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terça-feira, 30 de dezembro de 2014

REFLEXÕES DE NOSSA CONTEMPORANEIDADE

BRASIL 1

“Quem quiser que se engane. Pois não existirá força alguma na terra capaz de impedir que o povo brasileiro realize seu destino como nação livre e independente. Pode dificultá-lo por algum tempo, mas ressurgirão, logo a seguir, mais forte ainda a sua vontade e sua determinação, sua vocação de liberdade e justiça social. São direitos fundamentais do povo brasileiro, destas multidões imensas que cobrem a grandeza de nossa pátria, direitos inalienáveis, que a esta altura da evolução humana ninguém lhes pode negar”.
Leonel Brizola

BRASIL 2

I. O governo inseguro
Como um povo colonizado durante séculos, sempre fomos condicionados a nos submeter a um sistema ou a um governante que o representava. Éditos reais e bulas papais determinavam os rumos e, como sempre, a inefável Santa Madre Igreja nos incutia falsos valores cristãos, que se convertiam rapidamente em dogmas de submissão e conformismo.
Quando esta estratégia não se mostrava suficiente, bastava que aparecesse um comandante militar que ordenaria aos meganhas: ‒ Senta o pau na macacada!  E a ordem voltava a reinar no terreiro.
Assim foi no final do século XVIII e XIX, quando movimentos nacionais como a Revolução dos Alfaiates na Bahia, a Inconfidência Mineira em Minas Gerais, a Revolução de 1817, a Confederação do Equador, a Praieira e a Cabanada em Pernambuco, a Cabanagem no Pará, a Guerra dos Farrapos no Rio Grande do Sul, entre muitos outros, sofreram a mão dura do império português e da monarquia recém-instalada.
Foi assim ‒ não por acaso ‒ que chegamos ao século 21, quando elegemos pela primeira vez um antigo operário como Presidente da República.  Até então havíamos tido muito poucos governantes com os quais nos identificamos emocionalmente e que reconhecemos como representativos da brasilidade. No curto período republicano de pouco mais de um século, somente poderiam ser lembrados Juscelino Kubitschek e João Goulart e, principalmente, Getúlio Vargas, chamado de O Pai da Pátria e certamente o maior estadista brasileiro.
Com a ascensão de Luís Inácio da Silva em 2003, abriu-se uma porta para a alteração das velhas e arcaicas estruturas sociais do país porque trazia com ela alguém que emergia dos estratos mais baixos da nação.
De certa forma, pode-se dizer que os programas da rede de proteção social implementados pelo novo presidente trouxeram uma pequena movimentação no sistema de classes. No entanto, esse processo ficou restrito a um pequena faixa da sociedade e, estimulado por várias linhas de crédito subsidiado, levou a um aumento do consumo mas não afetou o sistema de poder, que continua concentrado nas mãos do capital financeiro e nos grandes oligopólios industriais.
As mais recentes eleições puderam demonstrar de maneira cabal como as políticas públicas postas em prática pelos governos de Lula e Dilma Rousseff não alteraram em nada o sistema de distribuição de forças no nosso Bananão uma vez que todas as elites econômicas do país se perfilaram com o candidato Aecinho Neves e quase levaram à derrota a candidata da situação que, pelos benefícios que trouxe aos menos favorecidos em cujas áreas chegou a ser fragorosamente derrotada,  deveria contar com um maior apoio popular.
Ao final, graças a uma mobilização de última hora num esfacelado Partido dos Trabalhadores e contando com o apoio de setores de esquerda que continuam desconfiando de seu projeto neoliberal, a candidata à reeleição conseguiu se sair vitoriosa por uma pequena margem de 3% dos votos válidos em uma situação que ‒ dado o cenário político de contínuas denúncias de corrupção, clara falta de governabilidade, evidentes demonstrações de incompetência administrativa, pouca ou quase nenhuma coordenação política e tendência de uma deriva à direita, que pode levar à perda de apoio popular  ‒ prenuncia um tempo sinistro para o futuro governo de Dilma Rousseff.
Colocada diante de um dilema hamletiano de ser ou não ser: de um lado, conservar o mandato que já está em risco ‒ tendo para isto que abrir mão dos projetos que propôs durante a campanha eleitoral ‒ ou afrontar o vasto sistema de poder daqueles que manipulam os cordéis da nossa vida econômica e política ‒ necessitando então buscar o apoio das organizações sociais, sindicatos e partidos de esquerda, além da maioria da população brasileira que em geral se mantém distante da política, levando em conta a sua constante demonização pelos meios de comunicação ‒ , a nossa president(a) parece estar dando sinais de que começa a optar pelo não ser e passa agora a lutar pela preservação de um mandato que sequer teve início.
Os próximos dois anos definirão a natureza do projeto de longo prazo do nosso país: encontrar um caminho próprio, saindo de forma progressiva da órbita dos Estados Unidos e seu eixo belicoso integrado pela Europa, Arábia Saudita e Israel ou reassumir a sua posição de capataz do império ianque, contribuindo para a manutenção de uma ordem colonial que já perdura por mais de um século.      

Sérvulo Siqueira

sábado, 27 de dezembro de 2014

Sons da Contemporânidade

      O Anjo do Fogo

Diálogos da Internet

André Monteiro: Cláudio Oliveira (na veia!):
O ministério da oDilma é apenas um retrato, um reflexo do que é hoje o Brasil em termos de poder político. Os que se revoltam com o ministério deveriam se revoltar com essas forças políticas, com o fato de que elas existam e dominem. Só que se revoltar contra elas é bem mais complicado, do que se revoltar com a Dilma, porque todas essas forças políticas foram eleitas com o voto popular. Infelizmente, o Brasil real é esse aí que está no ministério da Dilma. Infelizmente, o congresso nacional é este aí que está representado no ministério da Dilma. A Dilma não elegeu esse congresso nacional mas vai ter que governar com ele. A Dilma tem que governar com o Brasil real, não com aquele que está nos sonhos dos que não estão nem aí para o Brasil real. Como se o Brasil real fosse culpa da Dilma.

José Vieira: A oferenda já e ainda existe , Barbara ... A hecatombe humana ... a cada 2 horas tem " um de cor " assassinado pelo estado .
André Monteiro: só vou dizer uma coisa: o governo Dilma, no Brasil real, não pode governar sozinho. de um lado, é fato, ele precisa
dialogar com um congresso conservador (há como governar sem ele? não. o PT, até agora, sempre fez um governo comprometido com causas populares, apesar de suas negociações, inevitáveis, com o referido congresso...). de outro, ele precisa dialogar com a sociedade, ou seja, coNOSCO. e o que nós estamos fazendo além de reclamar
desse governo? hum? estamos nos organizando? estamos criando alternativas concretas para esquerdizá-lo mais? Ou estamos apenas, além de reclamar, comendo das suas muitas melhorias sociais (nós, professores universitários, por exemplo, tivemos vários ganhos inquestionáveis nesse governo...) e nos acomodando preguiçosamente em nossos velhos ideias de mesa de bar... por que não reclamamos da nossa falta de atitude...? é muito fácil e muito triste ficar com essa saudade nostálgica e, ao mesmo tempo, melancolicamente futurista do PSOL... o PSOL seria melhor? em que termos? Com que bases? Jogar bola sozinho é muito fácil... todo mundo pode ser o Pelé ou o Garrincha
que quiser... entrar em campo e driblar os adversários concretos é que são elas... ou não?


