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segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Um conto de reis e dois poemas

SAIA PLISSADA AZUL MARINHO
 Fabio Carvalho

Hoje dia 11 do mês 12 do ano 13, não aconteceu nada de especial, a não ser o celular que vibrou e tocou na palma da minha mão na hora exata. Deu certo. No dia seguinte ouço esta música enquanto chove lá fora sem pinga aqui dentro e me obrigo a escrever já que ela fica seca se lhe faltam minhas letras, ela mesma assim me disse via estrelas. Vamos lá ao esplendor. Uma cidade a cantar. De súbito estou tocando o piano de cauda no primeiro plano acompanhado por uma orquestra completa ao fundo, vou guardar meu bureau secreto nas alturas para o outro texto, segundo Ricardo Miranda. É tempo de se pensar. Tenho andado pela Serra chovendo e não tenho visto Mário o ator, o que me deixa com certo vazio na hora do almoço, mora na filosofia. Qual o próximo passo? Com esta questão iniciei o lacônico diálogo que travei com o magricela de boné vermelho que me encarava numa parte sombria da Avenida do Contorno no inicio daquela madrugada. É certo que iria me assaltar, mas atordoado ficou ao perceber que eu estava ligado e era muito maior que ele, assim acabou desistindo de tal ação e me pediu um cigarro despistando. Ofereci o que eu estava fumando, ele o pegou e saiu de fininho cabisbaixo até desaparecer atrás da árvore lá na frente, onde o escuro era maior. Notei nos olhos dele que não era um profissional, o que o movia era a fome, o crack e o medo, veio daí minha vantagem, para mim era só o instinto natural da defesa.  Salve - se quem puder a vida. Que explicação meu! Cinema para adultos, brinquedo para putas; escreveu num papel de agenda, a médica otorrinolaringologista e ambientalista Eulália Jordà-Poblet, logo após assistir no Cineclube Casa de Cássia o filme que acabei de cometer. Vemos assim a vida passar. Nós somos o último ocidente, agora se nos provocarem podemos ser o último oriente. Não lembro quem disse essa frase, nem quem somos os nós a que ela se refere, coloco aqui simplesmente por um impulso inexplicável. Isto posto continuemos. Após uma semana de extrações e dores continuadas, esta Sexta feira dia 20, me permitiu redescobrir através de um Suplemento Literário esquecido debaixo do criado-mudo, o grande Dantas Motta. O também grande Carlos Drummond o descreveu: “O que eu apreciava nele, acima de tudo (abstração feita de valores intelectuais e morais), era me dar a sensação de estar conversando com alguém que, sob a aparência de Dantas, se chamava Minas Gerais. (...) Sua ironia e doçura misturadas. Não essa Minas convencional, submissa, concordante, cautelosa... Mas a Minas aberta, revisora, contestatória, que não se conforma com a mesmice dos princípios estabelecidos e expõe a exame nomes, situações , ideias, com infatigável espírito crítico.” O poeta Motta enxergava a si mesmo como um ser precário, um homem “nascido no Outono e, como tal, já nascido velho.” Dantas Motta refere-se ao “sentido aiuruocano da dor” em uma entrevista a João Condé, embora sua poesia não se limite a um provincianismo, conforme observou Almeida Salles: “Arrancaste a tua Aiuruoca do espaço mineiro e a dilataste, por força do teu desespero de exilado, na medida das terras clássicas, em que a voz do homem configurou o drama do paraíso perdido.” Retiro estas citações do texto do escritor e professor Caio Junqueira Maciel que um dia, fazem muitos anos, tive o privilégio de entrevistar, para um pequeno jornal que fazia com um grupo de amigos, chamado “Artefato.” Claro está que não passou do terceiro número. Pois bem, o que sei é que “a dor de Aiuruoca”, ajudou a conter as minhas dores gengivais e estomacais, então vamos lá: esta é a pagina da dedicatória. É bom que ela mereça ao que veio. Será feio o erro que ela venha a fazer, agora a pergunta é quem é ela? Resposta bastante