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sábado, 30 de novembro de 2013

REDESCOBERTA

Um fragmento de "Finnegans Wake"

JAMES JOYCE
tradução CAETANO W. GALINDO

SOBRE O TEXTO Este trecho do romance "Finnegans Wake", de 1939, é parte inédita da nova tradução, ainda sem previsão de lançamento, a que vem se dedicando Caetano W. Galindo -o livro já foi traduzido anteriormente no Brasil, por Donaldo Schuler, para a editora Ateliê. Segundo Galindo, este excerto (págs. 21 e 22 do original) é "uma vinheta mais ou menos independente que, no entanto, explora e amplia temas fundamentais da obra: incesto, relações familiares, relações homem-mulher baseadas em sedução e poder, enigmas sem respostas e, claro, uma das famosas palavras-trovão, com cem letras, que interrompem o desenrolar da 'trama'". Galindo dá um conselho ao leitor: "O 'Finnegans Wake' não existe para ser exatamente 'entendido'. Leia em voz alta, brinque um pouco com o texto e deixe que ele te ensine a sua língua própria".
Heraduma noite, tarde, munto timplo atroz, numa antaiga erdade das perdas, quando Adão socavava e sua madãominha tessia cedas d'água, quandomem montenote era todimundo e a premeira leal costeladra que jamais ouve osseu em-fim todomigo com seus olhos plenamormorejantes e todomiro vivia solamante com todamina amais e Conte Dom Cabeço metia a testada tostada benhalta no farol queimorava, impondo mão fria assi mesmo. E seus dois geminhos, bem pecanos, primos nóssios, Tristóvão et Hilário, chutanhavam sua bonica, no chão dolheado da casa do homerigho, castelo embarrocado. E, por Dermoto, quenhé quelhe surge na zeladoria dastalagem senão a contrassobrinhadessi por afinidade, a pirainha. E a pirainha rancouma rosinha e sargutou-se adeante do posta. E sim cendeu e a irlenda embrasil-se. E falela com o posta em seu maisquinho sotraque parusiense: Marco Hhm, por que queu soa pareço ingual um póco de siveja mês mussaca pais savor? E foice assim que começaram as escaramoças. Mas o posta rexplondeu assoa graça em olandês bem nassal: Portaquibateu! Aí sua graça o'malíncia rapetou o geminho Tristóvão e sternou-se rumoeste nunca minho alá deirado que chuvia, que chuvia, que chuvia. E Conte Dom Cabeço guerrinhousse atrazela em seu suave fel de rola: para péra esparajá mevoltacasa aparalá. Mas ela jurresponsoulhe: Umprabeledade. E vil-se um rajantar naquela mesma noite de sabote de anglos cadentes em alhum algur dos eires. E a pirainha foissembora em camanhada quarentana atudomundo e lavou as bença das beleza das verruga do geminho com sabão sepumensolhas e mandou seus quatro mochos mestros que lho seus trucos persinassem e ela o convortou aoum só-bom seguro-um-só e ele tornou-se luderano. Aí veio ela que chuvia e que chuvia e, por redemoto, estava de nova de volto no Conte Dom Cabeço num pescar de solhas e o geminho benho com ela navental, talde a noite, umoutra vez. E onde foi que foi ela sinão nobar do seu brostel. E Conte Dom Cabeço estava cos calcanhos seus bartolobrutos afagados no barril desmalte, apertando com si sóssio suas mãos acalentadas e o geminho Hilário e a bonica na primeira infântia estavam embaixo no lerçol, tolcendo e toussindo, comirmão e comirmã. E a pirainha pinçouma palidinha e sim cendeu de novo e volaram flamantes frangulhos febris das colhinas. E sargutissou delante do portarudo, dizendo: Mar cosdois, por que queu soa pareço ingual dois póco de siveja mês mussaca pais savor? E: Portaquibateu! diz o portarudo, rexplondendo sua deloucadeza. Então casopensada sua deloucadeza largou um geminho e pegou um geminho e por toda a vialíria morracima até a terra de gemém ela chuvia, que chuvia, que chuvia. E Conte Dom Cabeço bailia atrás dela com alto fol de ralo. Para fera esparajá mevoltacausa apuralá. Mas a pirainha jurresponsou: Quemeapretece. E ouve um talto laudejar naquela noite de lourença-feira, de estelas candentes em alhum algur dos eires. E a pirainha se foi na sua camanhada quarentana atidomundo e cravou as pragas protestintas com a tonpa dum grepo no geminho e mandou sas dequatras monitrizes cotovintes que tocassem suas lásgrimas e ela o provortou ao certo-somni-só-seguro e ele tornou-se tristão. E aí foi ela que chuvia e que chuvia, e num látimo, por dom temore, estava de volta no Conte Dom Cabeço e o Oiralih com ela embaixo da borra da seia. E por que ela se detinheria se tanto se nãobem na ala de sua mansomem em outra noutetarda para o terço dos encantos? E Conte Dom Cabeço estava com a pelve polvorosa na despenta encaixurrada, ruminando em seus estambos quátriplos (Varas! Devaras!), ei o geminho oavotsirt e a bonica estavam embeijo nas cobeldas, osculando e digotando, e canalhando e jururando, como lacraio e frialda e em sua segunda infântia. E a pirainha pinçou uma embranca e sim cendeu e jouveram os vales só cintilos. E ela fez-sargutissíssima defrante da arca do tio runfo, perguntando: Marco Tris, por que queu soa pareço ingual três póco de siveja mês mussaca pais savor? Mas foi assim que a escaramoça tevunfim. Pois quai-los camplínios conforcados de relampos que revinhom, o próbrio Conte Dom Cabeço Boanerges, o velho terror das sinhoritas, veio pulapula pulalante pela porta benhaberta de seus castros triscerratos, de chapéu bem rubirrondo e cularinho civicante e com seus saios fosquirrotos mais as louvas de peliça e aquelas salças furfúreas e a bandoneira categuta e suas bostas panunculares morduradas como um nãosionalista verme-amare-zerdavul violetamente indigonado, até o finda da fina fonta de seu carjado de capatrás. E tapeou sua mão rudosa nasorícula gelhada e falhou o que bostava e sua flh mbld dss prela ir focando côta, miafia. E a bobeca fê-lum calapôca (Perkodhuskurunbarggruauyagokgorlayorgromgremmitghundhurthrumathunaradidillifaititillibumullunukkunun!) E beberam todos de graça.
JAMES JOYCE (1882-1941), escritor irlandês, autor de "Ulysses" (1922) e "Finnegans Wake" (1939).
CAETANO W. GALINDO, 40, é professor de linguística histórica na UFPR e tradutor de livros como "Ulysses" (Companhia das Letras), de James Joyce.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

GTO: técnica apurada, força emblemática.

O sonho, o santo, o sábio

Bela e concisa exposição marca o centenário de nascimento de Geraldo Teles de Oliveira, o GTO.
Por Paulo Laender*

Com conceitos cartesianos e valores intelectuais no plano do  consciente, nossa cultura materialista coloca um ser como o escultor Geraldo Teles de Oliveira (GTO) - muito mais ligado a referências e valores do inconsciente -  à margem da inteligência instituída, classificando-o como “artista ingênuo”, tolerantemente aceito com os devidos descontos que lhe são feitos.