José Vieira: Se houvesse algum poder extra capital ,o que não há !; Ainda sim quem governaria ( em termos quantitativo de representatividade ) seria o PMDB ...coligado com deus e o diabo na terra do não Sol . Mas voltando a realidade do poder capital , que foi distribuído de igual forma entre as 3 candidaturas potenciais , nota-se que - capital não tem partido , tem interesses . O grupo Soros que está arremanetando a Petrobrás , comprando ações etc...é o mesmo que apoia o Mujica e legalização da Maconha no Uruguai ... Ah , eles são " bonzinhos !!! - NÃIOO . Existe o interesse . Lula , Dilma , Obama ou qualquer fantoche , são um nada frente a um sistema que é auto gerido .O capitalismo .

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

MORTE E VIDA DA POETA


Florbela Espanca 

"Não basta conquistar a sabedoria, é preciso usá-la" - Cícero

08 de Dezembro de 1930: Suicida-se a poetisa portuguesa Florbela Espanca, no dia em que completava 36 anos

Florbela Espanca nasceu em Vila Viçosa, a 8 de Dezembro de 1894, sendo baptizada, com o nome de Flor Bela Lobo, a 20 de Junho do ano seguinte, como filha de Antónia da Conceição Lobo e de pai incógnito. É em Vila Viçosa que se desenrola a sua infância. Em Outubro de 1899, Florbela começa a frequentar o ensino pré-primário, passando a assinar Flor d'Alma da Conceição Espanca (algumas vezes, opta por Flor, e outras, por Bela). Em Novembro de 1903, aos sete anos de idade, Florbela escreve a sua primeira poesia de que há conhecimento, «A Vida e a Morte», mostrando uma admirável precocidade e anunciando, desde já, a opção por temas que, mais tarde, virá a abordar de forma mais complexa. Ainda no mesmo ano, Florbela começa a escrever uma poesia sem título, o seu primeiro soneto.
Conclui a instrução primária em Junho de 1906, entrando para o actual sexto ano de escolaridade em Outubro do mesmo ano. No ano seguinte, Florbela aponta os primeiros sinais da sua doença, a neurastenia; além disso, escreve o seu primeiro conto, «Mamã!». Em 1908, Antónia Lobo, a mãe de Florbela morre vítima de neurose, após o que a família se desloca para Évora, para Florbela prosseguir os seus estudos no Liceu André Gouveia, com o chamado Curso Geral do Liceu, cuja sexta classe (próxima do 10º ano actual) completa em 1912. Entretanto, em 1911, começa a namorar com Alberto Moutinho, mas acaba por se afastar deste, em virtude de uma nova paixão por José Marques, futuro director da Torre do Tombo. Após romper com este, no ano seguinte, Florbela reata o namoro com Alberto Moutinho e, a 8 de Dezembro, uma vez emancipada, casa com ele, pelo civil, aos 19 anos.
Em 1914, apesar de algumas dificuldades económicas, o casal muda-se para o Redondo, na Serra d'Ossa, onde abre um colégio e lecciona. Numa festa do colégio, Florbela recita, pela primeira vez, versos seus em público. É no ano seguinte que Florbela inicia o seu caderno «Trocando Olhares», que completa ao longo de cerca de um ano e meio. Em 1916, a revista «Modas e Bordados» publica o soneto «Crisântemos», cheio de alterações ao original, e Florbela torna-se amiga da directora e da sub-directora da revista, Júlia Alves, com quem, aliás, inicia correspondência. Alguns meses depois, torna-se colaboradora do jornal «Notícias de Évora», e desiste de um projecto intitulado «Alma de Portugal», um livro de acentuada carga patriótica, e que conteria as partes «Na Paz» e «Na Guerra».
Em 1917, após ter regressado a Évora, Florbela completa o actual 11º ano do Curso Complementar de Letras, com catorze valores; apesar de querer seguir essa área, acaba por se inscrever, em Outubro, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, o que a obriga a mudar-se para Lisboa, onde começa a contactar com a vida boémia. Na sequência de um aborto involuntário, em 1919, Florbela tem de se mudar para Quelfes, perto de Olhão, onde apresenta os primeiros sintomas sérios de neurose. Pouco depois, o seu casamento desfaz-se e Florbela decide ir para Lisboa prosseguir o curso, separando-se do marido, e passando a conhecer a rejeição da sociedade. Em Junho de 1919, depois de alguma correspondência trocada com Raul Proença, sai a lume o «Livro de Mágoas»; posteriormente, completa o terceiro ano de Direito. No ano seguinte inicia «Claustro das Quimeras»; simultaneamente, passa a viver com António Guimarães, em Matosinhos, com quem se casa em 1921, após o primeiro divórcio.
De volta a Lisboa, em 1923, Florbela vê publicado o «Livro de Soror Saudade», mas tem de se mudar rapidamente para Gonça, perto de Guimarães, para se tratar de um novo aborto. Assim, Florbela separa-se do marido, que pede o divórcio, oficializado em 1924; isso leva a que a família de Florbela não lhe fale durante dois anos, o que a abala muito.

Em 1925, depois de se ter mudado para a casa de Mário Lage em Esmoriz, casa com ele, pelo civil e, depois, pela Igreja. Dois anos depois, enquanto Florbela traduz romances franceses para a Livraria Civilização no Porto (que publica oito trabalhos seus), e prepara «O Dominó Preto», o seu irmão falece, o que a torna uma mulher triste e desiludida e inspira «As Máscaras do Destino». Enquanto a relação com o marido se desgasta progressivamente, a neurose de Florbela agrava-se bastante; é neste período que, possivelmente, se apaixona pelo pianista Luís Maria Cabral, a quem dedica «Chopin» e «Tarde de Música»; talvez por isso, tenta suicidar-se. Em 1929, Florbela passa por Lisboa, onde lhe é recusada a participação no filme «Dança dos Paroxismos», de Jorge Brum do Canto, e segue para Évora, onde, em 1930, começa a escrever o seu «Diário do Último Ano». Passa, então a colaborar nas revistas «Portugal Feminino» e «Civilização», e trava conhecimento com Guido Battelli, que se oferece para publicar «Charneca em Flor». Já em Matosinhos, Florbela revê as provas do livro, depois da segunda tentativa de suicídio, em Outubro ou Novembro, período em que a neurose se torna insuportável e lhe é diagnosticado um edema pulmonar. A 8 de Dezembro, dia do nascimento e do primeiro casamento, Florbela suicida-se, cerca das duas horas, com dois frascos de Veronal.

