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domingo, 29 de dezembro de 2013

MEMÓRIA

A LAPA NO TEMPO DO ONÇA...
A Lapa dos anos 30 era uma efervescência o ano todo. As festas de fim de ano, por exemplo, tinham como marca um alto estilo boêmio. Normalmente, era assim: enquanto a cidade dormia, a Lapa se agitava.  Era uma noite permanente que brilhava não só pela lua, mas pelos talentos artísticos, diversidade cultural, malandragem. Isso sim dava um brilho especial ao lugar.
A Lapa tinha basicamente três ambientes: os cabarés, os cafés e os bares. Difícil era encontrar uma cadeira vazia em qualquer café do bairro. Os cabarés fervilhavam de gente, com muita bebida, música e paixões desenfreadas.
O Largo da Lapa daquela época era ponto estratégico da ligação Zona Norte/Zona Sul, através dos bondes. Mas era um sistema de transporte deficiente. Muitos dos que trabalhavam pelo Centro acabavam morando por lá mesmo. Os jornais anunciavam aluguéis de quartos nas Ruas da Lapa, Moraes Vale, entre outras. Tudo isso ajudava a incrementar a noite da Lapa.
No dia 24 de dezembro, alguns iam cedo para casas de parentes, que, em muitos casos, só se viam mesmo nas festas de fim de ano. Era tio conhecendo o novo sobrinho, avó reconhecendo o neto distante. Era uma festa. Tinha gente que aproveitava a época para visitar a família no Nordeste, trazendo na bagagem um dos seus para tentar vida nova no Rio de Janeiro, então capital da República.
Naquela época, a Lapa era uma mistura só: artistas, músicos, prostitutas, intelectuais, malandros, políticos. Cada um no seu metro quadrado. A malandragem, por exemplo, não ia aos cafés, preferia aos bares. No Cabaré Imperial, da francesa Chouchou – que ficava na Joaquim Silva -, quem arrebatava os corações era Lili das Joias, famosa por seus dotes físicos e por ter levado muitos figurões à ruína. Manel, garçon de hotéis da Lapa e que, com a decadência da região a partir do Estado Novo, foi trabalhar nos bares da Cinelândia, ali pertinho, conta que cansou de emprestar dinheiro a senadores da República, para esticar a noite. O Senado ficava no Palácio Monroe, no final da Avenida Rio Branco, nas imediações da Lapa. Normalmente, depois da sessão legislativa, tinha uma sessão extra na Lapa.
Foi no Cabaré Apolo que Noel Rosa, um dos maiores talentos da música popular brasileira, conheceu Ceci, uma dançarina de 16 anos de idade. Noel, filho da classe média, era estudante de Medicina, mas trocou o banco escolar pela boemia, onde seu talento musical se evidenciava. Mesmo casado com Lindaura, uma moça da alta sociedade, a paixão de Noel era por Ceci, para quem fez várias músicas, entre elas, “Último Desejo”: “Nosso amor          que eu não esqueço / E que teve seu começo / numa festa de São João...”. Eles se conheceram numa noite de 24 de junho, dia de São João, mais um dia de festa na Lapa.
Noel, morador de Vila Isabel, costumava pegar um táxi até o Danúbio Azul – outro espaço bastante frequentado na Lapa -, onde ficava horas esperando por Ceci encerrar o expediente. Certa vez, a jovem dama do cabaré chegou junto com os primeiros raios de sol. Reclamou com Noel porque ele insistia em beber gelado, embora tossisse muito. Ele não se fez de rogado: passou a pedir cerveja quente e conhaque. Noel morreu aos 26 anos de idade, vítima de tuberculose.
A Pensão da Lapa era também muito movimentada; na verdade, tratava-se de um bordel. Tinha um grande número de empregados homossexuais. De modo geral, as donas de bordéis contratavam jovens homossexuais para trabalhar como garçons, cozinheiros, camareiros e inclusive como prostitutos, caso um cliente assim o desejasse. Muitos desses jovens tinham certos modos femininos e imaginava-se que eles podiam desempenhar tarefas domésticas com facilidade e eficiência e viver entre as prostitutas sem criar uma tensão sexual. As bichas – como eles mesmos se identificavam – conviviam nos vários bordéis da Lapa com francesas, polacas e mulatas. Os bares e cabarés da Lapa eram também lugares freqüentados por homens em busca de mulheres para momentos de prazer, bem como por homens desejosos de sexo com outros homens.
Funcionários públicos, jornalistas, profissionais da classe média, intelectuais boêmios e jovens de famílias tradicionais, amantes da aventura misturavam-se livremente com escroques, ladrões, apostadores, cafetões, bichas e putas. Artistas e estrelas em ascensão nos círculos intelectuais brasileiros – como Jorge Amado, Cândido Portinari, Sérgio Buarque de Holanda e Mário de Andrade – iam aos bares e cabarés da Lapa para reunir-se com nomes importantes da música popular brasileira – como Noel Rosa, Cartola, Nelson Cavaquinho, Chico Alves – e ouvir suas mais recentes composições.
Os artistas preferiam morar em Santa Teresa, que passou a ser conhecida como Montmartre Carioca – uma homenagem a um bairro boêmio de Paris. Dos becos de Santa Teresa, localizada na parte alta da cidade, as pessoas desembocavam na Lapa. Alguns subiam, outros desciam, mas todos se encontravam mesmo na Lapa. O poeta Manoel Bandeira morava na Rua Morais Vale, 57, ao lado do Beco das Carmelitas, onde escreveu “Beco das minhas tristezas, não me envergonho de ti”. Já na Rua Joaquim Silva, 53, casa 4, bem no coração da Lapa, morou Carmem Miranda, “A Pequena Notável”. Francisco Alves, antes de virar o Chico Viola, era motorista de praça com ponto na Lapa.
Wilson Batista, outro malandro talentoso da Lapa, sempre era visto no bar Esquina do Pecado, na Praça Tiradentes. O bar era um ponto de encontro de marginalizados e compositores. Ali conheceu os irmãos Meira, malandros famosos da época, cuja amizade lhe valeu várias prisões.  Em 1939, passou a se relacionar com o bicheiro China, a quem venderia muitas músicas.
Nas primeiras décadas do século XX, o Centro do Rio sofreu uma série de transformações urbanísticas. As famílias ricas que habitavam a área central da cidade foram se transferindo para a Zona Sul. Suas antigas casas passaram a ser ocupadas pela população pobre. Os negros, mesmo libertos, continuavam sendo discriminados. Muitos deles acabavam aumentando a enorme legião de desocupados, que viviam nas praças e esquinas; alguns conseguindo um biscate ali, outro aqui.
Não é à toa que a figura do malandro é quase sempre associada a um afrodescendente. Na Lapa dos anos 30, a imagem que se tinha do malandro é que ele era um homem até certo ponto honesto, cheio de dignidade, consciente de sua profissão.
Madame Satã era um desse tipo. Nascido João Francisco dos Santos, em 1900, no interior de Pernambuco, viveu na Lapa quase 60 anos de sua vida. Ele mesmo revela que começou sua vida sexual aos 13 anos, quando as mulheres da Lapa organizavam bacanais dos quais participavam homens, mulheres e bichas.
Satã era um exímio capoeirista, nos seus 1,75m e 90kg bem distribuídos, e ganhava a vida ora como cozinheiro e garçon de pensão, ora vendendo o corpo para os homens, ora como leão de chácara de cabarés. Brigou muito com os agentes da lei, ao proteger prostitutas, moradores de rua, bichas. Sua ficha criminal era imensa: 29 processos, 19 absolvições, 10 condenações, 3 homicídios.
A Lapa dos anos 30 tinha a presença marcante de Aracy de Almeida, a Dama da Central, porque, morando no subúrbio do Encantado, fazia o trajeto Lapa-casa sempre no trem da Central do Brasil. Era uma simbiose musical: na frente da família, cantava hinos religiosos da Igreja Batista; escondida dos pais, entoava oferendas a entidades do Candomblé e participava do bloco Somos de pouco falar. Em 1933, trabalhando na Rádio Educadora – que depois virou Rádio Tamoio -, conheceu Noel Rosa, que a convidou para tomar umas cervejas cascatinhas na Taberna da Glória. Aracy transformou-se na grande responsável pela perpetuação da obra de Noel, ao longo de outras décadas.
A segunda metade da década de 30 foi marcada por turbulências políticas, tanto no plano nacional como no internacional. O mundo acompanhava de olhos atentos os conflitos na Europa, que ganharam dimensões inimagináveis e se transformaram, a partir de 1937, na II Grande Guerra Mundial. No mesmo período, o Brasil se preparava para eleger um novo presidente da República, mas Getúlio Vargas divulgou pelo programa de rádio A Hora do Brasil uma falsa notícia de que os comunistas estariam organizando uma insurreição. Era a senha para Getúlio implantar o Estado Novo, em novembro de 37, e suspender a sucessão presidencial. No Estado Novo de Getúlio Vargas, os cultos de origem afro, a malandragem e o jogo passaram a ser perseguidos. O Senado Federal, que funcionava no Palácio Monroe, perto da Lapa, ficou fechado por 7 longos anos. São fatores que contribuíram enormemente para a mudança do perfil social da Lapa.
No período do Estado Novo, houve uma forte campanha pública contra os alemães e seus familiares no Rio de Janeiro. Na época, havia um tipo de pão que se chamava “pão alemão” – a exemplo do “pão francês”, que tem até hoje. Mas deixou de ser “alemão” para não ser associado ao nazismo. O tradicional Bar Luiz – que está ali na Rua da Carioca, perto da Praça Tiradentes - quase foi apedrejado porque tinha o nome de Bar Adolf. O pessoal imaginava que era uma referência a Adolf Hitler, mas depois viu que não tinha nada a ver. Via de dúvidas, os donos preferiram mudar o nome do bar. Economicamente, o Brasil entrou num ciclo de racionamento por causa da guerra: havia filas imensas para compra de leite, combustível etc. A vida social, consequentemente, sofreu restrições.
Os antigos bares passaram a viver às moscas. A maioria dos cabarés fechou; as pessoas foram obrigadas a mudar de hábitos e de ares. No final dos anos 30, a Lapa se despedia da Velha Lapa. Papai Noel demorou a circular de novo pela área.
 
