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quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Crônica do Cotidiano

Meu amigo Sérgio Santeiro remeteu para lista de documentaristas, da qual participo, uma crônica dramática extraída do cotidiano sobre o desrespeito, o desconhecimento e o maltrato que um senhor de 66 anos pode sofrer em sua própria casa. Santeiro é um artista, um intelectual rebelde e revolucionário, professor na UFRJ, que construiu, assentando tijolo por tijolo, mano a mano, a sua casa, o seu devenir, de frente para o mar da cidade de Niterói, um lugar tranqüilo onde o velho comunista pudesse observar a natureza e ter a paz merecida de um guerreiro. Nosso amigo comum Gilberto Vasconcelos, também professor da UFMG, é quem me contou a história da obsessão desse homem de cinema pelo lugar onde ele hoje vive, descrevendo em detalhes os botecos da redondeza, onde ele bebeu uma boa branquinha e uma cervejinha gelada em sua companhia, disse-me ainda que quando foi visitá-lo a casa não havia sido mobiliada e que ele, mesmo assim, estava felicíssimo com o seu recanto encantado. Assim podemos agora ler com toda a dramaticidade a crônica que ele em desabafo sofrido nos remeteu.

Ser idoso
A última mas não a primeira, nem a segunda crise teve inicio, a meuver, quando manifestei há uns dois ou três meses a Ela o meu temor denão conseguir mais manter a casa com mais seis pessoas que constituema família dela.Nestes 30 anos sempre me esforcei por acompanhar e suprir material eafetivamente a criação de seus dois filhos então menores, hoje com 32e 35 anos respectivamente. Atravessamos momentos difíceis na relaçãocom o pai e os dois filhos. Até o segundo filho de seu primeirocasamento foi igualmente acolhido e nutrido por mim quando necessitou,ainda jovem.Ultimamente tenho com o mesmo empenho acompanhado e garantido acriação dos dois netos mais próximos que acabaram por morar conosco.Infelizmente, a retribuição tem sido terrível, além do rastro desujeira e bagunça que os adultos promovem pela casa inteira a qualquerhora e de qualquer maneira.Ao reclamar da cozinha suja que sempre deixam dias a fio sem lavar nemum copo, acabo ameaçado pelo caçula, hoje enorme (com uns 2 metros por3) marombeiro e vitaminado, e secundado pela irmã, tampouco franzina.Fazem coro na bagunça e ameaçam-me fisicamente.Sou um senhor de quase 66 anos que jamais fui sequer acusado deagressão a quem quer que seja. Fico triste ao ver que se queira agirassim comigo, ainda mais na minha própria casa que partilho com a mãedeles.Não creio que tenham direito a ocupar a casa à minha revelia e dojeito que fazem, com a sobrecarga dos serviços e das contas de luz,gás, água, alimentação etc. Nestes últimos três meses inesperadamentenão tenho trocado mais que três frases com Ela que, finalmente, hámais de um mês arrumou malas e não tem aparecido em casa.Em sua ausência, a insistência intempestiva dos enteados em prejudicaro funcionamento da casa motivou forte discussão e novas ameaças. Paraminha surpresa, Ela retorna e toma o partido dos filhos contra mim,recusando-se a discutir o que mais me preocupa que é a impossibilidadede continuar mantendo a casa praticamente sozinho.Novas discussões e exaltações de parte a parte e parece que chegamosao fim. Os filhos dela e seus pares continuam aqui atrapalhando tudo,luzes acesas, televisões ligadas, portas e janelas abertas etc,agravando ainda mais o custo de manutenção da casa que, apesar desolicitados, mãe e filhos jamais se dispuseram a considerar.Finalmente este mês repassei uma ou outra despesa para o novocompanheiro da enteada, e parece que assim se sentem ainda maisagressivos e desordeiros.Imagino que apenas Ela e eu temos direito ao abrigo e suporte da casa,afinal os demais tem pais e parentes vivos a quem solicitar além denós neste momento de impasse. E como persiste o ambiente de permanenteameaça, requeiro alguma providência acauteladora enquanto Ela e eu nosseparamos sem litígio, afinal temos em comum somente a casa.Apesar de muito apegado à casa, que construí com as minhas própriasmãos, concordo em vender a minha parte por um valor compatível com oimóvel e minhas necessidades, eliminando-se o vínculo que nos resta.Enquanto isso é necessário que os agregados se mudem daqui no máximoao final do ano letivo das crianças, que não podem ser prejudicadas.Não há como nem porque protelar a convivência impossível e agoradanosa entre nós.

Sergio Santeiro. 20/11/2010

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