sábado, 20 de dezembro de 2014

DROGAS X DROGAS

Maconha, cinismo e sofrimento
Por Orlando Senna

A humanidade sempre consumiu drogas alucinógenas e drogas terapêuticas, muitas delas servindo para ambos propósitos. Inicialmente como substâncias naturais e, com a evolução da ciência, também como substâncias sintéticas. Na atualidade, o ponto central das discussões sobre as drogas alucinógenas é sua descriminalização (o usuário não ser considerado um criminoso) ou a manutenção das leis proibitórias que começaram a entrar em vigor, em vários países, a partir do inicio do século passado, como resultado da Convenção Internacional do Ópio, realizada em Haia em 1912, que elegeu a repressão como solução. O fato de âmbito global mais recente sobre o tema é um documento da ONU, de março deste ano, afirmando que a luta mundial contra as drogas, baseada na repressão, fracassou e sugerindo a descriminalização do consumo.
O objetivo central desse combate é neutralizar a gigantesca ação do crime organizado em todo o planeta, as “corporações do tráfico” que se conformaram como um poder enorme, desumano, infernal, atuando em muitas regiões como governos paralelos. Seria cômico se não fosse trágico o fato de que o nefasto tráfico de drogas existe e cresce como consequência da decisão dos governos de proibir sua produção e distribuição legais, lá em 1912. O acontecimento mais importante referente à luta contra o narcotráfico neste ano de 2014 foi a descriminalização da maconha no Uruguai, uma lei considerada pelos especialistas no assunto como exemplar para os demais países e destinada a acabar com o tráfico no seu território.
Apesar das descriminalizações no Uruguai e em mais dez países e em alguns estados dos EUA, a posição oficialista majoritária no mundo continua eivada de ignorância, preconceito, contradições berrantes e interesses econômicos. O álcool e o tabaco, com níveis de toxicidade e geração de danos muitíssimo maiores do que a maconha, são considerados em todo o Ocidente e parte do Oriente como drogas legais, aptas para o consumo. Governos e grandes empresas midiáticas não querem mudar essa situação porque ganham muito dinheiro com ela. Os governos com os altos impostos cobrados por esses produtos, permitindo sua circulação e consumo e, ao mesmo tempo e cinicamente, fazendo campanhas sobre seus males. A grande mídia com a manutenção do cinismo, lucrando com anúncios pró e contra. Do álcool abertamente, de cigarros disfarçadamente (merchadising em filmes e novelas) porque estão proibidos.
Nesse caldo de cultura perverso viceja a maconha, que por ser uma “droga ilegal” também não pode ser utilizada como droga medicinal, apesar das comprovações científicas de várias propriedades terapêuticas da cannabis, incluindo a melhora ou superação de náuseas, vômitos e falta de apetite de aidéticos e pacientes submetidos à quimioterapia, eficácia no tratamento de glaucoma e efeitos analgésicos. Desde a década passada, vítimas de esclerose múltipla, alzheimer e depressão vêm encontrando na maconha um paliativo poderoso para seus sofrimentos e muitos cientistas dizem que os benefícios para outras doenças só não estão confirmados porque faltam recursos para pesquisas sobre a cannabis. Produtos sintetizados de canabinoides, ou seja, medicamentos legais à base de maconha, só existem na Alemanha e EUA (dronabinol), Inglaterra, Canadá e México (nabilone), com controle de tarja preta. Nos EUA e Canadá esses medicamentos não podem ser adquiridos por estrangeiros.
No Brasil, presume-se que já são milhares as pessoas que, durante tratamentos quimioterápicos, usam maconha para diminuir ou evitar os danos colaterais causados por esse procedimento. Muitos pacientes são aconselhados pelos seus médicos a fazer isso, já que o THC, o tetrahidrocanabinol, principal substância da maconha, é o único lenitivo comprovadamente funcional para esses danos. Os médicos apenas aconselham, não podem receitar porque não há fórmulas sintetizadas no Brasil, não se pode importar e o uso por inalação é crime no país.
Alguns desses pacientes têm a sorte de encontrar as santas pessoas que, correndo o risco de serem consideradas criminosas, cultivam a planta em suas casas para uso medicinal. Outras pessoas são forçadas a comprar a droga de traficantes para amenizar seus sofrimentos ou de familiares (acabo de ver na TV uma senhora dizendo que faz isso para amenizar as náuseas e tonturas de sua filha pequena e que, se for presa, outra pessoa da família continuará fazendo o mesmo). A estupidez e a ganância humanas, neste caso por parte de governantes e empresários, continua a fazer suas vítimas.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

CUBA


17 de dezembro de 2014

 O canto de sereia*(ou cavalo de Tróia?) americano em Cuba

O reconhecimento diplomático de Cuba ‒ trombeteado pelos meios de comunicação corporativos como um gesto de grande liberalidade do governo genocida de Barack O'Bomber ‒ é também o reconhecimento do fracasso de uma política minuciosamente planejada e executada durante mais de meio século.

Após vir tentando sufocar o povo cubano por mais de 50 anos ‒ por meio de um brutal bloqueio econômico, contínuos atos de terrorismo, financiamento de grupos de oposição, guerra bacteriológica e sabotagem ‒ o império americano acena agora com insignificantes migalhas no intuito de ludibriar o adversário.

Desde o início da década de 1960, os gringos recorrem a todo o tipo de expedientes para desestabilizar a pequena ilha situada a menos de 100 milhas do estado americano da Florida. O reconhecimento diplomático do país caribenho é um claro indicador de uma vitória do governo e do povo cubanos porque demonstra que o império americano não foi capaz de tomar o poder em Cuba como o fez em quase todas as nações da América Latina, que sempre considerou como seu quintal.

Como pretendem os ianques que todo este imenso currículo de atos delinquentes protagonizados desde a invasão militar de Playa Girón (1961) e as centenas de tentativas de assassinato de Fidel Castro, sem contar outros tantos atos de provocação e desestabilização, sejam subitamente esquecidos pelo governo e o povo da ilha? Quais são os indicadores que apresentam para que os cubanos acreditem agora que o governo de Washington os respeitará no futuro, ao invés de considerá-los apenas uma colônia de férias que um dia ousou conquistar a sua independência?

Como, então, nem uma palavra sobre o fim imediato do bloqueio econômico imposto à pequena ilha ‒ um odioso ato de guerra que perdura por mais de 50 anos a despeito de sua quase unânime condenação pela esmagadora maioria dos países membros da Organização das Nações Unidas, que a cada ano vota pela sua extinção? Ao longo do tempo, várias estimativas foram levantadas sobre os efeitos catastróficos do bloqueio sobre as condições de vida em Cuba e considera-se hoje que ele possa ter trazido um prejuízo de várias centenas de bilhões de dólares para o país caribenho. Os Estados Unidos estariam dispostos a reparar todos esses danos?

E quais os argumentos que Tio Sam utilizou para justificar um ato tão ignominioso? Nos primeiros tempos, dizia-se que Cuba organizava e treinava grupos subversivos na América Latina mas não se esclarecia que muitos desses grupos lutavam para derrubar ditaduras fabricadas e patrocinadas pelo governo dos Estados Unidos.

Mais tarde, nem mais este argumento se tornou possível porque ‒ com a exceção das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) ‒ as guerrilhas e os movimentos armados de esquerda foram desaparecendo progressivamente do cenário da região.

O bloqueio, no entanto, não apenas persistiu mas foi até acentuado pela legislação do Congresso americano, que o tornou ainda mais cruel e impiedoso.

Por fim, o presidente afro-americano dos Estados Unidos anunciou hoje que o império ianque finalmente reconheceu diplomaticamente o governo de Cuba mas não foi capaz de extinguir este infame bloqueio que impede, por exemplo, que uma empresa que comercia com Cuba, ou que apenas aporte em território cubano, possa estabelecer qualquer relação comercial com uma firma dos Estados Unidos e o governo de Washington, ou com qualquer outra empresa que mantenha relações com estes entes, por um período de sete anos.