Fernando Paulino
 
Dezembro de 2013
 
*Obs.: Esse mergulho que dei na Lapa dos anos 30 faz parte de uma pesquisa que fiz para uma peça teatral ambientada naquele período. O trabalho foi encomendado por um produtor americano que disse pretender encená-la às vésperas da Copa do Mundo de 2014. Como ele não cumpriu o combinado – pagar o trabalho em troca de sigilo -, disponibilizo para os amigos esse texto como presente de Natal. E, em 2014, se virem por aí um produtor teatral americano querendo falar da Lapa dos anos 30, me avisem!
 

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

TRIBUNA DA IMPRENSA

Sobre a Questão do Fim
Marcelo Gleiser
Numa sociedade em que o sucesso é almejado e festejado acima de tudo, onde estrelas, milionários e campeões são os ídolos de todos, o fracasso é visto como algo embaraçoso e constrangedor, que a gente evita a todo custo e, quando não tem jeito, esconde dos outros. Talvez não devesse ser assim.
Semana passada, li um ensaio sobre o fracasso no “New York Times” de autoria de Costica Bradatan, que ensina religião comparada em uma universidade nos EUA. Inspirado por Bradatan, resolvi apresentar minha própria homenagem ao fracasso.
Fracassamos quando tentamos fazer algo. Só isso já mostra o valor do fracasso, representando nosso esforço. Não fracassar é bem pior, pois representa a inércia ou, pior, o medo de tentar. Na ciência ou nas artes, não fracassar significa não criar. Todo poeta, todo pintor, todo cientista coleciona um número bem maior de fracassos do que de sucessos. São frases que não funcionam, traços que não convencem, hipóteses que falham. O físico Richard Feynman famosamente disse que cientistas passam a maior parte de seu tempo enchendo a lata de lixo com ideias erradas. Pois é. Mas sem os erros não vamos em frente. O sucesso é filho do fracasso.
NADA DISSO
Tem gente que acha que gênio é aquele cara que nunca fracassa, para quem tudo dá certo, meio que magicamente. Nada disso. Todo gênio passa pelas dores do processo criativo, pelos inevitáveis fracassos e becos sem saída, até chegar a uma solução que funcione. Talvez seja por isso que o autor Irving Stone tenha chamado seu romance sobre a vida de Michelangelo de “A Agonia e o Êxtase”. Ambos são partes do processo criativo, a agonia vinda do fracasso, o êxtase do senso de alcançar um objetivo, de ter criado algo que ninguém criou, algo de novo.
O fracasso garante nossa humildade ao confrontarmos os desafios da vida. Se tivéssemos sempre sucesso, como entender os que fracassam? Nisso, o fracasso é essencial para a empatia, tão importante na convivência social.
Gosto sempre de dizer que os melhores professores são os que tiveram que trabalhar mais quando alunos. Esse esforço extra dimensiona a dificuldade que as pessoas podem ter quando tentam aprender algo de novo, fazendo do professor uma pessoa mais empática e, assim, mais eficiente. Sem o fracasso, teríamos apenas os vencedores, impacientes em ensinar os menos habilidosos o que para eles foi tão fácil de entender ou atingir.
VAIDADE PESSOAL
Claro, sendo os humanos do jeito que são, a vaidade pessoal muitas vezes obscurece a memória dos fracassos passados; isso é típico daqueles mais arrogantes, que escondem seus fracassos e dificuldades por trás de uma máscara de sucesso. Se o fracasso fosse mais aceito socialmente, existiriam menos pessoas arrogantes no mundo.
Não poderia terminar sem mencionar o fracasso final a que todos nos submetemos, a falha do nosso corpo ao encontrarmos a morte.
Desse fracasso ninguém escapa, mesmo que existam muitos que acreditem numa espécie de permanência incorpórea após a morte. De minha parte, sabendo desse fracasso inevitável, me apego ao seu irmão mais palatável, o que vem das várias tentativas de viver a vida o mais intensamente possível. O fracasso tem gosto de vida.
Marcelo Gleiser é físico, astrônomo, professor, escritor e roteirista. Conhecido nos Estados Unidos por seus lecionamentos e pesquisas científicas, no Brasil é mais popular por suas colunas em jornais e revistas.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Um conto de reis e dois poemas

SAIA PLISSADA AZUL MARINHO
 Fabio Carvalho

Hoje dia 11 do mês 12 do ano 13, não aconteceu nada de especial, a não ser o celular que vibrou e tocou na palma da minha mão na hora exata. Deu certo. No dia seguinte ouço esta música enquanto chove lá fora sem pinga aqui dentro e me obrigo a escrever já que ela fica seca se lhe faltam minhas letras, ela mesma assim me disse via estrelas. Vamos lá ao esplendor. Uma cidade a cantar. De súbito estou tocando o piano de cauda no primeiro plano acompanhado por uma orquestra completa ao fundo, vou guardar meu bureau secreto nas alturas para o outro texto, segundo Ricardo Miranda. É tempo de se pensar. Tenho andado pela Serra chovendo e não tenho visto Mário o ator, o que me deixa com certo vazio na hora do almoço, mora na filosofia. Qual o próximo passo? Com esta questão iniciei o lacônico diálogo que travei com o magricela de boné vermelho que me encarava numa parte sombria da Avenida do Contorno no inicio daquela madrugada. É certo que iria me assaltar, mas atordoado ficou ao perceber que eu estava ligado e era muito maior que ele, assim acabou desistindo de tal ação e me pediu um cigarro despistando. Ofereci o que eu estava fumando, ele o pegou e saiu de fininho cabisbaixo até desaparecer atrás da árvore lá na frente, onde o escuro era maior. Notei nos olhos dele que não era um profissional, o que o movia era a fome, o crack e o medo, veio daí minha vantagem, para mim era só o instinto natural da defesa.  