Numa cultura em que o racional não fosse absoluto nem se impusesse com arrogância e prepotência mas, dividisse com o espírito a formulação de uma "consciência global", GTO não seria encarado como um fenômeno sui generis. Ao contrário, seria visto com o valor e o respeito que merecem aqueles que, com coragem, segurança e total entrega, se lançam na viagem ao desconhecido, de lá trazendo imagens e informações que, elaboradas com habilidade e emoção,  tornam-se registros escultóricos, literários, pictóricos, filosóficos, musicais, etc. , possibilitando-nos vislumbrar um pouco do mistério a que estamos universal e atavicamente unidos.

Apesar de tudo isso, GTO, como outros seres especiais, consegue com sua energia, consciência e emoção sobrepor-se aos obstáculos que aquela sociedade e cultura lhe impõem levando suas idéias ao alcance da plenitude e do reconhecimento.

Nessa linhagem, encontramos santos, filósofos, idealistas, utopistas, revolucionários, artistas verdadeiros e os sábios. Enfim, aqueles que lançam sua energia ao fogo da vida, alquimizando-a rumo à evolução humana.

A espiral da evolução é irreversível, e ainda que o nosso tempo sugira o contrário, GTO, muitas vezes incompreendido, explorado, rotulado de ingênuo, transmuta-se, cada vez mais, em santo e sábio, conduzindo-nos, indistintamente , a um passo acima.”

Escrevi estas palavras como introdução à uma entrevista que realizei com GTO em 1979, na sua casa em Divinópolis, e que foi publicada na revista Pampulha (de arquitetura, design, arte e meio ambiente) em 1981.

Àquela época GTO já era um artista consagrado e seu trabalho disputado e reconhecido nacionalmente.

Volto a este texto, mais de 30 anos depois, ao visitar a bela e concisa exposição comemorativa  do centenário do seu nascimento, que o Centro de Arte Popular da Cemig, com curadoria de José Alberto Nemer e expografia de Paulo Schmidt, nos apresenta de 16 de outubro a 29 de dezembro de 2013.

A exposição, que reúne um resumo acurado de esculturas selecionadas dentre coleções mineiras, perpassa a obra de GTO mostrando suas formas, seus personagens e imagens do seu repertório agrupados, através do seu particular sentido de composição, e realizados com sua técnica apurada; culmina com a força emblemática que este conjunto de esculturas nos apresenta.

Com sua fisionomia “egípcia” (baixa estatura, rosto marcante, entalhado como seus personagens, olhar penetrante e cabelos longos cortados à altura do maxilar), de descendência mameluca por parte dos avós, trazia, em si, forte dose da miscigenação brasileira.

Pelo seu relato, as suas visões em sonho e o seu pensamento transitavam entre o sagrado e o profano: a ordem espiritual, simbolizada pelo Cristo, pelos representantes da igreja ou ainda pelos “xamãs” e guerreiros índios, buscava a organização de si próprio e dos homens.

Estes homens, quase sempre representados na figura do seu alter ego,( observem como suas figuras têm a sua aparência) e estão numa composição mágica, agrupados em mandalas ou escalonados. em sequência ascendente, como base e pilares da cruz, a suportar o Cristo.

GTO tinha total entendimento de estar engendrado na roda da vida, carmicamente “acorrentado” ao círculo dos homens.

Ao transportar para a madeira as imagens que o assaltavam em sonho buscava , como  ele próprio afirmou em nossa entrevista àquela época, aprisioná-las na forma imutável numa ação mágica que , as dominasse e o assim o libertassem da compulsão da sua presença.

Para realmente compreender seu trabalho e alcançar a profundidade do seu mergulho devemos nos despojar da postura , às vezes até preconceituosa, de aculturados a que nos nomeamos .

“Se o mundo é vário, o universo então, nem se fala!” - ouso sugerir, à maneira de Rosa.

Numa terra de minas e gerais, de minerais, serras, matas e sertões nada melhor para representar tanta complexidade e magia como um artista desse porte.

Finalizo com alguma declarações do próprio GTO sobre a a natureza do seu trabalho:

Ainda sonho. Mas, no princípio, sonhava tanto que ficava mais cansado dormindo do que acordado.”

“Eu sou criador. Isso que eu faço é bobagem, estou aprendendo. Vocês ainda vão ver quando puder fazer o que quero.

*Paulo Laender é arquiteto, escultor e designer.

domingo, 24 de novembro de 2013

ESTUDO

GUIMARÃES ROSA E  O GRANDE SERTÃO
DA SABEDORIA E DO SENSO COMUM SEGUNDO O JAGUNÇO RIOBALDO
por Carlos Sepúlveda

MAS ciúme é mais custoso de se sopitar do que o amor. Coração da gente – escuro, escuros O amor? Pássaro que põe ovos de ferro. Amizade dada é amor. Ah! A flor do amor tem muitos nomes. Ah! Meu senhor! – como se o obedecer do amor não fosse sempre ao contrário. Só se pode viver perto do outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. O amor só mente para dizer maior verdade. Confiança – o senhor sabe – não se tira das coisas feitas ou perfeitas: ela rodeia é o quente da pessoa. Acho que sempre desgostei de criaturas que com pouco e fácil se contentam. Ah! Conselho de amigo só merece por ser leve, feito aragem de tardinha palmeando em lume-dágua. A gente nunca deve de declarar que aceita inteiro o alheio – essa é a regra do rei! A colheita é comum, mas o capinar é sozinho. Um sentir é do sentente, mas o outro é do sentidor. Riobaldo, homem, eu, sem pai, sem mãe, sem apego nenhum, sem pertencências. O jagunço Riobaldo. Fui eu. Fui e não fui. Não fui – porque não sou, não quero ser. Deus esteja. Sempre fui assim, descabido, desamarrado. Um homem, coisa fraca em si, macia mesmo, aos pulos de vida e morte, no meio das duras pedras. Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Deus existe mesmo quando não há. Tudo tem seus mistérios. Deus é uma plantação. Moço! Deus é paciência. O contrário é o diabo. Senhor sabe: Deus é definitivamente; o demo é o contrário dele. A dor não pode mais do que a surpresa. Viver é negócio muito perigoso. Passarinho que se debruça – o vôo já está pronto. Tudo sobrevém. Viver é um descuido prosseguido. O mal ou o bem, estão é em quem faz; não no efeito que dão. O que induz a gente para más ações estranhas, é que a gente está pertinho do que é nosso, por direito, e não sabe, não sabe, não sabe. Deveras se vê que o viver da gente não é tão cerzidinho assim? O que demasia na gente é a força feia do sofrimento, própria, não é a qualidade do sofrente. Comigo, as coisas não têm hoje e ant’ontem, amanhã é sempre. Esta vida é de cabeça – para-baixo, ninguém pode medir suas perdas e colheitas. Pensar mal é fácil, porque esta vida é embrejada. A gente vive, eu acho, é mesmo para se desiludir e desmisturar. A gente – o que vida é – é para se envergonhar. Cansaço faz tristeza, em quem dela carece. O bom da vida é para o cavalo, que vê capim e come. Tudo o que já foi, é o começo do que vai vir, toda hora a gente está num compito. Todo caminho da gente é resvaloso. O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente e coragem. No estado de viver, as coisas vão enriquecidas com muita astúcia: um dia é todo esperança, o seguinte para a desconsolação. Ah, as coisas influentes da vida chegam assim sorrateiras, ladroalmente. A vida é mutirão de todos. Um lugar conhece outro é por calúnias e falsos levantados, as pessoas também, nesta vida. A vida é um vago variado. A vida é muito discordada. Tem partes, tem artes. Tem as neblinas de Siruiz. Tem caras todas do Cão, e as vertentes do viver. Picapau voa é duvidando do ar. Sossego traz desejos. Porque aprender-a-viver é que é o viver, mesmo. Perto de muita água, tudo é feliz. Homem? É coisa que treme. Jagunço não passa de ser homem muito provisório. Natureza da gente não cabe em nenhuma certeza. Ser forte é parar quieto; permanecer. Existe é homem humano. Travessia. Cavalo que ama o dono, até respira do mesmo jeito. Mas mocidade é tarefa para mais tarde se desmentir. O ódio – é a gente se lembrar do que não deve-de; amor é a gente querendo achar o que é da gente. Parente não é o escolhido – é o demarcado. Pobre tem de ter um triste amor à honestidade. De homem que não possui nenhum poder nenhum, dinheiro nenhum, o senhor tenha todo medo. A primeira coisa, que um para ser alto nesta vida tem de aprender, é topar firme as invejas dos outros restantes… Que comandar é só assim: ficar quieto e ter mais coragem. Um chefe carece de saber é aquilo que ele não pergunta. Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia. Do que o que: o real roda e põe adiante. Rir, antes da hora, engasga. Sujeito muito lógico, o senhor sabe: cega qualquer nó. Quem desconfia, fica sábio. Pessoa limpa, pensa limpo. Eu acho. Mestre não é quem sempre ensina, mas quem – de repente – aprende. A gente só sabe bem aquilo que não entende. Esquecer, para mim, é quase igual a perder dinheiro. Sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar. Viver é muito perigoso.Sertão é onde o homem tem de ter a dura nuca e mão quadrada. Sertão é o sozinho. Sertão é dentro da gente. Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera; digo. Mas o sertão era para, aos poucos e poucos, se ir obedecendo a ele; não era para à força se compor. O sertão é uma espera enorme. Moço: toda saudade é uma espécie de velhice. Ficar calado é que é falar nos morto.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