Como compensação para que o povo cubano aceite esta manifestação de tanta generosidade, Obama oferece agora uma pequena ajuda em tecnologia, aumenta o valor das remessas que cubanos podem fazer ao seu país natal e acena com a chegada dos seus meios de comunicação, ONGs, além da possibilidade do fim do bloqueio somente após sua votação no Congresso dos Estados Unidos. Logo deverão chegar os tecnocratas, os executivos, as think-tanks com projetos mirabolantes para a implementação da tão desejada retomada do paraíso tropical perdido em meados do século passado.

Subsiste no entanto uma pergunta. Obama estaria pretendendo que Raúl Castro e seu irmão Fidel, assim como todo o povo cubano, acreditem que um congresso extremamente reacionário ‒ completamente dominado por republicanos da pior extração ‒ irá decretar o fim de um bloqueio que já dura mais de 50 anos?

Como não se pode imaginar que seu raciocínio seja assim tão primário, é natural supor que suas intenções devam ir um pouco mais além. O genocida presidente norte-americano estaria pretendendo vestir uma outra pele e, se não parecesse injusto com os animais ‒ que têm mais dignidade ‒ se poderia dizer que Obama troca agora a pele de lobo por uma outra de cordeiro e acredita que, com este gesto, vai reconquistar a confiança dos povos da América Latina que os Estados Unidos vêm progressivamente perdendo.

Talvez esteja convicto também ‒ movido por uma realpolitik que vigora desde os tempos de Felipe da Macedônia ‒ de que "não há fortaleza que resista se você fizer entrar nela um burro carregado de ouro".

Os tempos mudaram e hoje não há mais burros carregados de ouro e nem os americanos estariam dispostos a carregá-los, especialmente para alguns cucarachas do Caribe. Podem apenas tilintar algumas moedinhas e foi isto que fizeram no dia histórico de hoje.

Por outro lado, não deixa de parecer estranho que o reconhecimento ocorra exatamente no momento em que Washington joga todas suas cartas visando a destruição da Rússia, o grande aliado de Cuba ao longo dos últimos 50 anos e seu maior defensor diante do bloqueio americano. Deixariam os cubanos uma antiga aliança ‒ não tão sólida hoje quanto no passado, mas ainda assim bastante consistente, com um amigo de longa data ‒ por um vago gesto de amizade de um velho inimigo?

Os cubanos certamente irão debater por algum tempo esta decisão aparentemente tão abrupta. Por certo, devem ponderar o histórico dos Estados Unidos, o país mais belicoso do século 20 e que, paradoxalmente, nunca fez uma declaração formal de guerra, sua prática de não assinar acordos e ‒ depois de assiná-los ‒ de jamais cumpri-los, sua natureza essencialmente imperialista e de domínio contida no ideário do destino manifesto, sua obsessão, frequentemente referida por Obama, em se considerar uma nação"excepcional" e, muito provavelmente, seu retrospecto de recorrer à velha diplomacia canhoneira quando contrariados em seus propósitos.

Também deverão levar em conta a reflexão ‒ que citam com frequência ‒ de um seus heróis, o poeta José Martí:

‒ Viví en el monstruo y le conozco las entrañas…
             

                                                                                   Sérvulo Siqueira

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

CRÍTICA DE CINEMA



ORÁCULO DE CINEMA

Dois Casamentos. Inusitado. Perturbador. Iconoclasta. Divisor de Águas. Filosófico. Futurista. Preciso. Precioso. Profundo. Contundente. Prosa Poética. Cinema de Autor e de Amor. Transgressor e Inventivo. Provocativo e Evocativo. Emissor de Reflexões Existenciais.  Enfim tudo que o bom cinema deve nos provocar quando se trata de uma obra de arte.
Rosemberg retira da caverna da alma um tesouro de conhecimento e percepção ao confrontar duas mulheres noivas, nos seus sonhos burgueses, redescobrindo o tempo e projetando a realidade de suas míseras existência, dos seus infortúnios, no palco da vida em busca do seu significado.  
Rosemberg constrói assim um magistral diálogo dramático, cheio de significantes, desnudando a trama burguesa da felicidade, desconstruindo o ideal e a moral, arrebatando psicologicamente dois personagens para que nós (“dentro de um único espectador”) pudéssemos imediatamente construir um novo olhar (“um olho por fora e milhões de olhos por dentro” diria o poeta Murilo Mendes) dentro da mesma personagem, da mesma pessoa em prosa libertária. Um espetáculo digno do bardo inglês vestido de noiva.
Rosemberg supera a si mesmo, retorna a Grécia para encontrar a suas musas, Gaia e Piton, no templo de Delfos e ambienta esse encontro criativo nas cavernas de Platão, entre sombras terrenas e luzes celestes, pois só assim pode observá-las, desnudá-las, amá-las, quando as dirigindo, com seu bordado criativo, barroco, retirando do caos as curvas sinuosas de todo dinamismo do movimento cênico, do ato perfeito, do equilíbrio e de todo prazer que  encontramos nessas duas extraordinárias atrizes, PATRICIA NIEDERMEIER e ANA ABBOTT, que há muito tempo eu não via no cinema brasileiro.  
Rozemberg, meu caro, não há texto que possa esboçar a beleza de um filme onde cabe um pedaço grande de todos os nobres sentimentos das mulheres em relação à liberdade e ao amor, que você, como que pintando um quadro, vai, em fortes pinceladas, desvendando o grande quebra-cabeça, a forma, uma a uma , peça por peça, até colocá-las nuas e provocativas buscando, neste eterno conflito da libido, discutir a sensualidade, a pulsão sexual, a energia vital, a paixão que só o cinema poesia pode nos permitir.
Rosemberg, além do excelente texto que constrói o diálogo, da direção competente e segura, das duas maravilhosas noivas, atrizes sem os véus do realismo novelesco, muito comum hoje na dramaturgia brasileira, você criou, com o seu cenógrafo, um cenário de fim de mundo, digno do Hamlet de Orson Welles, realçado com as cores fortes e equilibradas que o seu fotógrafo, VINÍCIUS BRUM (o seu Gregg Toland), conseguiu registrar e imprimir. A música/trilha de Rodrigo Marçal e Luciano Corrêa tem grandes momentos, assim como a edição da Joana Collier é correta, todas essas combinações de talentos conseguem a colagem cíclica que o filme pede e necessita.
Quero, para finalizar esses mal traçados comentários, quase críticos, parabenizar CAVI BORGES e os produtores do filme “Dois Casamentos”, que numa demonstração de coragem e sensibilidade artística deram a Rosemberg, esse talento cinematográfico que estava esquecido pelos meios que produzem cultura no país, a oportunidade, mais uma vez, de exibir na tela grande um filme único, uma obra-prima que todos deveriam assistir e que faltava na história do cinema poético, inteligente e de arte brasileiro.