Salve - se quem puder a vida. Que explicação meu! Cinema para adultos, brinquedo para putas; escreveu num papel de agenda, a médica otorrinolaringologista e ambientalista Eulália Jordà-Poblet, logo após assistir no Cineclube Casa de Cássia o filme que acabei de cometer. Vemos assim a vida passar. Nós somos o último ocidente, agora se nos provocarem podemos ser o último oriente. Não lembro quem disse essa frase, nem quem somos os nós a que ela se refere, coloco aqui simplesmente por um impulso inexplicável. Isto posto continuemos. Após uma semana de extrações e dores continuadas, esta Sexta feira dia 20, me permitiu redescobrir através de um Suplemento Literário esquecido debaixo do criado-mudo, o grande Dantas Motta. O também grande Carlos Drummond o descreveu: “O que eu apreciava nele, acima de tudo (abstração feita de valores intelectuais e morais), era me dar a sensação de estar conversando com alguém que, sob a aparência de Dantas, se chamava Minas Gerais. (...) Sua ironia e doçura misturadas. Não essa Minas convencional, submissa, concordante, cautelosa... Mas a Minas aberta, revisora, contestatória, que não se conforma com a mesmice dos princípios estabelecidos e expõe a exame nomes, situações , ideias, com infatigável espírito crítico.” O poeta Motta enxergava a si mesmo como um ser precário, um homem “nascido no Outono e, como tal, já nascido velho.” Dantas Motta refere-se ao “sentido aiuruocano da dor” em uma entrevista a João Condé, embora sua poesia não se limite a um provincianismo, conforme observou Almeida Salles: “Arrancaste a tua Aiuruoca do espaço mineiro e a dilataste, por força do teu desespero de exilado, na medida das terras clássicas, em que a voz do homem configurou o drama do paraíso perdido.” Retiro estas citações do texto do escritor e professor Caio Junqueira Maciel que um dia, fazem muitos anos, tive o privilégio de entrevistar, para um pequeno jornal que fazia com um grupo de amigos, chamado “Artefato.” Claro está que não passou do terceiro número. Pois bem, o que sei é que “a dor de Aiuruoca”, ajudou a conter as minhas dores gengivais e estomacais, então vamos lá: esta é a pagina da dedicatória. É bom que ela mereça ao que veio. Será feio o erro que ela venha a fazer, agora a pergunta é quem é ela? Resposta bastante difícil, e para evitar a dificuldade, vou dizer que é complexa e perguntar de novo, que dedicatória é essa? Quem não for cavalheiro que o pareça. Essa é do Machado de Assis. Ora pró nóbis, isto sim é piração de cara limpa. Affinia. Ouço os barulhos do elevador lá fora. Todo esse último parágrafo eu estou copiando do meu bloco de notas, desconfiado que já tenha utilizado as mesmas palavras em outro texto, portanto posso estar plagiando a mim mesmo, se o estiver fazendo, a razão com certeza é a etapa autista que estou cumprindo, só tenho pensado no meu umbigo, aliás, nunca ouvi falar em alguém que tenha pensado no umbigo dos outros. Difícil é olhar de frente o próprio umbigo. O Otávio III inventou, e eu gostei da ideia de escrever minha auto biografia não autorizada, não escondendo nada que nem mesmo eu gostaria de lembrar, contando com o direito que depois de escrever se eu não aprovar, posso me auto processar. Tudo tem jeito, por vezes mais de um jeito. Imagina. Estamos no primeiro dia do novo Verão e me lembrei do que me motivou a escrever este texto que foi exatamente o título. No Cabral eu e o Mário pensamos em registrar uma editora para minha auto biografia não autorizada, com  o seguinte nome: Não Procure Saber. Meu ódio à ciência e meu horror a tecnologia, finalmente me levarão a absurda crença em Deus. Uma piadinha é claro, mas que pretendemos seriamente levar a adiante. Em estado de natureza humana corrompida a graça interior é irresistível. Desafio ao duelo. A graça nem sempre obtém o efeito que Deus a destina. Um instante, por favor. Você está negando que o homem no momento de agir, é grato pela boa e completa realização? Sim nego! A vontade está submetida aos prazeres do momento. Merecer ou não com a natureza corrompida não se precisa ter necessariamente a liberdade de se ter necessidades. O homem deve ser libertado de toda a necessidade absoluta e até da relativa. É um erro semi pelagiano dizer que Jesus Cristo morreu por todos os homens! Você insulta a vontade divina! Cristo morreu para que o homem tivesse o desejo da salvação. Vontade pré existente é desejo. Meus pensamentos e ações não estão em meu poder. Minha liberdade é só um fantasma! Liberdade! O que significa afinal? Significa que entre duas ações, bem e mal, você pode escolher. Sim, mas deus não sabe de tudo? Sim. Então se eu escolher o mal ele já sabia? Claro. Então como pode dizer que sou livre, se tudo que faço é planejado antes? É chamado livre arbítrio, a graça de Deus o ajuda a escolher o bem. Mas se ele sabe que eu vou escolher o mal, é ele que decide não eu! Porque ele decidiu que eu escolhesse o mal? Deus trabalha de forma misteriosa. Durante a minha virtuosa convalescença, além do encanto do Dantas Motta, pude rever os filmes Mahler do Ken Russel e Via Láctea do Luiz Buñuel, que vislumbrei, depois de anos perdidos na minha bagunça habitual. Penso hoje em voz alta que deve fazer algum sentido.
  EMBARCAÇÃO NOTURNA

