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domingo, 28 de dezembro de 2008

Jose Sette e Peter Schuman no Festival de Berlim 1987

100% CONFIDENCIAL
Em 1985 finalizei o meu primeiro e único filme de longa metragem produzido pela extinta Embrafilme. Depois de exibi-lo para um grupo seleto de apaixonados por cinema em São Paulo, onde foi considerado, pelos que ali estavam, o melhor filme do ano. Ganhei com ele três prêmios em festivais de cinema no Brasil e fui convidado, contra a vontade da diretoria da estatal, que só o produziu pela insistência do cineasta Carlos Augusto Calil, um amante do poeta Blaise Cendrars, para participar do Festival de Berlim Na Embrafilme, entidade de produção e distribuição do cinema brasileiro, criada e viciada pela repressão do estado militar – esconderam no porão a película e não mostraram para o Peter Schuman, diretor do Festival, que procurava conhecer o meu trabalho, pois tinha assistido ao meu curta metragem – Um Sorriso Por Favor - no Festival de Obenhausen, sobre o artista plástico Osvaldo Goeldi e havia gostado da estética cinematográfica do filme. Assistiu ao 100% Brazileiro em Belo Horizonte e me convidou, de pronto, para participar do Festiv
al. Este vídeo, feito em VHS, é o relato desta viagem.


Plano inicial do filme 100%BRAZILEIRO de jose sette

NOTÍCIA

AMAXON
Depois de um tempo me dedicando a literatura e as artes plásticas, retornei ao que mais gosto de fazer – cinema. Estou finalizando o meu novo longa metragem – Amaxon – onde a solidão, o desprezo, o limite, a farsa e o caos humano são os protagonistas da história e da transformação de Laura, uma escritora visionária.

Eu acho que consegui, com esta composição cinematográfica feita em vídeo, depois de algumas experiências bem sucedidas com o sistema digital, conquistar na gravação e na edição de Amaxon o máximo da tecnologia a mim oferecida por uma produção a custo quase zero.

Sou da época das moviolas, das trucas, dos equipamentos pesados de filmagem. Costumo afirmar aos amigos que por não ter conseguido emplacar os meus velhos projetos nos editais de cinema, renovei, melhor, elevei os meus conceitos sobre a arte de se registrar em imagem, agora digital, os textos, as músicas, os ruídos, os efeitos encontrados no silêncio cinematográfico dos meus fantasmas.

Procurei com essa formidável ferramenta de registro dar vazão as minhas loucuras e ao meu amor pela arte-cinematográfica - Kynoma - de uma maneira nova, sem prescindir de todo o conhecimento adquirido, a duras pena, em toda a jornada que é fazer cinema no Brasil.

Longo é o caminho! Consegui não enlouquecer – lembrando Murilo Mendes- "São dois olhos por fora e milhões de olhos por dentro" – combatendo as mil vozes que falavam sem cessar: – Preciso fazer cinema! Recitar poemas sobre as vagas estrelas do Cruzeiro do Sul! Viajar neste universo! E depois escrever na pedra a escrita indecifrável dos signos! Só escrever! Escrever só e.nada mais.

Escrever um livro é muito mais difícil que fazer cinema.

Mas fazer cinema dá muito mais trabalho.

O livro que escrevi conta três histórias de um mesmo casal. Eles levam uma vida de aventura e de conflitos irremediáveis – Laura e Lourenço e suas histórias. Poesia e Prosa - Livro e cinema - Trilogia da separação – Amaxon! Nada de novo. Mas é no texto reconstruindo a imagem que surge a novidade para o leitor e o espectador.

Amaxon é o quarto movimento deste livro. Ele tinha sido esboçado para o que seria o meu Quarteto de Alexandria, obra-prima de Lawrence Durrell. Não consegui chegar a tanto. O texto foi guardado para se tornar cinema. Em Amaxon os protagonistas da trilogia, já estão velhos, vivem o outro tempo - o fim do tempo. É lá que se desenrola a morte de todas as histórias.

Seria perfeito se eu pudesse produzir os quatro filmes. Seria sim um bom e novo quarteto. O último está pronto, faltam ainda três: Uma Conversa Sem Fim – Os Demônios – O Mar e o Tempo.

Quando estava indo de Belo Horizonte ao Rio, lá pelos idos de 85, editar com Dominique Paris e meu amigo Amauri "Um Filme 100% Brazileiro", dei uma entrevista a um jovem videomaker chamado Eder Santos sobre a diferença entre se fazer um filme e se gravar um vídeo. Ele editou a entrevista com imagens feitas por ele filmando, sem saber filmar - a câmera, uma super-8mm, em constantes movimentos – verticais, horizontais, giratórios - que tornaram abstratos os registros de sua viagem a Europa. Ficou engraçado o vídeo editado. Acabou tornando-se parte de uma instalação de muito sucesso. Não importa o meio, tem que se saber utilizar de todos os recursos disponíveis.