Jose Sette - dezembro de 2014.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Quatro Textos Brasileiros


GUERRA DE CANUDOS

Canudos é a nossa guerra-síntese.
Uma comunidade pobre lutando contra os poderes locais e as condições difíceis do sertão baiano, liderada por um religioso carismático, é massacrada pelas forças do governo após o engajamento quase unânime das elites políticas, das populações urbanas e da imprensa.
Jornais de todo o país, aliados de interesses políticos e econômicos agrupados com o recente surgimento da República, começaram a divulgar os “perigos” da existência de uma aglomeração de despossuídos que desenvolviam atividades de subsistência e se recusavam a reconhecer a autoridade do novo regime – inclusive se negando a pagar impostos para um governo no qual definitivamente não confiavam.
Para a “opinião pública” nacional, urbana, branca e instruída, tratava-se de um bando de miseráveis e fanáticos, mestiços, negros e índios que não se enquadravam na ordem civilizada que se espalhava a partir do sudeste desenvolvido.
Canudos devia ser destruído.
E assim foi feito. Os habitantes do arraial, inicialmente preocupados em sobreviver e rezar, resistiram, atraíram adeptos de outras áreas do nordeste, organizaram grupos que caçavam soldados da ordem como costumavam caçar animais em tempos de fome aguda e impuseram derrotas vergonhosas às forças oficiais. Mas, ao fim, caíram: foram massacrados sem piedade, com tiros de canhão, incêndio generalizado e degola indiscriminada de prisioneiros dominados.
Euclides da Cunha, que nunca foi um homem suave, deu o tom do evento: Canudos foi um crime. Este crime, podemos acrescentar hoje, foi construído paulatinamente nas páginas de uma imprensa associada aos interesses dominantes em uma sociedade profundamente desigual.
Sabemos que a História não se repete, às vezes em farsa e outras vezes em tragédia, mas temos a sensação de que seus capítulos mais sombrios custam a terminar.


SERPENTÁRIO DE INTRIGAS

Viver demanda muita urticária e pouco siso. Requer extremos de agonia e muita baba cósmica para entender o serpentário de intrigas que nos rodeia. A cada esquina um bote sorrateiro de cobra cascavel. Estas até que são singelas amigas se puder compará-las com as cobras de duas patas que andam de tocaia, em cada rua ou em cada esquina. Se descuidar, o veneno entra pela sua jugular e causa morte instantânea.
“Navegar é preciso; viver não é preciso”, já dizia o poeta italiano Francesco Petrarcha. Esta frase pode ser o cerne do entendimento humano, adaptada por Fernando Pessoa, poeta lusitano, em determinado trecho: Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso.” / Quero para mim o espírito desta frase, / transformada a forma para casar com o que eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar. / Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. / Só quero torná-la grande, / ainda que para isso tenha de ser o meu corpo / e a minh`alma a lenha desse fogo”.
O grande dilema humano está na decência de ser decente ou na penúria de ser um reles bastardo, sem escrúpulos. Se, preciso for, é capaz de pisar na garganta do amigo para satisfazer seu ego pouco produtivo e se apequenar no puxa-saquismo para manter o status quo.
A mim me parece que ser o serpentário de intrigas produz tantos ninhos de cobras que o Butantã ficaria feliz de tê-lo por perto. Entretanto, o veneno sem modificações mata. E assim, as víboras se disfarçam em companheiros para inocular o veneno. A alma decente, que nada teme e nem produz substâncias maléficas, tem sempre o antídoto de reserva.
Ah! que bom seria de nós se não tivéssemos amigos tão vulneráveis ao desejo de traição? O que seria de nós se não pudéssemos ter inimigos travestidos de amigos? O que seria da nossa alma se não pudéssemos reconfortá-la com doses homeopáticas de perdão?
Não bastasse o maldito e eterno patrulhamento ideológico, vivemos debaixo de nefastas intenções, onde o vale-tudo é a porta de entrada para a satisfação do ego multifacetado de gente que se esconde até da própria sombra. Ou de gente tão narcisista, que, dependendo do dia, se olhar no espelho, dá uma porrada para destruí-lo.


UM SONHO QUE TIVE COM VOCÊ
Jose Luiz Vieira

Bicho! Que sonho eu tive essa noite com você...
Estávamos nós dois em uma casa que dava de frente pra um morro íngreme e sem fim que acabava no céu de tão alto.
Era um lugar estranhíssimo quando de repente eu comecei a ver rolar uns torrões de terra, como no início de uma avalanche, mas era tudo em câmera lenta... Pareciam flocos de terra rolando.
A coisa foi ficando crítica, mas ao mesmo tempo era tudo tão lento que parecia inofensivo até que um torrão te acertou na cabeça, mas nada te aconteceu de grave, apenas ficamos mais apreensivos com o que poderia ocorrer e acabamos abandonando a casa.
Passou um tempo e eu não me lembro de o que aconteceu logo após sairmos.
Sei que fui dar uma volta e andando no meio de um areal comecei a reparar que no céu as nuvens formavam nítidas figuras femininas, mas nada muito realista. Então resolvi fotografar com meu celular pra te mostrar porque estavam interessantes, mas quanto mais eu fotografava mais nítida iam ficando e começavam e se colorir e a se movimentarem como se estivessem vivas. De repente milhões de figuras se formaram no céu: hipopótamos que corriam pelo céu e iam descendo em direção ao areal, mas não corriam com os pés no chão, flutuavam sobre a areia em direção ao mar.
Um ônibus passou e eu adentrei na intenção se sair logo dali porque já estava meio assustado com tudo aquilo e também queria logo te mostrar as fotos...
No meio do caminho percebi que o ônibus ia para um lugar estranho e saltei dele depressa. Mas ao descer vi uma sacola no chão, peguei-a porque resolvi levá-la também até você.
Passou um longo tempo e nos encontramos não sei onde. Era outro apartamento. Cheguei com ansiedade que me é característica, louco pra te mostrar as fotos e fomos tentar vê-las no celular...
As fotos haviam se tornado vídeos - não sei como, e começamos a enlouquecer assistindo, porque tudo era muito colorido e as figuras louquíssimas... Mulheres extravagantes, hipopótamos voadores, etc.
Então depois de um tempo você me perguntou que sacola era aquela que estava comigo. Não soube te responder, apenas disse que estava na rua e a peguei ao descer do ônibus.
Vamos ver o que tem aqui dentro! Eu disse colocando a mão dentro da sacola. Lá de dentro saíram várias fotos de pessoas as quais nenhuma eu conhecia e você, para meu espanto, conhecia todas. Havia uma foto de um cara que parecia muito com o teu pai, mas não era exatamente ele, apenas lembrava.
Depois de vermos as fotos você me perguntou o que mais havia ali dentro e eu, sem saber te responder, coloquei a mão pra averiguar... Saiu lá de dentro um objeto enorme sem a menor função prática, apenas decorativa, mas muito antigo e lindo feito de madeira e vidro. Eu percebendo que você se encantou com objeto logo disse "eu achei e é meu! Mas também não sabia o que fazer com aquilo e você novamente me perguntou: - O que mais tem ai? Fui eu novamente colocar a mão na sacola e saiu outro objeto e mais outros eram todos lindos e pareciam coisas de outras épocas feitas por outras culturas... eram utensílios que não sabíamos pra que servia ...mas a gente ficava maluco ao vê-los porque eram lindos ...e não sabíamos como aquilo tudo saía da sacola que era de papelão e pequena...
Não me lembro de mais nada...