INTERNETEXTO

CUBA LIBRE

TEXTOS cinematográficos de NOILTON NUNES
sobre o seu filme feito com Silvio Tendler o
grande documentarista brasileiro.

De 25 a 29 de novembro, no Arquivo Nacional (Praça da República, 173, Centro)Paraíso tropical, cidade partida, berço do samba, capital da bossa nova. São tantas as designações que se poderia achar que estamos falando de vários lugares do Brasil. Mas trata-se de um só: o Rio de Janeiro. Polo de cinema, cultura, esportes e turismo e um dos principais centros econômicos do país, o Rio de Janeiro foi escolhido como tema do REcine 2013 – 12º Festival Internacional de Cinema de Arquivo, que acontece em novembro, no Arquivo Nacional, com entrada franca, e terá como atrações as mostras informativa e competitiva de filmes, debates, oficinas e a Revista REcine nº 10.O marco inicial do cinema brasileiro está fincado na cidade do Rio de Janeiro, graças à câmera do italiano Alfonso Segreto, que se deslumbrou filmando paisagens, acontecimentos políticos e eventos sociais na virada do século XX. A primeira exibição de filme no país aconteceu na Rua do Ouvidor, em julho de 1896. Nomes importantes para o desenvolvimento do cinema nacional fizeram do Rio sua base de operações, como os empresários Pascoal Segreto, Francisco Serrador e Adhemar Gonzaga, o fundador da Cinédia.O ingresso do país na modernidade se manifestava na construção de salas de cinema e teatros, em meio às reformas “civilizadoras” pelas quais o Rio de Janeiro passava.Foi também em terras cariocas que o movimento do Cinema Novo se desenvolveu e partiu para ganhar o mundo. O cenário para diversos filmes estrangeiros, que idealizavam ainda mais a cidade maravilhosa com romance e aventura, também nos mostrou, em preto & branco e em cores, as desigualdades e os problemas desta nação brasileira.Um Rio inspirado de amores, tragédias, política, o Rio de Machado de Assis, Nelson Pereira dos Santos, David Neves, Cacá Diegues, Nelson Rodrigues, de várias histórias e personagens e múltiplas imagens. É essa riqueza de tons e encantos que o REcine vai apresentar, em filmes que tenham a cidade no roteiro, documentários, cinejornais e raridades cuja temática gire em torno do cotidiano e de fatos ocorridos em solo carioca. Nada como um cineminha depois da praia!O REcine vem se destacando nos últimos anos por trazer ao grande público a discussão sobre a preservação do patrimônio audiovisual brasileiro. Além das mesas de debates, compostas por especialistas em conservação de acervos audiovisuais, o festival promove também oficinas gratuitas de vídeo e preservação.

Só hoje, feriado, dia da Consciência Negra, consigo parar e escrever sobre o que aconteceu em Fortaleza no I Festival Internacional de Biografias.
Vou começar relatando o momento de maior emoção que eu vivi lá.
Terminada a exibição do filme sobre Silvio Tendler, no debate com o público, notei na platéia a presença de um senhor bem mais idoso do que eu, numa cadeira de rodas. Estava ele junto de uma senhora com feições comparáveis as das santas de pinturas renascentistas. Então comentei o fato de que nos ultimos meses pude constatar durante o processo de gravações, edições e viagens para o filme A Arte do Renascimento, as dificuldades de locomoção para se exercer o direito de ir e vir e as necessidades permanentes de apoios aos portadores de alguma deficiência física, como é o caso  do meu amigo Silvio, atualmente cadeirante.
Aproximei-me do senhor e com o microfone nas mãos perguntei o que tinha feito ele sair de casa para vir ver nosso filme.
A senhora, mulher dele, santamente antecipou-se e respondeu emocionada:
Há mais de um ano que ele não saia de casa. Muito obrigado!
Fiquei arrepiado e o senhor completou:
- Um amigo me disse que no filme tem o Brizola cantando o Hino da Independência, o Darcy Ribeiro discursando no entêrro do Glauber Rocha...
Eu pedi a minha mulher para me trazer... Minha mulher é uma Santa!
A cena foi fartamente documentada e peço aos meus amigos da organização do Festival para me enviar algumas fotos e o se possível com o nome daquele senhor e daquela Santa. Bem, o Festival foi nota 1000.
Vou soltar aqui algumas frases que ficaram rodopiando pela minha cabeça. Nem todas foram ditas durante os debates oficiais. A maioria só apareceu depois de muito vinho, cerveja e farta alimentação nos muitos almoços e jantares com os ventos soprando as velas do Mucuripe ao longe. É proibido Proibir! Biografias livres, leves e soltas são liberdades de expresões garantidas pela Constituição. O Gil no Pânico na Tv ficou mudo, calado, precisando de 300 mil por mês para sustentar seu império. Obama depois que deixar a presidência dos states vai virar biógrafo da Dilma, da Merkel... O Roberto Carlos deve estar tão pobre que não pode ver um navio passando. Embarca logo para cantar e passar o chapéu... Dizem que ele tem uma amante aqui em Fortaleza. Dizem que é uma camareira que trabalha num famoso hotel. Lá vinha a Paula. Dja já foi... E o Chico? Esqueceu? Nossos ídolos, os criadores das melhores trilhas sonoras das nossas vidas estão manchando suas biografias na reta final... Tudo! Isso regado a belos filmes e espetáculos musicais, Macalé, Mautner... Mas, o melhor de todos os shows foi o do biógrafo censurado Paulo Cesar. Ele cantou dezenas de sucessos da nossa musica popular, especialmente os do Rei, acompanhado pelo coro dos seletos privilegiados convidados.Viva Fortaleza, Viva o Ceará.