Coquetel fantasma à bandeja na aurora fria,
Trazendo – me, nos passos longos dos garçons,
Aquela pluma de galo que riscava de mulheres servidas,
Todo um tempo tecido de parede, retrato e chão.

Tempo de um pavor esquisito, enquanto quieto,
Caminhando por um enterro de homens e bromélias,
Té quando de mim os barbitúricos inda precisem,
E este beijo na fronte marque o sentido doutras ofélias.
    
Um umbigo não é taça. Mas nele floresce o mundo,
Entre formões, formóis, serrotes em flor serrando tíbias,
Para amanhecer, amanhã, nas grades outros ladrões.

Outros ladrões e outros chãos de emurchecidas flores,
Que não lograram viver hoje porque são ontem,
De onde tenho partido para nunca mais voltar.

Dantas Motta

Amizade: quando o silêncio a dois não se torna incômodo.
Amor: quando o silêncio a dois se torna cômodo.
 
Mario Quintana


domingo, 22 de dezembro de 2013

Memória



18 DE DEZEMBRO 
   aniversário do meu amigo e irmão 
ADRIANO FONSECA FILHO Militante Pontenovense do PC do B, 
assassinado pela Ditadura Militar no Araguaia.  
Segue texto e pintura do artista plástico Ayrton Pyrtz
NA CURVA DO CAMINHO. 
Araguaia. 17 h. Mata fechada e um gemido de dor. Um tiro. Um jovem tomba fulminado. O gemido vira grito. dilacera o silencio da mata. O eco da morte. O eco da morte. O eco da morte. Na trilha o sangue quente . Serpenteia. O horror escorre.. O facão separa a cabeça. Cícero mateiro leva. Pesada, Cícero verga. 
03-12.73. Adriano Fonseca filho. Adrianinho e seus codinomes: Chico e Queixada. Na Araguaia clandestina, um corpo estendido no chão. Ta lá. Um futuro cortado. Um sonho interrompido. Coturnos de chumbo perfilam. Quepes em ordem unida. Continências ao terror. A longa noite do silêncio agora se rompe. A verdade berra. O eco daquela tarde berra: 

ADRIANO FONSECA VIVE!

sábado, 21 de dezembro de 2013

NOTAS


 Vamos torcer para que o cineasta Elyseu  Visconti, que está internado no hospital Miguel Couto, no Rio, com problemas circulatórios nas pernas, melhore e possa celebrar com os amigos e família as festas de final de ano. 



quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

TRÊS COISAS QUE EU LI HOJE

 

Terrível Bebé:

Gosto de suas cartas, que são meiguinhas, e também gosto de si, que é meiguinha também. E é bombom, e é vespa, e é mel, que é das abelhas e não das vespas, e tudo está certo, e o Bebé deve escrever-me sempre, mesmo que não escreva, que é sempre, e eu estou triste, e sou maluco, e ninguém gosta de mim, e também porque é que havia de gostar, e isso mesmo, e torna tudo ao princípio, e parece-me que ainda lhe telefono hoje, e gostava de lhe dar um beijo na boca, com exatidão e gulodice, e comer-lhe a boca e comer os beijinhos que tivessem lá escondidos e encostar-me ao seu ombro e escorregar para a ternura dos pombinhos, e pedir-lhe desculpa, e a desculpa ser a fingir, e tornar muitas vezes, e ponto final até recomeçar, e porque é que a Ofelinha gosta de um meliante e de um cevado e de um javardo e de um indivíduo com ventas de gás e expressão geral de não estar ali mas na pia da casa ao lado, e exatamente, e enfim, e vou acabar porque estou doido, e estive sempre, e eu gostava que a Bebé fosse uma boneca minha, e eu fazia como uma criança, despia-a, e o papel acabava aqui mesmo, e isto parece impossível de ser escrito por um ente humano, mas é escrito por mim

Fernando Pessoa

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Diálogos no Facebook

Carlos: Preciso ter uma explicação a respeito do que seja a "salvação da alma imortal", a começar por uma explicação de "como saber com certeza se tenho uma alma imortal e - caso a resposta seja afirmativa, como entro em contato com ela. Dispenso o blábláblá das "escrituras".