REFLEXÕES DE JABUTICABA
Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora.
Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras ela chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. (...)
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos: quero a essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir dos seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados e deseja tão somente andar ao lado do que é justo.

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo. O essencial faz a vida valer a pena" (Rubem Alves, 1933-2014)

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

DE VIEIRA A BORGES



DO PADRE ANTÓNIO VIEIRA . . .

Príncipes, Reis, Imperadores, Monarcas do Mundo: vedes a ruína dos vossos Reinos, vedes as aflições e misérias dos vossos vassalos, vedes as violências, vedes as opressões, vedes os tributos, vedes as pobrezas, vedes as fomes, vedes as guerras, vedes as mortes, vedes os cativeiros, vedes a assolação de tudo? Ou o vedes ou o não vedes. Se o vedes como o não remediais? E se o não remediais, como o vedes? Estais cegos. Príncipes, Eclesiásticos, grandes, maiores, supremos, e vós, ó Prelados, que estais em seu lugar: vedes as calamidades universais e particulares da Igreja, vedes os destroços da Fé, vedes o descaimento da Religião, vedes o desprezo das Leis Divinas, vedes o abuso dos costumes, vedes os pecados públicos, vedes os escândalos, vedes as simonias, vedes os sacrilégios, vedes a falta da doutrina sã, vedes a condenação e perda de tantas almas, dentro e fora da Cristandade? Ou o vedes ou não o vedes. Se o vedes, como não o remediais, e se o não remediais, como o vedes? Estais cegos. Ministros da República, da Justiça, da Guerra, do Estado, do Mar, da Terra: vedes as obrigações que se descarregam sobre vosso cuidado, vedes o peso que carrega sobre vossas consciências, vedes as desatenções do governo, vedes as injustiças, vedes os roubos, vedes os descaminhos, vedes os enredos, vedes as dilações, vedes os subornos, vedes as potências dos grandes e as vexações dos pequenos, vedes as lágrimas dos pobres, os clamores e gemidos de todos? Ou o vedes ou o não vedes. Se o vedes, como o não remediais? E se o não remediais, como o vedes? Estais cegos.»
(Padre António Vieira, Sermão da Quinta Feira de Quaresma, 1669)

Poema de Jorge Luis Borges
Arte Poética
Olhar o rio de tempo e água
e lembrar que o tempo é um outro rio,
saber que nos perdemos como o rio
e que os rostos passam como a água.
Sentir que a vigília é outro sonho
que sonha e que a morte
que teme a nossa carne é esta morte
de cada noite, que se chama sonho.
Ver em um dia ou um ano um símbolo
Dos dias do homem e de seus anos,
E converter o ultraje dos anos
em uma música, um rumor e um símbolo,
ver na morte o sonho, no pôr-do-sol
um triste ouro, tal é a poesia
que é imortal e pobre. A poesia
volta como a aurora e o pôr-do-sol.
Às vezes numa tarde uma cara
Observa-nos do fundo de um espelho;
A arte deve ser como esse espelho
Que nos revela nossa própria cara.
Contam que Ulisses, farto de prodígios,
Chorou de amor ao divisar sua Ítaca
De verde eternidade, e não prodígios.
Também é como o rio interminável
Que passa e fica e é cristal de um mesmo
Heráclito inconstante, que é o mesmo

E é outro, como o rio interminável.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

O TABACO E A LIBERDADE



Por detrás do antitabagismo
Mario Drumond
Peço ao leitor que veja este artigo com olhos livres e sem preconceitos; escrevo-o desinteressadamente e a favor do bom senso e do debate civilizado. Por ser uma voz solitária neste tema-tabu tive de alongá-lo para que contivesse toda uma argumentação inédita nos meios de comunicação (incluindo os “alternativos”), pelo que peço também a sua paciência.
Começo por alguns dados pesquisados na web em fontes que podemos considerar como idôneas, pelo menos para as questões que aqui vamos abordar.
A ONG inglesa ASH (Action on Smoking and Health), dedicada ao antitabagismo, tem motivos para se orgulhar dos dados estatísticos que vem obtendo desde o início de suas pesquisas em 1974: a proporção da população adulta fumante (maiores de 16 anos) na Inglaterra caiu vertiginosamente de 45% naquele ano para 20% em 2012. É uma bruta queda real de 56% na proporção de fumantes! E radical se considerarmos o substancial aumento da população no período e que lá, ao contrário da maioria dos países ocidentais, o debate sobre o tabagismo é aceito com naturalidade e sem histerias, existindo até ONGs  que se dedicam à crítica do antitabagismo, sem constrangimentos (como p. ex. a Forest).
É possível que tal queda no número de fumantes tenha sido ainda maior nos EUA e em países como o nosso onde só há espaços para a campanha antitabagista. Jornais brasileiros em matérias recentes sobre a nova (e mais rigorosa) legislação antitabagista, citando o INCA (Instituto Nacional do Câncer), publicam que, “no Brasil, pouco mais de 11% da população adulta é fumante” (portanto, se nossos números em 1974 fossem semelhantes aos da Inglaterra, teríamos aqui uma queda de 75%!). A OMS (Organização Mundial de Saúde) “estima” em um terço de fumantes na população mundial. Ou seja, eles não se entendem em suas diversas “estimativas”. Mas, para efeito deste artigo, vamos considerar os números ingleses como uma média referencial da vitória antitabagista no chamado “mundo ocidental”.
Ora, tamanha vitória deveria significar uma substancial derrota não somente do tabagismo, mas, também, ao menos em um grau de razoável proporcionalidade, das doenças que os antitabagistas denunciam como causadas pelo nefasto uso do tabaco. Afinal, seria (ou deveria ser) este o objetivo da campanha antitabagista, não? Eis que, neste ponto, surgem severas contradições para as quais chamamos a atenção do leitor.
O National Cancer Insitute (EUA) publica em complexas e detalhadas tabelas as variações medidas sobre a incidência dos diversos tipos de câncer na população daquele país, no período compreendido entre 1975 e 2011. Nelas constatam-se quedas insignificantes (se comparadas com a de fumantes), entre zero e 2,1%, e até ocorrências de aumentos também residuais. Se considerarmos a espetacular evolução das tecnologias médicas e farmacêuticas que nos são ostentadas quase diariamente pelos meios de comunicação, temos de reconhecer que há um empate com sabor de derrota nesta luta em que a enorme queda verificada no tabagismo para o mesmo período pouco ou nada contribuiu.
Resultados parecidos verificam-se nas “doenças isquêmicas do coração e cerebrovasculares, nas cinco regiões do Brasil, no período de 1981 a 2001”, um estudo publicado pelo Ministério da Saúde e Instituto do Coração do Hospital das Clínicas – FMUSP (vários autores) acusando inclusive crescimentos relativamente substanciais observados nas regiões mais pobres do país.
Não é o nosso propósito tratar a questão do tabaco e dos males que por desventura causa aos que dele fazem uso, eis porque ficamos apenas nessas duas que consideramos significativas contradições constatadas em rápida pesquisa na web. O que este artigo propõe é o debate sobre a campanha antitabagista, particularmente no Brasil, e os males que causa aos que desgraçadamente dela se tornam vítimas (e não me refiro apenas aos fumantes).