difícil, e para evitar a dificuldade, vou dizer que é complexa e perguntar de novo, que dedicatória é essa? Quem não for cavalheiro que o pareça. Essa é do Machado de Assis. Ora pró nóbis, isto sim é piração de cara limpa. Affinia. Ouço os barulhos do elevador lá fora. Todo esse último parágrafo eu estou copiando do meu bloco de notas, desconfiado que já tenha utilizado as mesmas palavras em outro texto, portanto posso estar plagiando a mim mesmo, se o estiver fazendo, a razão com certeza é a etapa autista que estou cumprindo, só tenho pensado no meu umbigo, aliás, nunca ouvi falar em alguém que tenha pensado no umbigo dos outros. Difícil é olhar de frente o próprio umbigo. O Otávio III inventou, e eu gostei da ideia de escrever minha auto biografia não autorizada, não escondendo nada que nem mesmo eu gostaria de lembrar, contando com o direito que depois de escrever se eu não aprovar, posso me auto processar. Tudo tem jeito, por vezes mais de um jeito. Imagina. Estamos no primeiro dia do novo Verão e me lembrei do que me motivou a escrever este texto que foi exatamente o título. No Cabral eu e o Mário pensamos em registrar uma editora para minha auto biografia não autorizada, com  o seguinte nome: Não Procure Saber. Meu ódio à ciência e meu horror a tecnologia, finalmente me levarão a absurda crença em Deus. Uma piadinha é claro, mas que pretendemos seriamente levar a adiante. Em estado de natureza humana corrompida a graça interior é irresistível. Desafio ao duelo. A graça nem sempre obtém o efeito que Deus a destina. Um instante, por favor. Você está negando que o homem no momento de agir, é grato pela boa e completa realização? Sim nego! A vontade está submetida aos prazeres do momento. Merecer ou não com a natureza corrompida não se precisa ter necessariamente a liberdade de se ter necessidades. O homem deve ser libertado de toda a necessidade absoluta e até da relativa. É um erro semi pelagiano dizer que Jesus Cristo morreu por todos os homens! Você insulta a vontade divina! Cristo morreu para que o homem tivesse o desejo da salvação. Vontade pré existente é desejo. Meus pensamentos e ações não estão em meu poder. Minha liberdade é só um fantasma! Liberdade! O que significa afinal? Significa que entre duas ações, bem e mal, você pode escolher. Sim, mas deus não sabe de tudo? Sim. Então se eu escolher o mal ele já sabia? Claro. Então como pode dizer que sou livre, se tudo que faço é planejado antes? É chamado livre arbítrio, a graça de Deus o ajuda a escolher o bem. Mas se ele sabe que eu vou escolher o mal, é ele que decide não eu! Porque ele decidiu que eu escolhesse o mal? Deus trabalha de forma misteriosa. Durante a minha virtuosa convalescença, além do encanto do Dantas Motta, pude rever os filmes Mahler do Ken Russel e Via Láctea do Luiz Buñuel, que vislumbrei, depois de anos perdidos na minha bagunça habitual. Penso hoje em voz alta que deve fazer algum sentido.
  EMBARCAÇÃO NOTURNA

Coquetel fantasma à bandeja na aurora fria,
Trazendo – me, nos passos longos dos garçons,
Aquela pluma de galo que riscava de mulheres servidas,
Todo um tempo tecido de parede, retrato e chão.

Tempo de um pavor esquisito, enquanto quieto,
Caminhando por um enterro de homens e bromélias,
Té quando de mim os barbitúricos inda precisem,
E este beijo na fronte marque o sentido doutras ofélias.
    
Um umbigo não é taça. Mas nele floresce o mundo,
Entre formões, formóis, serrotes em flor serrando tíbias,
Para amanhecer, amanhã, nas grades outros ladrões.

Outros ladrões e outros chãos de emurchecidas flores,
Que não lograram viver hoje porque são ontem,
De onde tenho partido para nunca mais voltar.

Dantas Motta

Amizade: quando o silêncio a dois não se torna incômodo.
Amor: quando o silêncio a dois se torna cômodo.
 
Mario Quintana


Um comentário:

Anônimo disse...

um abração e obrigado por relembrar dantas motta. caio j. maciel