UM ABSURDO CONTRA O CINEMA BRASILEIRO


From: Sylvia.Naves@cultura.gov.br
To: noiltonunes@hotmail.com
Subject: PASSAGEM PARA CUBA

Prezado Noilton Nunes

O Secretário Mário Borgneth agradece os bons votos transmitidos relativos à sua gestão frente a esta Pasta.
Com relação ao seu pedido de apoio para o senhor e Silvio Tendler participarem do Festival  de Havana sinto comunicar que desde 2009 a SAv não tem mais esta linha de apoio. As passagens para países estrangeiros
são emitidas a partir de uma seleção dos postulantes até final de agosto de cada ano. Em 2013 encerramos o programa em 30 de agosto.
Mesmo assim consultamos nossos parceiros :  o Itamaraty, a ANCINE e o Departamento de Relações Internacionais sem sucesso.
Cordialmente
Sylvia Bahiense Naves
Chefe de Gabinete
Secretaria do Audiovisual - MinC

Sylvia, que tristeza, que atraso... desde 2009 a SAV não tem mais essa linha de apoio???
Se um Festival como o de Cuba seleciona um filme em novembro, claro que no final de agosto, o cineasta não poderia pleitear nada...
Se o programa foi encerrado em 2013 fica a pergunta:
O cineasta selecionado vai para Cuba a pé ou nadando?
Que Ministério da Cultura é esse? Que SAV é essa?
Vou me manifestar nas ruas contra essa cegueira audiovisualesca nacional.
VOU PEDIR PARA A PRESIDENTA DILMA CORRIGIR ESSA FALTA DE VISÃO, JÁ!
 Noilton Nunes <noiltonunes@hotmail.com>

domingo, 17 de novembro de 2013

DOCUMENTÁRIO DE CINEMA

Esta reportagem dá um filme que um jovem cineasta pode e deve fazer – Está aí à ideia de um documentário que recebi de um velho amigo que hoje vive em Rondônia.
LCP (Liga dos Camponeses Pobres)
 Baldelaire advertia quer a maior esperteza do diabo é convencer a todos de que ele não existe.