A verdade irrefutável é que, em números absolutos, apesar da queda abismal no consumo de tabaco que se verificou nos últimos 40 anos de combate ao tabagismo houve um crescimento astronômico das diversas patologias supostamente causadas pelo tabaco. Neste período a população mundial mais que duplicou e, apesar dos grandes avanços científicos e tecnológicos,  o mesmo (senão mais) parece ter ocorrido na incidência dessas patologias na população adulta. Não deve ser por outro motivo que proliferam por todo o “ocidente” gigantescos complexos hospitalares e farmacêuticos e o negócio da doença (ou “da saúde”) tornou-se o mais lucrativo do mundo, superando até o negócio do petróleo (fonte: Wall Street Journal).
Se o leitor se der ao trabalho de repetir a pesquisa “antitabagismo” que fiz no Google (fui até a página 25 dos 167 mil itens encontrados) verá que quase todos os sites antitabagistas comemoram suas vitórias nas reduções de fumantes, cada qual com seus próprios números. Contudo, não encontrei algum que mencionasse as melhorias conquistadas na saúde da população ou que as comentasse a partir de dados concretos. Pelo que me parece, no que diz respeito ao (que deveria ser) seu objetivo maior, ou seja, a melhoria da saúde da população, as campanhas antitabagistas resultaram em um redondo fracasso.
Então, por que permanecem sem maiores questionamentos ou autocrítica, sempre na mesma tática “persuasiva” e com os mesmos meios e mensagens, ao longo de quatro décadas?
O pessimamente mal escrito verbete “Movimento Antitabagismo” publicado em nossa língua no Wikipédia parece jactar-se de que “a primeira proibição anti-tabagista (sic) nacional da era moderna foi a do movimento anti-tabagismo (sic) na Alemanha nazista, imposta pelo Partido Nazista em todas as universidades, correios, hospitais militares e escritórios do Partido Nazista na Alemanha” (ufa! uma frase quatro vezes nazista), citando como fonte o trabalho do prof. Robert N Proctor (Pennsylvania State University, EUA) intitulado The anti-tobacco campaign of the Nazis: a little known aspect of public health in Germany, 1933-45.
No abstract da obra citada que encontramos na web o prof. Robert não menciona esse pioneirismo da “era moderna” por parte dos nazistas. Ele diz o seguinte: “a Alemanha teve a campanha antitabagista mais poderosa do mundo (world's strongest) na década de 1930 e início dos anos 1940, abrangendo proibições de fumar em espaços públicos, proibições de publicidade, restrições para mulheres e a epidemiologia do tabaco, ligando o seu uso com a epidemia já evidente de câncer de pulmão. Aquela campanha antitabaco deve ser entendida como pano de fundo da busca nazista pela pureza racial e corporal (...)”. Informa também que Adolfo comandava pessoalmente a campanha afirmando que o tabaco era a “vingança dos peles-vermelha contra os brancos que lhes levaram a aguardente” e seu uso degenerativo se demonstrava nos “inimigos fumantes Stalin, Churchill e Roosvelt, enquanto ele próprio e seus aliados Mussolini e Franco dignificavam a espécie humana por serem antitabagistas”.
Claro que devemos confiar mais no prof. Robert do que no site que o menciona. Não pretendo ler a obra dele e nem encontrei menções na web sobre se chegou a verificar e comentar o resultado daquela world's strongest campanha antitabagista para a melhoria da “raça”, se é que ela chegou a obter algum resultado. Porém, creio que se resultados positivos fossem constatados ali é evidente que o site os divulgaria euforicamente.
Pelo lado oposto, o também (menos) mal escrito site da ONG inglesa Forest que critica as campanhas antitabagistas, mas se confessa “ciente dos riscos à saúde associados ao tabaco e à natureza destes riscos”, argumenta: “o Professor Sir Richard Doll (o primeiro a descobrir uma correlação entre tabagismo e câncer de pulmão em 1950) constatou que quem começar a fumar quando adolescente e parar com 30 anos, corre um risco de dois por cento de desenvolver câncer de pulmão; se parar com 50 anos, o risco sobe para oito por cento; se parar com 70 (ou seja, fumante há mais de 50 anos), o risco sobe para 16 por cento”.
Não vamos tomar este como um “argumento científico”. Porém, não podemos negar que se trata de uma conjectura plausível (e douta) que começa a explicar as contradições aqui apontadas. E é bem mais sensata do que as “estimativas” do INCA que, sem nenhum respaldo científico, “mostram que cerca de 90% dos casos de câncer de pulmão, o mais comum de todos os tumores malignos, estão relacionados ao tabagismo” ( jornal O Tempo, BH, MG; grifo meu). Se assim fosse, como se explicam as contradições acima denunciadas?
A Forest menciona também (sem dar nomes aos bois) os fatores positivos do tabagismo no combate ao estresse e “pesquisas que sugerem que o tabagismo ajuda a afastar o mal de Alzheimer”, mas sem os nomes dos bois não vamos considerar tais argumentos.
Por sinal, a absoluta ausência de respaldo em nomes ou referências idôneas, estatísticas confiáveis, fundamentação científica ou cultural é o que, de imediato, se faz notar nas campanhas antitabagistas. Campanhas meramente proibitivas, de corte nazifascista (como vimos acima), sem conteúdos educativos e com fortes componentes terroristas. Dominam com certa facilidade, usando “táticas” de medo e terror, as mentes inseguras e desprotegidas de análises críticas da realidade induzindo-as ao preconceito, à ignorância e à arrogância. Emulam assim o conformismo, a repressão e o estado policial fomentando ódio, ira e violência cujas infelizes consequências acabam sendo os “retornos” mais imediatos dessas campanhas (e não somente as antitabagistas; vide p. ex. a campanha tucana nas últimas eleições presidenciais).
As fotografias divulgadas nos pacotes e maços de cigarros são antes de tudo terroristas. Imagine o leitor se a lei determinasse a obrigação de se imprimirem nos automóveis, motocicletas, ônibus e caminhões umas fotografias de acidentes catastróficos com pessoas agonizando por entre os destroços para advertir condutores e passageiros dos perigos que correm ao usarem esses meios de transporte?! E o perigo (que de fato há, e muito maior), tal como enfatizam as campanhas antitabaco, não existiria somente para os usuários dos veículos, mas também para aqueles que circulem nas imediações (usuários “passivos”).
São campanhas maldosas e capciosas, calculadas para diminuir o consumo do tabaco pelo amedrontamento das consciências mais despreparadas e provocando histeria e cizânia de todo o tipo, social e familiar, por causa do simples ato de fumar; um hábito corriqueiro e inofensivo que, em passado muito recente, era socialmente aceito sem problemas e até tido como civilizado.  “Dividir para reinar”.