Karina: Quem mais acredita em alma alem dos religiosos? Essa e uma questao que interessa aos cientistas, alias, essa pergunta e suas teorias mas nada tem haver com ponto de vista religioso e sim com fisica quantica. Indo mais alem boson de Riggis (particula de Deus), Stephen Hawking, que reconheceu a existencia dessa particula....sao comprovacoes cientificas recentes da existencia do universo. Mas temos a tendencia erronea de associar alma e Deus a questao religiosa. Na verdade ninguem aqui, tera a resposta certa para sua pergunta. O interessante e que elas continuam a serem estudadas pelos cientistas. Inclusive essa questao inspirou o filme 21 gramas. "A salvacao da alma" e" alma imortal "e que parece religioso.
Tony : Eu acredito em alma, dissociada de qualquer conceito de religiao, como uma semente em torno da qual o fenomeno da vida acontece, enquanto acontece. nao saberia dizer se ela é indivisivel, soluvel em eter ou um crachá para acesso ao grande tivoli park no ceu. cada um cuide da sua como bem convier. eu trato a minha com muito carinho. descobri que ela adora gentilezas a terceiros, desafios complexos e conversas inquietantes.
Paulo: Como vc não quer ouvir (preconceito) sobre o "blá blá das Escrituras" as palavras da Karina, faz todo sentido acima.

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Para conhecer o inimigo, ou para um amigo infiltrado no contexto político...

1)    Escolha o seu número preferido de 1 a 9;                                             Multiplique-o por 3; Some 3 ao resultado; Multiplique o resultado por 3; Some os dígitos do resultado...

2)    Veja então o número que corresponde ao exemplo de vida do seu amigo/inimigo:
  1. Karl Marx
  2. Mussolini
  3. Guevara
  4. Fidel Castro
  5. John
Kennedy
  6.
Gandhi
  7. Sócrates
  8 Jesus Cristo.                                                                                                9. Adolfo Hitler                                                                                          10. Abraham Lincoln

Agora que você já sabe quem ele é, veja se não se engana mais outra vez.

domingo, 15 de dezembro de 2013

LOUCURA POUCA É BOBAGEM

LOUCURA POUCA É BOBAGEM


Planeta que possui Anel ficará bem próximo da Terra dentro de seis meses.

O planeta Saturno, aquele que possui um anel em sua volta, se aproximará da Terra e poderá ser visto de qualquer ponto do mundo, inclusive do Brasil, sempre no período da tarde, é o que confirma a Agencia Espacial Americana. 

No entanto, segundo a NASA, a aproximação de Saturno com a Terra não acarretará prejuízos ao planeta, muito pelo contrário. "Será como um casamento, Saturno vem com seu anel se casar com a Terra", disse Sebastian Smith da NASA. 

Embora a NASA descarte a possibilidade de um choque entre os dois planetas, alguns religiosos americanos acreditam no fim do mundo. O Pastor Richard, da Igreja americana "God is ten percent" acredita que Saturno está sendo empurrado pelo diabo para acabar com a Terra, e que as pessoas devem buscar sua igreja para serem salvas.

Saturno deve se aproximar da Terra dentro de seis meses e poderá permanecer nas redondezas do nosso planeta por pelo menos 2 anos. 


A Maconha é oficialmente legalizada no Uruguai, mas no Brasil... Um levantamento do Instituto Nacional de Política de Drogas e Álcool e a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) aponta que cerca de 1,3 milhão de brasileiros são dependentes de maconha. A pesquisa também abordou o nível de aprovação dos brasileiros à legalização da maconha e, de acordo com os dados, 75% da população brasileira são contra a legalização da droga, 11% se declararam a favor e os demais ou não souberam responder ou não quiseram.


Quanto a isso, em São Paulo, o dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, que afirmou que proibição do uso da maconha implica gangsterismo, comentou:

- “Fiquei surpreso! Somente uma ‘elite’ de 3% do Brasil fuma maconha?! Logo os 97% da população deveriam calar a boca, pois não sabem do que se trata, têm um preconceito sobre uma substância que nunca experimentaram.
Fumo desde 1968. Estou com 75 anos, fumando um enquanto escrevo este texto. Para mim é uma planta sagrada. Além do mais sou cardíaco, preciso de uma receita pois a maconha é vasodilatadora, como o vinho.
Acho a maior falta de espírito científico esta pesquisa tratar desta preciosidade da botânica como uma questão de dependência quando ao contrário é uma substância libertadora de nossa “Consciência Positivista”, na realidade nosso Super Ego-Moral.
Ela nos põe em contato conosco e com nosso entorno como fenômenos sem rótulos. Os papéis, as couraças, as máscaras da sociedade careta de espetáculos, se dissolvem.
Para mim sempre foi uma musa inspiradora. Acordo de manhã fumo um e tomo guaraná em pó para equilibrar, e meu dia começa.
E não me sinto dependente quando não tenho. Passo às vezes até por um certo jejum para desfrutar de novo como uma virgem, da sagrada Canabis.
É um absurdo que 3% da população fume e tenham sido armados exércitos para combatê-la, pois proibição implica em gangsterismo, como em Chicago dos anos 20″.