A notícia sobre troca de tiros entre policiais federais e milicianos fortemente armados da Liga dos Camponeses Pobres –nome fantasia do grupo guerrilheiro há anos instalado na região  de Buritis foi novamente negada hoje pela manhã pelo tenente coronel Ênedy Dias de Araújo, comandante do 7º BPM. Na verdade, houve o tiroteio, envolvendo um comboio da Polícia Federal,Polícia Militar, Ibama e Força Nacional de Segurança, que foi atacado quando retornava de uma operação de retirada de invasores da Floresta Nacional de Bom Futuro em Rio Pardo, distrito de Buritis.
Várias prisões foram efetuadas, mas o comboio foi emboscado quando deixava o local. Uma ponte foi incendiada e todo o grupo foi cercado pela milícia em uma intensa troca de tiros. Os policiais, cerca de 40 homens, foram obrigados a sair à pé e acabaram cercados pelo grupo armado. Eles permanecem no local à espera de reforços. O enfrentamento evidencia a disposição do movimento de reagir violentamente contra a tentativa de desocupação na área onde está instalada a LCP. Os guerrilheiros, que sempre fugiam para o mato, parecem dispostos a finalmente mostrar sua força e partir para uma situação de confronto.
Perto de completar seis anos, a reportagem publicada pela revista Isto É na edição de  02/03/2008 só não permanece atualizada porque a situação agravou-se enormemente no período. As autoridades desviam o olhar para não enfrentar a realidade. O Incra, segundo os próprios funcionários, continua fornecendo cestas básicaspara os guerrilheiros, enquanto a maioria está cadastrada no bolsa família, apesar dos lucros auferidos com a venda das terras de pequenos sitiantes e posseiros “expropriadas” para a chamada “reforma agrária na marra”.
Os moradores são expulsos de suas terras sob ameaça de morte, mas não conseguem se livrar do medo. Os guerrilheiros ameaçam caçá-los aonde quer que estejam caso procurem a Polícia. Saem quase somente com aroupa do corpo e alguns pequenos pertences das terras nas quais trabalharam por décadas. Fogem sem nem mesmo poderem desabafar com alguém, pois mesmo algum vizinho ou parente que escute sua história acaba arriscando a vida. A lei do silêncio impera na região. As autoridades fingem desconhecer, os políticos mudam de assunto por medo de perder votos na área e as vítimas se calam, depois da citação pelos bandidos da relação de amigos, parentes e conhecidos por eles assassinados.
A Igreja, pela voz da Pastoral da Terra, jura por Deus que isso não existe.  Charles Baudelaire já dizia que “O truque mais esperto do diabo é convencer-nos que ele não existe”. A guerrilha, por enquanto, está conseguindo isso no estado. Leia a reportagem publicada pela Isto É:
Isto É - março de 2008  Jornalistas entram na base da Liga dos Camponeses Pobres, um grupo armado com 20 acampamentos em três Estados, que tem nove vezes mais combatentes que o PCdoB na Guerrilha do Araguaia e cujas ações resultaram na morte de 22 pessoas no ano passado
O barulho de dois tiros de revólver quebrou o silêncio da noite na pacata comunidade rural de Jacilândia, distante 38 quilômetros da cidade de Buritis, Estado de Rondônia. Passava pouco das 22 horas do dia 22 de fevereiro quando três homens encapuzados bloquearam a estrada de terra que liga o lugarejo ao município e friamente executaram à queima-roupa o agricultor Paulo Roberto Garcia. Aos 28 anos, ele tombou com os disparos de revólver calibre 38 na nuca. Dez horas depois do crime, o corpo de Garcia ainda permanecia no local, estirado nos braços de sua mãe, Maria Tereza de Jesus, à espera da polícia. Era o caçula de seus três filhos. Um mês depois do assassinato, o delegado da Polícia Civil de Rondônia que investiga o caso, Iramar Gonçalves, concluiu: "Ele foi assassinado pelos guerrilheiros da LCP."
A sigla a que o delegado se refere, com estranha naturalidade, quer dizer Liga dos Camponeses Pobres, uma organização radical de extrema esquerda que adotou a luta armada como estratégia para chegar ao poder no País através da "violência revolucionária". Paulo Roberto foi a mais recente vítima da LCP, que, sob a omissão das autoridades federais e o silêncio do resto do Brasil, se instalou há oito anos na região e, a cada hora, se mostra mais violenta. Apenas em 2007, as operações do grupo produziram 22 vítimas - 18 camponeses ou fazendeiros e quatro guerrilheiros. Amplamente conhecidos em Rondônia, os integrantes da LCP controlam hoje 500 mil hectares.
Estão repartidos em 13 bases que se estendem de Jaru, no centro do Estado, às cercanias da capital Porto Velho, se alongando até a fronteira com a Bolívia, região onde eles acabaram de abrir uma estrada. O propósito dos guerrilheiros seria usá-la como rota de fuga, mas, enquanto não são incomodados nem pela Polícia Federal nem pelo Exército, a trilha clandestina está sendo chamada de transcocaineira - por ela, segundo a polícia local, passam drogas, contrabando e as armas da guerrilha. 
A nenhuma dessas colônias o poder público tem acesso. Sob o manto da "revolução agrária", a LCP empunha as bandeiras do combate à burguesia, ao imperialismo e ao latifúndio, enquanto seus militantes assaltam, torturam, matam e aterrorizam cidades e zonas rurais nessas profundezas do Brasil. Encapuzados, armados com metralhadoras, pistolas, granadas e fuzis AR-15, FAL e AK-47 de uso exclusivo das Forças Armadas, eles já somam quase nove vezes mais combatentes que os 60 militantes do PCdoB que se embrenharam na Floresta Amazônica no início dos anos 70 na lendária Guerrilha do Araguaia. "A Colômbia é aqui", diz o delegado Gonçalves, numa referência às Farc. 
NO CORAÇÃO DA GUERRILHA 
 A reportagem de ISTOÉ entrou nessa área proibida. No distrito de Jacinópolis, a 450 quilômetros de Porto Velho, bate o coração da guerrilha. Segundo o serviço secreto da Polícia Militar de Rondônia, é ali que está o campo de treinamento. "Nem com 50 homens armados eu tenho coragem de entrar na invasão deles", admite o delegado. Caminhar pelas hostis estradas enlameadas é como pisar em solo minado. A todo momento e com qualquer pessoa que se converse, o medo de uma emboscada é constante.
Os militantes adotam as táticas de bloqueio de estradas e seqüestro das pessoas que trafegam pela área sem um salvo-conduto verbal liberado pela LCP. "É a forma de combater as forças inimigas", escreveram eles num dos panfletos que distribuíram na região. "Esses bandoleiros foram muito bem treinados pelos guerrilheiros das Farc", revela o major Enedy Dias de Araújo, ex-comandante da Polícia Militar de Jaru, cidade onde fica a sede da Liga.
Para se chegar à chamada "revolução agrária", dizem os documentos da LCP aos quais ISTOÉ teve acesso, a principal ação do grupo é pôr em prática a chamada "violência revolucionária". E, para os habitantes locais, essa tem sido uma violência fria e vingativa. No caso da sua mais recente vítima, o que a LCP fez foi uma execução sumária, após um julgamento interno suscitado pela desconfiança sobre o real propósito da presença de Paulo Roberto Garcia na região. "Eles acreditam que o rapaz era um agente infiltrado como agricultor e não tiveram dúvida em matálo", disse o delegado. Dos 22 mortos de 2007, quatro eram fazendeiros e 14 eram funcionários das fazendas, que a liga camponesa classifica como paramilitares. Na parte dos guerrilheiros, quatro foram enterrados - assassinados em circunstâncias distintas por jagunços das fazendas da região.
Além de matar, a LCP é acusada pela polícia de incendiar casas, queimar máquinas e equipamentos e devastar a Floresta Amazônica. Os moradores da comunidade onde vivia Garcia não sabem o que é luta de classe, partido revolucionário e muito menos socialismo. Mas eles sabem muito bem que, desde a chegada da LCP naquelas bandas, a morte matada está vencendo a morte morrida.                         Só quem consegue transitar livremente no território da guerrilha são os caminhões dos madeireiros clandestinos, que pagam um pedágio de R$ 2 mil por dia à LCP para rodar nas estradas de terras controladas pela milícia. Em troca do pedágio, os guerrilheiros dão segurança armada aos madeireiros para que eles possam roubar árvores em propriedades privadas, áreas de conservação e terras indígenas. São terras que a LCP diz ter "tomado" - e o verbo tomar, no lugar de "invadir" ou "ocupar", como prefere o MST, não é mera semântica, mas uma revelação do caráter belicoso do grupo. "A falha é do Exército brasileiro, que deixa esses terroristas ocuparem nossa área de fronteira", acusa o major Josenildo Jacinto do Nascimento. Comandante do Batalhão de Polícia Militar Ambiental, Nascimento sente na pele o poder e a arrogância desse bando armado.
No ano passado, eles derrubaram uma base militar da Polícia Ambiental dentro de uma unidade de conservação e sequestraram seus soldados. "A tática utilizada pela LCP para as emboscadas é certeira", admite um dos militares, mantido preso por sete horas. "Como são estradas de terras, no meio da floresta, eles derrubam árvores, que fecham o caminho. Quando as pessoas descem do carro para retirar a tora, são rendidas", diz E. S., militar da Polícia Ambiental, que recorre ao anonimato para se proteger. "Essa guerra é um câncer que está se espalhando pelo Estado", alerta Nascimento.
Assim como consta nos panfletos da Liga, os guerrilheiros postam homens em bases nos morros com binóculos e rojão para anunciar a "invasão" de sua área por "forças inimigas". Depois de sermos monitorados de perto por grupos de motoqueiros, durante os 38 quilômetros que levamos uma hora e meia para percorrer no território dominado pela LCP, ouvimos uma saraivada de rojões anunciando nossa presença. Estávamos próximos a uma base. O alerta serve também para que os homens armados se infiltrem na mata ocupando as barricadas montadas com grandes árvores nas cercanias dos acampamentos.
"O fato é que não dá para observá-los, mas estamos sob sua mira", adverte o militar da Polícia Ambiental que nos acompanha. Na verdade, a PM Ambiental é a única força do Estado cuja presença ainda é tolerada pela guerrilha. A explicação é simples: com apenas oito agentes para cuidar de quase 900 mil hectares naquela região, eles não representam ameaça ao grupo. Antes, serão presas fáceis se assim os militantes o desejarem.
