aprendemos nada. Parece que não há desenvolvimento do conhecimento, o que nos leva a não ter muitas esperanças quanto ao que virá à frente", profetiza.
por Carlos Augusto Brandão

domingo, 7 de novembro de 2010

O HOLANDÊS SONHADOR ( I,II,III )

Diário de Viagem II

O HOLANDÊS SONHADOR (still do vídeo)







Meus caros leitores,
estarei publicando amanhã o vídeo
“O Holandês Sonhador” sobre uma
viagem a Holanda, Amsterdam, para
ver, ter visão, ao vivo, as obras do genial Vincent
Van Gogh.
Textos meus, de Antonio Artaud e as cartas
de Vincent para seu irmão Théo.
Imperdível

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Manifesto


REVOLUÇÃO

Por uma rebeldia sem ideologia.
Por uma juventude sem causa.
Por uma geração sem mácula.

Nos dez anos passados do novo século do progresso, observa-se uma destruição, uma desinformação cultural neste nosso quintal das Américas. Ah! Cegos de espírito e pobres de prazer, ricos de matéria no abastado reino e no abstrato mundo dos neófobos. Os prepotentes do universo fazem do veneno das serpentes e dos bichos peçonhentos as víboras da terra, os vermes tropicais, o juramento dos crentes, óbolo dos dementes. São os eternos senhores que sussurram em suas alcovas a uma puta quaisquer teorias de uma nova escravidão das massas populares. Empresários enriqueçam! Sindicalista uniu-vos! Poetas e proxenetas fodam-se! Artistas conformados são pardos personagens urbanos que como ratos passeiam nos telhados alheios e com prazer passam pisoteando levemente a patuléia. Pelas antenas desligadas dos televisores de cento e noventa milhões de vítimas o artista brasileiro, que anda rico, morre na onda de quem já foi rei e hoje, destruído, destituído, sem nenhuma nobreza, perdeu a majestade e torna-se vassalo da mídia e, enganado por todos, balançando no poste dos espíritos enforcados, sem identidade, mas louco de prazer. Coitado, enquanto a platéia aplaude o fracasso à nossa esquerda, ele sorri, abraçado a direita, ao político mais canalha e ao empresário mais cremoso e naturalmente, completamente, corrompido pelas perdas internacionais. Quando vai ter fim (enfim) o movimento alienígena do massacre nacional. Não podemos pedir vitória imediata de quem iniciou a marcha revolucionária... Podemos? A humildade está para o reconhecimento assim como o saber para a vontade. A morte sentada nas asas negras de um morcego gigante nos persegue. O medo da fome e da bala amarga de um fuzil imprime no corpo um saber misterioso sob o véu estúpido da ignorância de quem atira. Ontem os poetas, os artistas subiam o Araguaia, assaltavam os bancos, invadiam as terras, cercavam as fábricas. Hoje os atores dessa farsa milenar, os artistas e autores vigaristas de séculos, os conformistas de todos os tempos, aqueles para que tudo está bom se eu estou bem, cultivam o fodam-se todos, na glória publicitária do industrial financeiramente autoritário, bem sucedido, que não tem piedade nem compaixão com ninguém. Mundo cruel que domina o poder das comunicações onde as nossas almas são vendidas aos interesses inconfessáveis de um império globalizado.

É ainda menino
a sociedade rejeita

Em sonoro não
chamando-te revolução

Para quem obliterou seu destino
só abandono e morte

Dado as vezes da sorte
quando a tortura é gorjeta

terça-feira, 2 de novembro de 2010

NOVOS RUMOS


Notícia digna de uma reflexão do artista excluído.

(Sai resultado do edital de Baixo OrçamentoA Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura anunciou o resultado do edital de longas-metragens de Baixo Orçamento. Ao todo, serão distribuídos R$ 8,4 milhões entre sete projetos (R$ 1,2 milhão para cada).
Oswald de Andrade, Blaise Cendrars, Camargo Guarnieri, Osvaldo Goeldi, Murilo Mendes, Pedro Nava, Augusto dos Anjos, Geraldo Pereira, Franz Krajcberg, Arlindo Daibert, Peter W. Lund, Nunes Pereira...
A pergunta que não quer calar:
O que fez de errado um cineasta que tem a sua filmografia regada na memória de muitas vozes perdidas, de fatos importantes dos personagens da nossa história cultural, retratando-os de maneira original em filmes de longa, média e curta metragem muitas vezes premiados aqui e no exterior, para, em mais de 25 anos, ainda não ter recebido nenhum financiamento público para realizar outro filme, perdendo todos os editais que participou?

As 12 respostas possíveis:

1 Não compactuou com o sistema vendendo a sua alma ao diabo do mercado.
2 Não fez política cinematográfica nos sindicatos e associações afins.
3 Não fez amizade com a turma do cinema novo.
4 Não se aproximou dos políticos certos.
5 Não sabe negociar e nem cedeu à ganância dos 30%.
6 Não tem uma produtora.
7 Não trabalha com equipe global.
8 Não tem amigos nos altos cargos do governo, das estatais e nem na elite
empresarial.
9 Não tem amigos na turma jovem do novíssimo cinema brasileiro.
10 Faz um cinema autoral que não interessa mais a ninguém.
11 É rebelde, poético, pouco compreendido e pouquíssimo conhecido.
12 É um louco pobre e atormentado iludido que mesmo desfragmentando-se no
caos da sua existência continua acreditando que é possível criar.

Do cinema

É tudo isso e mais também que eu sempre acreditei que é preciso com talento transformar uma parte significativa da arte brasileira em obras inventivas e experimentais. Briguei muito por isso. Hoje não brigo mais...

Ao espectador e ao crítico

Acredito nas obras que transportam o espectador, de todos os matizes sociais e culturais, a um universo cinematográfico de imagens e textos que ele ainda não havia visto, ouvido, lido, imaginado, experimentado. Sendo, para o crítico, tudo novo de difícil compreensão, para o espectador, a cada filme exibido, uma surpresa agradável e outras surpreendentes: um murro na cara, um vento gélido na pele, uma tempestade na mente, uma saturação de claros e escuros aos olhos que buscam o que lhe é desconhecido, oculto, letárgico na ilusão ótica de quadros variados em movimento rápidos e abstratos sobre todas as coisas relacionadas as verdades ou as mentiras dos homens.

Aos que me julgaram

Sou como muitos... Não sou único e nem sou artista do mal. Dizem que sou rebelde e que estou errado, que a língua que falo é morta, pois ninguém entende, ninguém fala e ninguém quer saber... Digo que não me importo com essa opinião boçal. Sou do bem. Fico com Monteiro Lobato, que sofre nos dias de hoje a censura do passado, e vamos novamente eliminar todos os acentos que não são necessários e criar uma nova maneira de lidar com a língua na contribuição de todos os erros, com diria Oswald de Andrade e eu, do meu lado, no meu tempo, no meu espaço, vou continuando, as duras custas e penas, as minhas experiências visuais no desejo de criar uma arte cinematográfica diferenciada onde não só se vê mas se tem preferencialmente visões deste grande Brasil oculto ainda inexplorado.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Política

DILMA ROUSSEFF
é eleita a nossa presidenta.

Quem será o novo Ministro da Cultura?

É preciso ficar atento com os nomes que vão surgindo.

A fila já é grande e cheia de oportunistas de plantão.