Carlos Sepúlveda
Surpreendi-me, numa incerta madrugada, a cogitar sobre esta mania absolutamente improdutiva de viver com o pensamento e de escrever. Parece uma obstinação inútil esta forma de apartar-se do mundo. Pois quando mergulhamos no pensamento acordamos um ego diferente daquele que habita nossos dias. Falo do ego-pensante.
O pensamento parece uma “coisa” além dos nossos sentidos, até mesmo do sexto de nossos sentidos que é o senso comum. O pensamento-coisa vai se desenrolando em frases sutis, aparentemente desconexas, mas que, de repente, formam algum sentido, quase sempre repetido de algum pensador ilustre que pensou antes de nós. Mas o prazer de se saber próximo dos grandes filósofos e pensadores como uma ressonância de leituras passadas, ainda assim é um imenso prazer. Boa parte de nossa cultura é feita de esquecimento que é, afinal, uma forma de lembrar…
A verdade é que pensamos pouco, pouco e mal, sobretudo no Brasil. Temos uma espécie de preguiça para as especulações, principalmente as filosóficas. Não basta a presença da morte ou o mistério da natureza, do mundo. Sabemos que ele existe antes e depois de nós, resiste ao tempo, e resistirá sempre, até que deixe de existir, coisa que jamais seremos capazes de ver ou de saber.  
Este sentido de urgência é uma praga da modernidade. As coisas sempre passam por nós porque não temos disposição nem tempo de pensar nelas.
Falei de prazer: quero dizer prazer intelectual. Esse prazer solitário que não se pode comparar com uma sexualidade oprimida ou perversa, mas com uma espécie de fruição incomunicável. Aliás, este identificação inconsciente veio de Freud, uma autor genial que lemos e que nos rouba a felicidade. Afinal, a ingenuidade é proibida no mundo dele.
Quem pensa como um pensador está condenado ao silêncio, à solidão, ao solipsismo. Algumas vezes, à loucura, como Nietzsche.
Confesso que já tentei, inúmeras vezes, deixar de pensar e dedicar-me à vida ativa, a vida da competição feroz pelo bem metal, mas logo passa. As vezes em que ela resultou de alguma empreitada empresarial, conheci o desastre da quase falência. Desisti, para o bem (ou os bens) de minha família.
Hoje, minha velhice progride rumo à terra ignota, ao Desconhecido. Prefiro continuar pensando as coisas que meus livros me ensinam, na mais feliz e produtiva solidão, incomunicável como uma ostra, exceto por estas colunas, cuja amizade delicada  meu amável editor me concede e permite, como uma dessas humildes delicadezas que a vida nos prepara e para as quais nunca estamos efetivamente preparados.
Também aprendi, na dureza do cotidiano, que ninguém escapa ao naufrágio das ilusões, nem você, gentil leitor, nem eu.
Ou, como ensina Riobaldo, o jagunço de Grande Sertão: veredas. Quem moi no asp’ro, não fantaseia.
Isso talvez seja a razão de escrever. Muito além de uma possível pedagogia dos bons sentimentos, e deles está cheio o inferno, escrever é uma forma de excretar. Por isso o escritor é quem excreta quem se livra dos resíduos alimentares do tempo, por vias mais educadas do que a do clássico excremento orgânico.
Escrever não se limita a uma profissão, é mais uma vocação sem finalidade prática senão a de narrar o inenarrável, com o fito de partilhar com o leitor um destino comum, passageiros que somos do mesmo mundo.
Acho que é por isso que escrevo. Para realizar uma tarefa completamente inútil.


quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

RECOLHIDO NA WEB

OPINAR
 
Guilherme Vaz - Existe algo de inquietante e de singular nos artistas e nos pensadores nativos e mesmo da America Latina, o sujeito quer ser “sagaz”,” serem espertos“, "conhecer tudo ", quando desconhecem que existe um Grau de Ingenuidade na Grande Arte , que pode ser visto em Paul Klee , Braque , Cage , Calder , Leger , Kandinsky , e que eles não são capazes de perceber e reproduzir , a Elegância da Ingenuidade , sem a qual não existe arte , mas artifícios . O sujeito que ser mais “esperto" que o artista europeu, acha que pode , insiste em acender velas em duas margens , cita o que não leu , pinta o que não colheu confundindo dimensões na tela, e do texto. Na tentativa de ser mais esperto e repetidas vezes e mais “sagaz” pensa que vai agradar, mas torna-se uma ilustração patética do cabotinismo do terceiro mundo, o “esperto", o patético, Ele não acredita na Ingenuidade da Arte.

Jose Vieira –“Tolstoi já nos alertava sobre a "Perda da Ingenuidade" no livro: O que é arte. Creio que foi sua última publicação. Mas ele se referia a outro aspecto dessa perda, a fisiológica, a vaidade barata, etc.

Sette - Quem é o Grande exemplo da tua vida?O guerreiro ou o poeta?O vício ou a virtude? O revolucionário ou o gangster? O medo ou a coragem?O saber ou a ignorância? Sofrer ou gozar? Direita ou esquerda?Quem é o seu maior inimigo?


Marusca – Prefiro o ser malicioso ao ingênuo, gosto mais do devasso do que do tolo... A grande arte está ainda a ser descoberta pelo mais ingênuo de todos os tolos. Deuses desafiando a criação e o absoluto.

domingo, 8 de dezembro de 2013

TEXTO DO POETA MARCIO BORGES



Estou em litígio com este planeta, especialmente esta porção brasileira dele, melhor dizendo, estou em dieta autoforçada de coisas mundanas, crise aguda provocada por ultradose e elevado grau de exposição radiativa. Me sinto cada vez mais deslocado nas cidades grandes, sejam BH, Nova Iorque, São Paulo ou Betim, sinto-me naufragado num oceano de coisinhas à-toa, coisas miudas, pensamentos medíocres, filosofias de calendário de oficina mecânica, textículos infames, 34 maneiras de tornar-se um cretino, as 20 maiores sandices cometidas pelo bicho-homem, os 15 piores momentos da humanidade, o primeiro e eterno descaso de sempre com os pobres miseráveis deserdados desse chão sujo de sangue, o momento exato onde a estupidez ganhou supremacia, o império das versões, o massacre da inteligência e o mais completo descaso com a verossimilhança, ou parentesco genético com o gênero humano. Mutações pequeninas e degradantes, só perceptíveis quando honestamente vistas de dentro. Sinto náuseas com a insuportável concentração de renda e poder que está matando o planeta, choro de angústia diante do renascimento de ideologias genocidas e ações de extermínio e profunda maldade perpetradas por jovens que tem idade de meus netos… Sinto paranoia, cercado por ególatras capazes de alta destruição individual e coletiva, milhares deles, dispostos a qualquer contrafação e / ou ação malévola, para provarem que a verdade é unilateral e está com eles, eles é que são os bons e os que carregam sozinhos a bandeira do fazer e do acontecer, seja lá no que der isso. Não sinto a mínima vontade de contemporizar com nada ou ninguém, de curtir nada, genial ou imbecil, não opinar nada contra ou favor de biografias ou difamações, de helicópteros de pó ou omissões da mídia, cantores geniais ou spoofs sem graça, religiões ou simples manias, cada um pense, faça e diga o que lhe aprouver. Cada um já está mesmo naturalmente cheio de si mesmo, cada um que se ache no melhor pedaço de si que puder. Cada um dá o que tem, não precisa ninguém dizer. Quero e posso apenas esperar em silêncio e concentração, vibrar, pensar e dizer o melhor que puder, com o máximo desvelo e o máximo amor possível, antes que o pior aconteça, porque estamos todos no mesmo barco fazendo água, agindo sob a batuta de algum perverso maestro, como a orquestra que só ousa pular fora depois do último acorde, quando já é tarde, otimistas por necessidade, alienados por medo, sorridentes por defeito na dentadura moral. Aqui ao menos estamos tendo a rara oportunidade de vermos passo a passo, post a post, no bafo e no desabafo, aquilo em que vamos nos tornando no dia-a-dia, vendo velhos sonhos apodrecerem na cesta de lixo daquela padaria que só vende artigo novo, aquela ali, situada ao lado do galpão onde rola aquele funk pesadão e as mina chocalha as bunda e se prostitui por um par de tênis.