Logo que o barulho dos rojões reverbera na imensidão da selva, as mulheres e crianças vestem seus capuzes e assumem a linha de frente. Quando se chega ao topo de um morro, depois de passar por uma barricada construída com o tronco de uma imensa árvore com a inscrição da Liga, avista-se uma bandeira vermelha tremular na franja de um acampamento de casas com cobertura de palha. Pouco tempo depois, outra barricada e chega-se a uma parada obrigatória. Do outro lado da porteira, transcorreu o seguinte diálogo com uma trupe maltrapilha, encapuzada e arredia.
- O que vocês vieram fazer aqui? - disse um nervoso interlocutor mascarado.
- Somos jornalistas e queremos saber o que vocês têm a dizer sobre a reforma agrária e a Liga dos Camponeses Pobres.
- Podem ir embora, não temos nada a dizer. Vocês só atrapalham.
- Quantas famílias estão nesta invasão?
- 300.
- Podemos falar com o líder de vocês?
- Aqui não existe líder, todos nós somos iguais.
- Por que vocês ficam mascarados?
- A máscara é nossa identidade.
- Vocês acreditam que podem fazer uma revolução?
- Não temos que dar satisfações à imprensa burguesa.
- De quem vocês recebem apoio?
- Não interessa.
- Podemos entrar no acampamento?
- De forma alguma. Vão embora daqui!
Com colete à prova de balas sob a camisa, saímos da porteira do acampamento por uma questão de segurança e voltamos a percorrer de carro, numa estrada precária, mais uma hora e meia até o primeiro ponto de pedágio da LCP. "No ano passado, fomos presos por eles, éramos oito militares e eles tinham mais de 50 homens armados com metralhadoras", conta o sargento da tropa. "Não tem jeito, para resolver o problema com esse bando só com uma ação conjunta do Exército, da Polícia Federal e das forças do Estado."
 Ao voltar da área dominada pela LCP, fica claro, nas reservadas conversas com alguns poucos moradores dispostos a contar algo, que o terror disseminado pela guerrilha se mede pelo silêncio dos camponeses. Os revoltosos controlam a vida das pessoas, além de investigar quem é quem na região. Quem não "colabora" com eles - fornecendo dinheiro, gado ou parte da produção - vira alvo de ataques covardes. Histórias de funcionários das fazendas da região que foram colocados nus sobre formigueiros ou que apanharam até abandonar o local estão muito presentes na memória dos moradores. As torturas praticadas pelos bandoleiros contra trabalhadores rurais dificultam até contratação de mão-de-obra na região.
"Ninguém quer trabalhar mais na minha fazenda", admite Sebastião Conte, proprietário de 30 mil hectares de terra. Ele teve parte de sua terra "tomada" há dois anos pela LCP, a sede da fazenda foi queimada, assim como seus tratores, alojamentos e área do manejo florestal. O fazendeiro, acusado pela Liga de ser um latifundiário, é prova de que o terror da guerrilha é igual para todos. Segundo ele, nos últimos dois anos, teve que enterrar três de seus funcionários. "Todos eles assassinados barbaramente", diz Conte. "Estou pedindo socorro. Não sei mais a quem recorrer."
Longe de lá, na cidade de Cujubim, os trabalhadores rurais empregados das fazendas não dispensam o porte de armas. "Aqui ou você anda armado ou está morto", diz M.L. O capataz da fazenda e seu filho já perderam a conta de quantas vezes trocaram chumbo com os mascarados que tentam invadir a fazenda. Tratados como paramilitares, os funcionários das fazendas são, depois dos fazendeiros, os alvos prediletos dos ataques da Liga. Nelson Elbrio, gerente da Fazenda Mutum, teve o azar de cair nas mãos da "organização". Ele foi rendido exatamente como os militares da Polícia Ambiental e ficou preso sob a mira de uma arma por seis horas.
"Assim que eu fiz a curva na estrada dei de cara com uns 15 homens encapuzados e fortemente armados. Eles me tiraram do carro e a partir daí vivi um inferno", conta Elbrio. "Eles queriam que eu revelasse os segredos da fazenda: quantas pessoas trabalhavam lá, depósito de combustível, se tinha seguranças armados." O sofrimento do funcionário se estendeu até o final da tarde, quando o grupo o arrastou até a sede da fazenda, dando tiros de escopeta próximos a seu ouvido. Em seguida, o obrigaram a assisti-los incendiando a propriedade e os tratores. "Nunca mais dormi bem", diz Elbrio.
Com a morte à espreita, o medo transformou distritos inteiros em zonas despovoadas - verdadeiras vilas fantasmas - e criou uma massa de gente refugiada de sua própria terra, expulsa pela guerrilha. Em Jacilândia, das 25 casas de madeira da única rua do distrito, só oito estão habitadas. Até a igreja fechou suas portas. "O povo foi embora com medo dos guerrilheiros", conta um dos moradores, um ancião que só admite a entrevista sob o anonimato. "Aqui não podemos falar nada. Para ficar de pé tem que se aprender a viver", diz o velho agricultor. O silêncio e o abandono das terras são a mais dura tradução desse novo modo de viver. Maria, a mãe do agricultor assassinado, não esperou a missa de sétimo dia do caçula. Deixou para trás os 100 hectares, onde tinha 100 cabeças de gado e a casa recém-construída. Partiu para um lugar ignorado, sob a proteção de outro filho.
Naquele pedaço de terra, os poucos que, apesar de tudo, permanecem na área não têm rostos ou nomes. Quando interrogados pela polícia na apuração dos crimes, eles se tornam também cegos e surdos. "Não existe testemunha de nada", reclama o delegado Gonçalves. A razão das infrutíferas apurações policiais é que os insurgentes presos são facilmente liberados pela Justiça. "Como eles usam a tática guerrilheira do uso de máscaras em suas ações, nós ficamos de mãos atadas para puni-los. Nunca se sabe quem de fato matou", queixa-se o delegado.
As únicas lideranças da LCP a enfrentar a prisão por causa de assassinatos foram Wenderson Francisco dos Santos (Russo) e Edilberto Resende da Silva (Caco), que se encontra foragido. Os dois foram acusados de participar do assassinato do trabalhador rural Antônio Martins, em 2003. Russo foi absolvido em primeira instância e os promotores recorreram da decisão ao Tribunal de Justiça.
Essa tensão é o pano de fundo de uma guerra psicológica que os ideólogos da organização avaliam como a ideal para que a área seja abandonada pelos fazendeiros. "A melhor forma de desocupar a área é destruindo o latifúndio", nos disse um dos mascarados, chamado de Luiz por um colega. Na lógica da LCP, os fazendeiros têm que tomar prejuízo sempre, senão eles não abandonam a terra. À frente de 300 famílias da invasão da Fazenda Catanio, uma propriedade de 25 mil hectares, o guerrilheiro Luiz defende o confisco do gado para matar a fome dos invasores e considera que a "tomada" de terra é a forma legal de fazer uma "revolução agrária". "Se esperarmos a Justiça, ficaremos anos plantados aqui", diz ele.
A audácia dos militantes da LCP é tanta que no ano passado mais de 200 deles marcharam encapuzados pelas ruas do município de Buritis, a 450 quilômetros de Porto Velho, até parar na porta da delegacia, onde exigiram a saída do delegado Gonçalves da comarca. Motivo: ele tinha prendido um dos líderes da facção guerrilheira. Não satisfeitos, os bandoleiros bateram às portas do Ministério Público e da Justiça exigindo que os titulares dos órgãos também se afastassem.
O fato foi reportado ao Ministério da Justiça, ao presidente Lula e ao governo estadual. Até agora, não houve nenhuma resposta. "Ninguém leva a sério nossas denúncias. Eles pensam que estamos brincando, que a denúncia de guerrilha é um delírio", indigna-se o delegado Gonçalves. "Isso vai acabar numa tragédia de proporções alarmantes, e aí sim vão aparecer os defensores dos direitos humanos", critica ele. É exatamente nessa desconsideração das denúncias de promotores, juízes e militares que a Liga ganha força e cresce impunemente.
Tão trágica quanto o terror que esse grupo armado impõe às comunidades rurais é o fato de os governos estadual e federal saberem da existência desse bando armado - e não fazerem nada. Segundo o Dossiê LCP, um relatório confidencial da polícia de Rondônia, com 120 páginas, encaminhado em dezembro passado à Agência Brasileira de Inteligência (Abin), ao Exército e ao Ministério da Reforma Agrária, o grupo armado, além de cometer todo tipo de barbaridade, é financiado por madeireiros ilegais.
Conforme o documento, a LCP controla uma área estimada em 500 mil hectares, onde doutrina mais de quatro mil famílias de camponeses pobres espalhadas por mais de 20 assentamentos da reforma agrária distribuídos pelos Estados de Minas Gerais, Pará e Rondônia. "Eles estão na contramão do que é contemporâneo. Mas, de fato, formaram um Estado paralelo", entende Oswaldo Firmo, juiz de direito da Vara especializada em Conflito Agrário do Estado de Minas Gerais.
 Documentos em poder de ISTOÉ comprovam que as autoridades federais têm feito ouvidos de mercador para o problema. No dia 11 de janeiro de 2008, o ouvidor agrário do governo federal, desembargador Gercino José da Silva Filho, acusou o recebimento das denúncias encaminhadas a ele sobre as ilegalidades cometidas por integrantes da Liga dos Camponeses Pobres. Mais uma vez, nada foi feito. "Eles dizem que sabem de tudo, mas cadê a ação?", questiona o major Nascimento, comandante da Polícia Militar Ambiental de Rondônia.
"Essa situação aqui só será resolvida em conjunto com outras forças militares", admite o major. Foi o que aconteceu no Estado do Pará, em novembro passado, na chamada Operação Paz no Campo, quando uma ação envolvendo o Exército, as polícias civil e militar e a Polícia Federal desocuparam um acampamento da LCP na Fazenda Fourkilha, no sul do Estado. Com dois helicópteros, 200 homens e 40 viaturas, a força-tarefa cercou o local, prendeu cerca de 150 militantes e recolheu um verdadeiro arsenal de guerra. "Precisamos da mão forte do Estado. Aqui somos tratados como cidadãos marginais".