Não há também ignorar os diversos aspectos sombrios e interesses inconfessáveis que se ocultam por detrás dessas campanhas. O leitor não será tão ingênuo ao ponto de crer que são produzidas pela “preocupação” dos legisladores e governantes com a saúde das populações a quem (teoricamente) servem.
 “Com a vigência da Lei 12.546, aprovada em 2011, mas regulamentada em 2014, fica proibido fumar cigarrilhas, charutos, cachimbos, narguilés e outros produtos em locais de uso coletivo, públicos ou privados, como hall e corredores de condomínio, restaurantes e clubes, mesmo que o ambiente esteja parcialmente fechado por uma parede, divisória, teto ou até toldo” – dizem os jornais de hoje (27/11/2014 – Dia Nacional do Câncer). Podemos dizer, respaldados no professor Robert, que temos aqui uma “atualização” da world's strongest, não?
É fato histórico que a humanidade, na primeira metade do século 20, logrou acabar com as doenças que eram as mais perigosas até o fim do século 19. A lepra, a tuberculose, a febre amarela e outras doenças que afligiam o mundo “civilizado” desde a antiguidade foram extintas ou perderam letalidade nas cinco primeiras décadas do século passado. Nesta mesma época, enfermidades que vinham sendo incubadas desde os inícios da revolução industrial  como o câncer, o diabetes e as doenças vasculares começaram a tomar proporções de epidemias. Porém, os cientistas de então tinham boas razões para serem otimistas quanto ao porvir dos avanços da ciência. Acreditavam que tais epidemias em breve seriam controladas pelas conquistas tecnológicas que já se faziam notáveis.  O que teria ocorrido para o fracasso da segunda metade do século, na qual o avanço tecnológico em todas as áreas, em especial nas áreas médicas e farmacêuticas, foi infinitamente superior ao da primeira metade?
Não somente aquelas recentes epidemias ganharam poderio surpreendente como novas surgiram ameaçadoras como do nada, isto é, sem explicação histórica convincente, como a AIDS, a gripe aviária, a gripe suína e o ebola. Há fortes suspeitas de que estas “novas” e perigosas patologias foram originadas em laboratórios farmacêuticos empenhados, ao menos formalmente, na missão oposta de combate a epidemias. Por que “fracassaram”?
Assim como o diabetes e as doenças vasculares estão relacionadas historicamente com os aumentos do consumo de açúcares e de gorduras processadas industrialmente, a epidemia de câncer está historicamente sincronizada com o surgimento e o crescimento igualmente histórico e avassalador dos meios de transporte movidos a petróleo. E, como acima reporta o professor Robert, se tornava já evidente na década de 1930.
Concentrando-se esses fumarentos veículos primeiramente nos bairros mais ricos das cidades mais ricas das regiões mais ricas dos países mais ricos, não é por acaso que inicialmente o câncer ficou conhecido como “doença de rico”. Hoje “a peste de rodas” se espalha com cada vez maior densidade por todo lugar e assim também o câncer se expandiu e se “popularizou”.
O leitor conhece de sobra sobre o veneno que significa a fumaça exalada pelos canos de descarga dessas máquinas. Suicidas as utilizam fechadas em garagens e ligadas a “ponto morto” para morreram dormindo em uns poucos minutos. Não é possível imaginarmos suicidas levando pacotes de cigarros às garagens a fim de fumarem até a morte, pois sabem que antes morreriam de sede ou de fome por mais que fumassem sem parar.
Quando os europeus invadiram a Pachamama no final do século 15, o hábito de fumar o tabaco (e outras ervas “proibidas”) entre os indígenas era mais que milenar. Stradelli relata que o ritual de fumar o tauari (charuto) em grupos, passando-o de mão em mão, era hábito comum e ancestral em todas as nações indígenas que conheceu na Amazônia. E o praticavam a qualquer pretexto e em doses elevadas, especialmente em festividades ou nas tomadas de decisões importantes. Na época das “descobertas” nenhuma das doenças que agora são atribuídas ao tabaco era conhecida em parte alguma de sul a norte do continente americano.
Por que então o tabaco é demonizado e não o petróleo? Por que se persegue o fumante ocasional, restrito a alguns tragos inofensivos e localizados, muitas vezes, solitário, e não a liberada e constante inalação pública, em escala planetária, do poderoso e letal veneno petrolífero borrifado quase diretamente nas narinas das pessoas em toda parte?
A conclusão “elementar”, meu caro Watson-leitor, é a de que as campanhas antitabagistas, claramente inspiradas na world's strongest, se constituem em instrumento de manipulação e de domesticação social contra o processo histórico-libertário que se vai consolidando, inevitável, na consciência crítica coletiva das massas exploradas e oprimidas.
Por detrás dessas “campanhas” e suas contradições escondem-se a contradição principal, o imperialismo, e seus tentáculos (as corporações transnacionais). E os seus muitos demônios, estes sim, verdadeiros: os transgênicos, os agrotóxicos, o petróleo, as indústrias pesadas, químicas, farmacêuticas e “alimentícias”, as previdências privadas, os complexos hospitalares e os planos de saúde, e, principalmente, os banqueiros privados que lucram com tudo isto administrando o colossal inferno capitalista em que pretendem transformar o planeta Terra.
Há também, em imediata subjacência à contradição principal, o ódio de classe. Hoje, o hábito de fumar é segregado e preconceituosamente considerado (pela classe dominante e seus vassalos) “coisa de gente pobre”. Pobre para eles é sinônimo de pessoa sem direito ao gozo da existência – o proletário - e que tem, nas tragadas de um cigarrinho nos intervalos da labuta diária, um de seus poucos lenitivos. Por isso devem ser perseguidos (os pobres e os lenitivos).
Por outro lado, a contradição principal teme a ameaça que a inteligência, o talento, a cultura e a arte significam para o seu tenebroso “sistema”. Os que são dados a tais atividades cultivam mentes libertárias, consciência crítica e são chegados à fumaça, ao álcool e à rebeldia. Em geral, são também insubordinados ou recalcitrantes ao estabilishment além de contumazes “criadores de casos”. Reprimi-los e persegui-los é uma velha e conhecida obcessão fascista.
São apenas dois exemplos da longa lista de subjacências e temores do imperialismo que, agregando-se a ele ou combatendo-o, se subordinam ou resistem à sua ação enquanto contradição principal. A qual, depois da queda da URSS ameaça não somente os países colonizados (ou de “terceiro mundo”), mas o mundo todo.
Resulta que a campanha antitabagista jamais teve o objetivo de melhorar a saúde dos povos ao procurar reduzir neles a incidência de doenças perigosas e letais supostamente causadas pelo tabaco. Tal objetivo é o que supomos que ela teria por indução semiótica intrínseca às suas táticas e métodos muito bem arquitetados, calculados e executados. Mas, se o leitor observá-la de perto e com o rigor das análises críticas, constatará de imediato que a campanha antitabagista sequer declara tal objetivo, e nem se preocupa com resultados neste sentido.
Ela é uma ferramenta de dominação projetada para atuar através dos meios de comunicação. É concebida como um híbrido de manipulação publicitária e de bode expiatório destinado a amedrontar e confundir a opinião pública desviando sua atenção para os supostos “males do tabaco”. Enquanto isso, oculta os verdadeiros (e terríveis) males e desgraças que o estabilishment imperialista e suas subjacências vêm causando ao planeta e à humanidade.

Leitor, não admoeste nem persiga o pobre fumante (e, muito menos, o fumante pobre). Visto o que vimos aqui, asseguro-lhe que ele não nos faz nenhum mal. Quem nos maltrata de fato são as campanhas antitabagistas (e similares).