Márcio Borges (facebook)

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

CINEMA DE INVENÇÃO

Educação Sentimental, o novo filme de  Julio Bressane é uma fábula sobre a impossibilidade do ato amoroso

 

Diretor usa filosofia, arte, mitologia e psicanálise para fazer um filme de ideias


Luiz Zanin Oricchio - O Estado de S. Paulo

No plano inicial do filme, um rapaz banha-se numa piscina. Em seguida, estamos numa estradinha deserta, diante de um panorama magnífico – o Mirante Sétimo Céu, no Morro Dois Irmãos, no Rio de Janeiro. Estão lá o rapaz e uma mulher mais velha. Eles se apresentam: Áureo e Áurea. Ela recita (o termo é esse) uma passagem da mitologia. Endimião, jovem pastor, um dia foi admirado pela Lua. Ora, a Lua é um deus, ou deusa. Andrógino(a). Não pode se relacionar com um mortal. Como castigo, Zeus impõe a Endimião o sono eterno. Mas toda noite a Lua aparece para contemplá-lo.Estamos portanto na atmosfera dos mitos, neste que é mais um filme de Júlio Bressane cheio de poesia, alusões, citações. A começar pelo título, Educação Sentimental, que um incauto pode referir à obra de Gustave Flaubert. É verdade que existe um ensaio desse processo entre o rapaz (Bernardo Marinho) e a mulher (Josie Antello). Na casa onde os dois passam a se encontrar dá-se um processo que se poderia chamar pedagógico não fosse o abuso do termo. Ela é uma mulher culta, que discorre sobre seus gostos literários, a família, a música, os romances que deixou inacabados. Estamos no reino da cultura, um epicurismo não estranho à própria persona estética de Bressane.
Mas daí a afirmar que se trata de uma pedagogia amorosa, seria dar um passo a mais. E talvez um mau passo, pois a proposta transcende a simples troca de ensinamentos eróticos entre um corpo e outro.                                                                                                               
Mesmo porque a “relação” entre os dois será marcada pela impossibilidade. Será, portanto, uma não relação. E, nesse ponto, Bressane dialoga tanto com a mitologia quanto com a psicanálise lacaniana. “Não existe relação sexual”, dizia o psicanalista francês, simplesmente porque não se pode estabelecer um termo médio, de contato total entre um homem e uma mulher. Na tentativa de fusão imaginária, os amantes estão sempre condenados ao não encontro. Daí a fantasia recorrente de que a fusão perfeita só se dará com a morte. Isto é, com a aniquilação dos corpos físicos.                         
 É nesse grau de profundidade que se arrisca o cinema de Júlio Bressane, sempre dançando na borda, equilibrando-se no vazio. Não é um cinema que imponha sentido, mas é um cinema que pede sentido. Enigmático, pois não se entrega de maneira imediata, funciona como verdadeira máquina de gerar interpretações. É preciso decodificar as notações eruditas espalhadas pela superfície da obra. Notar a maneira como são rearranjadas pelo artista, ganhando assim sentidos novos. E prestar atenção na maneira como são trabalhadas visualmente, porque um filme, por erudito que seja, não é um tratado de filosofia, filologia ou mitologia. É um complexo abraço entre palavras, sons e imagens que produz certa sensação em quem assiste. 
Com esse estilo, Bressane vem, já há muito, ocupando posição excêntrica no contexto do cinema brasileiro. Seu diálogo com o saber universal e com a tradição brasileira é notável. Tudo conversa com tudo. Do mito helênico relido pela psicanálise ao samba refinado de Vassourinha.                                                                                                                        
Ele concorda, discordando. Está feliz com a acolhida a Educação Sentimental, que passou com sucesso em festivais no exterior. Não chega a se queixar do mercado – sabe que tem seu nicho –, mas lamenta que Rua Aperana 52, que mostrou na Semana do ano passado, tenha ido diretamente para o Canal Brasil, sem passar pelos cinemas. O Batuque dos Astros, sobre o universo de Fernando Pessoa, terá o mesmo destino? O cinema dele possui características próprias. Um filme que, como todos os de Bressane, faz a síntese de todas as artes para falar de um amor impossível. “É um filme sobre o mito da Lua”, ele conta. “Uma deusa não pode se apaixonar por um mortal, mas é o que acontece, e é um amor fadado ao fracasso.”                                                                                   
Interessado em debater o mistério da luz nos filmes, Bressane fala de sentimentos                                                                                                                                         
Nada a ver com A Educação Sentimental do francês Gustave Flaubert. Mas foram anos elaborando o que viria a ser o novo filme de Júlio Bressane, que estreia sexta-feira no Rio e em São Paulo. “Já tenho experiência suficiente para saber que não devo me meter com o filme. Tenho sempre alguma coisa que me é dada, uma cena, uma imagem. No caso de Educação, era uma imagem arcaica, Endimião adormecido e seu corpo banhado pela Lua. Depois me veio essa mulher dançando. Imaginei-a madura e ligada a um garoto, mas um garoto que possui uma qualidade essencial. Ele sabe ouvir...”                
 Como Bressane gosta de dizer, ele vai atrás daquilo que o intriga, mas procura não se meter com o filme. “Existe uma coisa básica que é a questão do enfraquecimento das palavras, do discurso básico. Evito direcionar coisa alguma porque parto do princípio de que é precioso falar algo. As coisas são ditas para serem compreendidas.” E foi assim que se construiu a figura de Áurea em Educação Sentimental. É melhor falar na personagem que na história, porque, se a gente insistir muito na trama, o espectador verá o novo Bressane esperando uma linearidade que ele não vai dar.                                     