FOTOS BERLIM 87


 


 

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

EIS AQUI A NOVIDADE NA POLÍTICA SUL AMERICANA














"A tese central que sustento é que, no fundo, a crise ambiental é uma consequência, não uma causa. Que, na verdade, os problemas que temos no mundo atual são de caráter político. E isso se manifesta nessa tendência de destroçar a natureza.

E por que político? É político e é sociológico porque remontamos a uma cultura que está baseada na acumulação permanente e em uma civilização que propende ao “usa e descarta”, porque o eixo fundamental dessa civilização é apropriar-se do tempo da vida das pessoas para transformá-lo em uma acumulação. Então, é um problema político. O problema do meio ambiente é consequência do outro. Quando dizemos que “para viver como um americano médio, são necessários três planetas” é porque partimos de que esse americano médio desperdiça, joga fora e está submetido a um abuso de consumo de coisas da natureza que não são imprescindíveis para viver.

Portanto, quando digo político, me refiro à luta por uma cultura nova. Isso significa cultivar a sobriedade no viver, cultivar a durabilidade das cosas, a utilidade, a conservação, a recuperação, a reciclagem, mas fundamentalmente viver aliviado de bagagens. Não sujeitar a vida a um consumo desenfreado, permanente. E não é uma apologia à pobreza, é uma apologia à liberdade, ter tempo para viver e não perder o tempo em acumular coisas inúteis. O problema é que não se pode conceber uma sociedade melhor se ela não se supera culturalmente."
[Pepe Mujica - Presidente Uruguai]

Renacer de um velho documentário


PROJETO NUNES PEREIRA E A CASA DAS MINAS

(Brasil o continente indecifrável das terras ocultas)


UM POUCO DE HISTÓRIA

Conheci o escritor, etnógrafo e antropólogo, Nunes Pereira, em 1975, logo após terminar as filmagens do meu primeiro filme. Fui até a sua casa que ficava no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Ele estava com 83 anos (1892). Cheguei até ele durante uma pesquisa que eu e meu amigo, o poeta Rolando Monteiro, fazíamos sobre os índios maués. Ficamos amigos fraternais deste sábio mestiço nestes seus últimos dez anos de vida. Ele freqüentava a minha casa no Alto da Boa Vista e eu a sua. Conversávamos sempre sobre o Brasil e sua gente. O índio, o negro e o branco: “as três raças tristes”, como ele gostava de dizer. Nunes tinha uma cultura geral extraordinária e víamos nele o intelectual experimentado que estávamos precisando para escrever um roteiro sobre o Brasil profundo que ele gostava de chamar de “o continente indecifrável das terras ocultas”. Seria um filme sobre todas as origens do homem brasileiro. Ele adorava a idéia, principalmente pelo tempero mágico que eu insistia em colocar nesta sopa antropológica. Com uma didática irrepreensível, ele me falava, lembro-me bem, com muita intimidade, de Roger Bastide e Claude Lévi-Strauss, enquanto me passava seus conhecimentos. Nunes possuía na sua lúcida memória as mais fantásticas histórias sobre seu amigo alemão Curt Nimuendajú. Tinha um humor sarcástico e contava-me, as gargalhada, quando o confundiam com o músico Nelson Cavaquinho. Tudo que ele sabia que me interessava vinha em doses homeopáticas como se ele quisesse prolongar os nossos encontros. Um dia depois de ter me presenteado com os dois volumes e uma bela dedicatória no seu livro Moronguetá - um decameron indígena, conjunto monumental de pesquisas, prefaciado pelo grande poeta Thiago de Mello, retirou um livro que estava escondido na sua vasta biblioteca com o título de A Casa das Minas e me disse: “leia Sette, aqui está o começo da história oculta do Brasil! Aqui eu nasci, aqui eu cresci, vamos começar por aqui”. Li o livro e, em 1976, rodamos a primeira parte do filme, guiado pelo velho morubixaba, num terreiro Mina Jeje do Rio de Janeiro, só depois é que filmamos a segunda parte na cidade de São Luiz no Maranhão. Todas as filmagens aconteceram em 1976 e só quando fomos exibir o filme na posse de Nunes Pereira na Academia Maranhense de Letras é que rodamos a segunda parte na Rua São Pantaleão. De volta ao Rio terminamos a edição do filme e fizemos uma grande exibição em 1978 no MAM (Museu de Arte Moderna) do Rio com a presença de Nunes Pereira e do meu ilustre amigo mineiro José Aparecido de Oliveira, que fez, com sua brilhante oratória, um belo discurso de apresentação e de defesa do grande antropólogo maranhense. Os dois filmes ainda tiveram projeções internacionais.. O grande projeto do redescobrimento não foi em frente e em 1985, pouco tempo após ser homenageado no meu premiado filme sobre o poeta modernista francês Blaise Cendrars “Um Filme 100% Brazileiro”, ele veio a falecer.

O tempo passa, já faz 37 anos que tudo isso aconteceu. Sinto-me hoje no dever de reviver a figura deste maranhense notável que foi o meu amigo Nunes Pereira, restaurando os dois filmes sobre “A Casa das Minas”; copiando suas aparições em outros filmes (Júlio Bressane; Paulo Veríssimo, arquivos, etc.) e filmando, fazendo novas entrevistas, dialogando com quem o conheceu ou tenha conhecimento sobre a história da cultura negra Mina Jeje no Brasil.

A segunda edição do livro, A Casa das Minas: contribuição ao estudo das sobrevivências do culto dos vodus, do panteão daomeano, no estado do Maranhão. Brasil. 2 ed. Petrópolis, Vozes, 1979.  Esta nova edição foi providenciada pelo escritor com o apoio do ex-presidente José Sarney.

Tendo passado mais de meio século de sua vida nonagenária e ainda movimentada nas atividades de pesquisador etnológico, se aproximado de grandes vultos da ciência e da literatura em nosso país e no exterior, amigo de poetas e políticos que viam Nunes Pereira com sua cabeleira branca e a máscara de velho morubixaba e perguntavam: por que ele teria saído de seus habituais cuidados para com o homem tribal amazônico e a ecologia da hiléia para tratar dos remanescentes culturais dos daomeanos na Atenas Brasileira? A resposta vinha do menino ainda, muito antes de ser o grande etnógrafo indianista em que se transformou. É que ele foi entregue por sua mãe, D. Felicidade, a proteção do Vodum Badé, com suas contas azuis, na casa matriarcal das minas, e, acolá, durante muito tempo, verificou a ritualística jeje, motivo da obra, a primeira a realmente tratar dos resquícios da cultura de africanos naquela parte do Brasil.