Venho trabalhando com vídeo desde 1982. Gravei toda abertura política por que passou o estado brasileiro e que resultou em um vídeo de longa metragem intitulado Liberdade. Assim sei, pela prática, que não se pode fazer um bom vídeo com a mesma estética, a mesma linguagem, que se faz um bom filme. São matérias de impressões diferentes – imprime-se um pelo calor e intensidade da luz, o outro pela frieza dos circuitos por onde os fotoelétrons em códigos binários constroem a imagem. Uma depende de muito dinheiro e a outro de dinheiro nenhum.

O cinema vem do teatro e o vídeo vem do rádio, da televisão.

Amaxon tem na sua composição imagens de três tipos de fotografia digital. A maior parte realizada, com maestria, pelo jovem fotógrafo cabo-friense Marcelo Pegado com sua câmera Cannon. Nas imagens adicionais eu usei uma Panasonic. As imagens de arquivos em Dvd. Tudo digitalizado e editado por mim em uma velha ilha Mac Final Cut 3.

Para o papel de Laura convidei a minha amiga e atriz do Teatro Oficina Vera Barreto Leite, que interpretou com arte e talento um texto difícil, teatral e nada coloquial. Para o papel de Lourenço, o ator do último filme do meu saudoso amigo Rogério Sganzerla, o impagável Otávio III. Acrescentei como personagens quatro seqüências de dois filmes que não foram finalizados, ambos rodados em 16mm, p.b. no início dos anos 70, INSIDE e MISTERIUS, com os inesquecíveis Paulo Vilaça e Guaracy Rodrigues, trazendo de brinde a maravilhosa Ligia Duran fotografada por Dirceu Weik.

Quando em Paris assisti na cinemateca aos filmes de René Clair e de Jean Cocteau, perguntei a mim mesmo o porquê corriam aquelas pessoas atrás de um velório em disparada? Essas imagens surreais sempre estão presentes com suas vozes zunindo em meus ouvidos e é hoje a minha metáfora sobre a arte inusitada de se fazer cinema. Um artista que corre atrás do seu caixão.

Amaxon é pura poesia quando penso em cinema de arte, experimental, revolucionário, em Falstaff, de Orson Welles e outros filmes que existem desconhecidos de todo o mundo, mas que ainda nos deixam extasiados na magia transcendental do oculto de novo experimentado.

É como ouvir novamente Villa-Lobos, Guarnieri, e muitos outros bons compositores que enchem de arte de primeira o sentimento de quem quer ouvir o canto sempre novo de suas musicas repletas de nossas melhores imagens. Afinal vivo em um país que é de cinema onde tenho dois filhos – um de sangue e o outro de coração – que são músicos e amantes do bom cinema. Os dois, Emiliano Sette e José Luiz, são os autores da trilha sonora de Amaxon. Posso dizer que estou orgulhoso dos dois. A composição - Infinito Azul, de Emiliano - que abre as cortinas de Amaxon, com sua poesia forte, pertinente, cantada pela doce Ava Rocha, a filha mais nova do genial Glauber, é puro cinema. E ela que também narra toda a trama. Sua voz é de uma estranha beleza nas variações melódicas dissonantes pontuando o mosaico de imagens propõe o enigma.
Finalizando a seqüência é o músico e compositor José Luiz que fecha esse paradigma de cinema e poesia, homenageando o mar e a lagoa no encontro mágico do Muiraquitã e depois nos apresenta, com estremo bom gosto, a trilha final de tema frenético, urbano, como contraponto a todo paraíso conquistado na figura mitológica de uma guerreira pura e livre.

Como compreender tudo isso sem observar com muita atenção Amaxon - o enigma proposto e depois decifrá-lo? - No mundo real a intuição dos gênios e a beleza das artes são controladas pela barbárie do dígito e pela desinformação do texto.

Em Amaxon cada pergunta busca uma resposta da narradora que com sua voz grave de trovão constrói com a protagonista um diálogo poético de todas as respostas.

Amaxon fica definitivamente pronto com o projeto da edição de som e mixagem que o meu sobrinho Damião Lopes está fazendo. O melhor editor de som da cidade e fecha com Emiliano e o Garimpo Estúdio Gávea a trilha final. Depois é tirar a cópia beta digital para este novo sistema de projeção por satélite que me esqueço do nome.

Assisti na Internet a um vídeo com Vera Barreto e Wally Salomão, parte de um grande projeto do poeta Tavinho Paes. O rosto jovem e bonito do minha protagonista, mulher brejeira, brasileira e o jeito malandro do poeta Wally Salomão, entusiasmaram-me de cara, ainda mais depois que eu ouvi o poema... (de quem é o poema?) fiquei encantado e providenciei logo para que aquelas imagens fizessem parte de Amaxon com o som de Caymmi e Isaurinha Garcia; Ana Sette, nossa competente produtora cuidou do assunto com o poeta.

Tenho que agradecer, antes de finalizar, a Marcos Azevedo, assistente de todas as horas, a Raquel Ribeiro, companheira de jornada e toda a equipe que trabalhou neste projeto que sabem que ainda há um longo caminho pela frente até que Amaxon chegue ao grande público, que está cansado de tanta mesmice e espera ávido por alguma novidade nas artes cinematográficas.

Amaxon é a novidade que fala e mostra o que você precisa ver e ouvir. Aguarde!


Festa brasileira - têmpera sobre papel - 2008