“Devo esse filme, mais até que os outros, ao produtor Marcello Maia. Educação tem algo parecido com a pintura antiga, de ateliê. Foi feito por muitas mãos e o Marcelo foi quem organizou todas essas forças para trabalhar no filme. Quem me conhece, sabe que faço cinema de improviso. Mas, para chegar aí, você tem de fazer as coisas contra você, evitar as coisas de que gosta. Se fosse para fazer só aquilo de que se gosta, não seria necessário fazer. É como ir para uma terra desconhecida.”                                                   
 Áurea, a protagonista de Educação Sentimental, é uma mulher com um dom humano arcaico. “Ela consegue colocar as entranhas em contato com as estrelas, e isso se faz através da dança.” Por isso, Bressane procurou não exatamente uma atriz, mas uma dançarina.                                                                                                                                      
“Existem cerimônias religiosas que colocam o participante numa relação cósmica. Ou melhor, existiam. Criavam um elo entre você e o cosmo, mas essa foi uma força que se perdeu e que o cinema pode ajudar a recuperar. O filme tem um pouco a sonoridade desse atrito das entranhas com as estrelas. Tem uma mancha de fundo que é a questão da divindade, do amor proibido, do amor de um imortal pelo mortal. Áurea fala, seduz pela palavra, e o garoto escuta. E aí surge a questão da mãe, que cria o desacerto. A mãe é o humano. Tudo o que ela diz e pensa são as coisas humanas. A mãe quer comer o filho, quer comer a empregada. Isso é coisa humana, e é o que quebra o encanto, revela que o menino é humano. O filme é sobre o encantamento e a sua perda.”                             
Há um aspecto aparentemente secundário no cinema de Bressane, mas que ele sabe que é vital. Está em Educação Sentimental. “O cinema sofre de uma hipertrofia imensa. Você imagina um fotograma, com centenas de milhares de grãos. Cada grão é uma luz. Só que há hoje uma deformação. Você vai buscar uma coisa no filme que ele pode ser que não tenha. A história, o enredo. Isso não é da natureza do filme, que é luz. A questão de fundo é a passagem da transparência para a opacidade. Cinema até ontem foi feito em película. A complexidade do mecanismo do cinema é que se trata da projeção de uma transparência. O filme é um fotograma transparente, uma pasta granulada onde se imprime a luz. É para ser visto a partir do fotograma, não do enredo. O princípio da ocupação da transparência pela sombra é uma forma de organizar o nada.”                                                                                                                                                        
O diretor conta que ‘nós’ – a produção de Educação Sentimental – “recebemos uma carta do laboratório nos cumprimentando por sermos o último filme feito em película por lá. Desmontaram o laboratório e doaram tudo para a Cinemateca”. E ele prossegue refletindo – a película hoje não tem mais razão para existir. O cinema está todo passando da transparência para a opacidade. “O digital é opaco. Como foi o vídeo, que também já era opaco. Não vejo isso como uma perda. A opacidade é importante, é o inconsciente e o sujeito.” E ele conclui que o campo de exploração da opacidade é tão interessante quanto o de exploração da transparência.                                                          
  Claro que não se trata de uma história linear nem com começo, meio e fim. Desde que se iniciou na direção de longas, em 1967, comCara a Cara, Bressane firmou-se como um autor singular do cinema brasileiro. Um dos mais persistentes – um filme por ano, todos os anos – e o mais erudito. Walter Carvalho, grande diretor de fotografia e narrador de prestígio, com filmes elogiados no currículo, larga tudo, até os próprios filmes, para fotografar para Bressane. “Com ele, filmar é um aprendizado contínuo”, explica. Bressane gosta de dizer que filmar é uma viagem. O diretor propõe, o espectador dispõe (ou não). Ao iniciar sua viagem, o primeiro não sabe muito bem aonde quer, ou se vai chegar. “Nunca se sabe direito o que é o filme. Uma parte do processo a gente controla, a outra parte domina a gente.” O cinema e a interpretação dos sonhos, de Freud, são contemporâneos. Difícil não encarar a psicanálise com Bressane. “O que se faz é uma porção mínima do que a consciência permite”, prossegue. E a dificuldade é justamente impedir que a outra parte, a que escapa, “o contradiga e negue o que você pretende fazer”. Todo filme nasce dessa tensão. Quem fala é o mestre.Quando fala de luz, Bressane retoma uma discussão sobre cinema que remonta às origens – e do lendário Abel Gance chega a outro autor não menos mítico, Andrei Tarkovski, um escultor do tempo. Como a gestação de suas obras é lenta, o ato de filmar termina sendo rápido, como consequência de toda uma depuração. Quanto tempo Bressane trabalhou o outro filme que já tem pronto, O Batuque dos Astros? “Quem me deu a possibilidade de retomar esse projeto foi meu amigo Zelito Viana (o produtor e diretor). Nos anos 1970, e de maneira muito intuitiva, havia escrito um roteiro sobre Fernando Pessoa. Chamava-seNinguém, construindo-se na ideia de que, à força de se multiplicar em tantos heterônimos, o autor terminara por se anular.”Durante seu exílio em Londres, naquela época, Bressane assistiu à descoberta e valorização do grande – e misterioso – escritor português. Com a cumplicidade de Zelito Viana, ele partiu em busca da Lisboa de Pessoa, investigando o espaço – e a linguagem – como fizera em Rua Aperana 52. O repórter arrisca (psicanalisa?) – o que sempre o atraiu em Pessoa foi a multiplicidade? Talvez o fato de ele próprio se sentir um estrangeiro na Inglaterra? “Pode ser, mas a verdade é que, por minhas preocupações, sou meio autista e termino sempre me sentindo estrangeiro em toda parte, até no Rio.” Houve outro exílio mais recente, quando Bressane, acompanhando a mulher psicanalista, Rosa Bastos, ficou cerca de um ano em Paris, e trabalhou na montagem desses filmes no próprio computador. Incansável, anuncia que filma em março outro projeto que acalenta há tempos – O Sheik. Vai filmar em estúdio, com Alessandra Negrini, que já foi sua Cleópatra. Bressane pensa, reflete – e executa. Como ele diz, o cinema é, para ele, fator de sobrevivência. “Fazendo filmes é que consigo me conhecer.”