Quem sabe se, o velho andarilho que é, voltará um dia até o Maranhão, à sua boa terra, mesmo de passagem, para o abraço nos amigos e comer aquela moqueca de que tanto gosta, na praia, preparada enquanto recita de cor Dante em voz alta, sentindo-se no paraíso, alegre com o relançamento local dessa nova edição do seu filme Nunes Pereira e A Casa das Minas.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Notícias do Documentário sobre o nosso maior documentarista...

 EL ARTE DEL RENACIMIENTO
O METEÓRICO LANÇAMENTO DE UM FILME RUMO AS TELAS 2013

17 de Setembro 
Primeira exibição: Selecionado para o 46* FESTIVAL DE CINEMA DE BRASÍLIA
Brasília aplaude de pé filme sobre Silvio Tendler

17 de novembro
Filme convidado para o encerramento do I Festival Internacional de Biografias
Fortaleza - Ceará

29 de novembro
Filme convidado para o encerramento do RECINE - Festival Internacional de Filmes de Arquivo
Rio de Janeiro

5 a 15 de dezembro
Filme seleciobado para o Festival Internaional del Nuevo Cinelatinoamericano em Havana Cuba EL ARTE DEL RENACIMIENTO - Una cinegrafía de Silvio Tendler - Un film de Noilton Nunes -
Una película de utilidad pública realizada gracias a las asociaciones solidaridarias:
"Una acción entre los amigos de Silvio Tendler"
Un documento sobre la amistad. La amistad entre dos cineastas que no se dan por vencidos.
En 2011, Silvio Tendler, uno de los documentalistas más importantes de nuestro tiempo, sufrió una grave enfermedad que le dejó tetrapléjico.
Después de una delicada operación espinal, le fue recuperando
pacientemente su fuerza, su voluntad de vivir y de crear.
Le film lo acompaña desde sus primeros pasos con la unidad de "caminante", el paseo marítimo de Copacabana y luego le seguirá en su silla de ruedas motorizada, documentando de lo que le cuenta de su vida y de su obra.
Silvio,un cineasta que creció acorralado entre los dioses del Cinema Novo y los demonios de la dictadura militar, nos ofrece un hermoso ejemplo de perseverancia, de humanismo que sabe lo que vale la existencia.Y nos recuerda también lo que significa UTOPÍA.
      
Enviada por: Noilton Nunes <
noiltonunes@hotmail.com>

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

UM CONTO DE REIS


DIANTE DA BIFURCAÇÃO FINALMENTE VOLTEI A MIM
 Fábio Carvalho

Entre mil você, era o nome da música do Jacob do Bandolim que nunca tinha ouvido, antes daquela Segunda sem lei no chorinho do Bar do Salomão. Maravilhosa música. Ela ainda estava com os cabelos soltos lavados e cheirosos. Vamos transformar o que eu digo, voltei sem saber do por que ao plural. Viajo Cinema. 
Vi a tarde cair no beiral, rapidamente ela se acabou, abrindo espaço para a lua da noite âmbar e fotográfica. Não resisto em falar da tua sombra a se multiplicar. Gostaria de saber e poder escrever o que essa música me diz. Sem Letra, apenas desenhando. O Milton Banana cantando Tom parece o Saraceni falando. Se ao invés de só minha sombra nesta estrada, eu visse ao longo desta estrada outra sombra a me seguir. A necessidade de ser profissional. Mariposa e fedegosa ela ainda não voltou, enquanto eu toco teclado com um balanço inimaginável para qualquer um, mesmo para mim.  Contemporâneo. Estranha palavra. O insofismável poeta músico Lou Reed morreu e o Galo perdeu para o Botafogo, por outro lado amanhã na parte da manhã, começo montar Jimi Hendrix e a Fonoaudióloga, na parte da tarde Guignard Imaginário e a noitinha me encontrar com a Música na nova Segunda que já chegou. 
Que vida meu. Bom Também. O melhor é reconhecer amigos, emoção e prazer do amor bem menos trabalhoso que o sexo. Vamos praticar com os doutores. Brindar água à nova era. Regional Cordas que Falam. Ouvi uma Ave Maria em alemão as vinte e uma e quarenta e seis na Classic and Jazz, cantada por uma tão redolente cantora que jamais esquecerei, enquanto ventava muito lá fora. Logo depois veio o milagre em bela chuva criadeira, ainda com o Sol, que não durou mais que uma hora, era a Primavera. Beco da Tecla. 
Imersão total no som do Jimi Hendrix e na imagem das alunas do Guignard, podendo acontecer de eu vir a ficar muito doido, a vida é arriscada, já disse com razão alguém. Ontem era Sexta Feira, dia de todos os Santos e hoje Sábado de Finados, a volúpia de escrever me abandonou por alguns dias, também pudera, estávamos filmando direto de uma maneira que há muito não faziamos: com equipe e elenco numerosos, figurinos, maquiagem, deslocamentos, enfim tudo que um filme profissional deve ter. Agora na montagem ela voltou. Na minha cabeça ronda recorrentemente a lição em forma de carraspana que um dia me deu. Ela me disse exatamente o seguinte: minhas atitudes devem fazer diferença e trazer satisfação interior. Não é suficiente cumprir com todos os deveres e responsabilidades, mas é importante que tudo o que faça tenha a marca da dedicação profunda. Tenho me remoído nessa dedicação. Toda diáfana a Luiza de cabelos soltos e penteados sentou na cadeira de braços coberta por um pano lilás. A expressão imprimiu. Em 1934 Bertold Brecht escreveu: hoje, o escritor que deseje combater a mentira e a ignorância tem de lutar, pelo menos, contra cinco dificuldades. É-lhe necessária a coragem de dizer a verdade, numa altura em que por toda parte se empenham em sufoca-la; a inteligência de reconhecer onde por toda parte a ocultam; a arte de torna-la manejável como uma arma; o discernimento suficiente para escolher aqueles em cujas mãos ela se tornará eficaz; finalmente, precisa ter a habilidade para difundir entre eles. Estas dificuldades são grandes para os que escrevem sob o jugo do fascismo; e até os que escrevem num regime de liberdades burguesas não estão livres de sua ação. A terceira dificuldade: a arte de torna-la manejável como uma arma, me encantou sobremaneira. Mandamento muito sedutor. Esplendorosa esta entrada de noite de Domingo no alto da Serra com visão panorâmica das luzes da cidade se acendendo, ouvindo Oscar Peterson e Joe Pass com belas companhias em altíssimo grau. Falemos de virtudes. Acordei meio mal na nova Segunda, só me lembrando das obrigações. Vamos às dedicações. 
Meu amigo grego Eleusis contou, enquanto a morena cor jambo de óculos com lenço de oncinha no pescoço abria sua bolsa enorme em cima do balcão de mármore falso, que tinha ido a um restaurante que sempre ia e viu na parede do outro lado um quadro que ele nunca tinha visto por lá, nem em lugar algum, ficou com preguiça de ir ver que quadro era aquele que ele nunca tinha visto. No dia seguinte, foi lá só para ver o quadro. E viu que o quadro que nunca tinha visto, nunca esteve lá, era inexistente. Havia sido uma alucinação. Que dizer de tal inexistência? Os quadros têm se perdido da visão. Sem me ver sempre ilusório, podemos apertar um pouquinho ela a visão. Não sei ao certo para quê, hora do almoço com o sol a pino, tornei a ficar siderado.