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sábado, 20 de dezembro de 2014

DROGAS X DROGAS

Maconha, cinismo e sofrimento
Por Orlando Senna

A humanidade sempre consumiu drogas alucinógenas e drogas terapêuticas, muitas delas servindo para ambos propósitos. Inicialmente como substâncias naturais e, com a evolução da ciência, também como substâncias sintéticas. Na atualidade, o ponto central das discussões sobre as drogas alucinógenas é sua descriminalização (o usuário não ser considerado um criminoso) ou a manutenção das leis proibitórias que começaram a entrar em vigor, em vários países, a partir do inicio do século passado, como resultado da Convenção Internacional do Ópio, realizada em Haia em 1912, que elegeu a repressão como solução. O fato de âmbito global mais recente sobre o tema é um documento da ONU, de março deste ano, afirmando que a luta mundial contra as drogas, baseada na repressão, fracassou e sugerindo a descriminalização do consumo.
O objetivo central desse combate é neutralizar a gigantesca ação do crime organizado em todo o planeta, as “corporações do tráfico” que se conformaram como um poder enorme, desumano, infernal, atuando em muitas regiões como governos paralelos. Seria cômico se não fosse trágico o fato de que o nefasto tráfico de drogas existe e cresce como consequência da decisão dos governos de proibir sua produção e distribuição legais, lá em 1912. O acontecimento mais importante referente à luta contra o narcotráfico neste ano de 2014 foi a descriminalização da maconha no Uruguai, uma lei considerada pelos especialistas no assunto como exemplar para os demais países e destinada a acabar com o tráfico no seu território.
Apesar das descriminalizações no Uruguai e em mais dez países e em alguns estados dos EUA, a posição oficialista majoritária no mundo continua eivada de ignorância, preconceito, contradições berrantes e interesses econômicos. O álcool e o tabaco, com níveis de toxicidade e geração de danos muitíssimo maiores do que a maconha, são considerados em todo o Ocidente e parte do Oriente como drogas legais, aptas para o consumo. Governos e grandes empresas midiáticas não querem mudar essa situação porque ganham muito dinheiro com ela. Os governos com os altos impostos cobrados por esses produtos, permitindo sua circulação e consumo e, ao mesmo tempo e cinicamente, fazendo campanhas sobre seus males. A grande mídia com a manutenção do cinismo, lucrando com anúncios pró e contra. Do álcool abertamente, de cigarros disfarçadamente (merchadising em filmes e novelas) porque estão proibidos.
Nesse caldo de cultura perverso viceja a maconha, que por ser uma “droga ilegal” também não pode ser utilizada como droga medicinal, apesar das comprovações científicas de várias propriedades terapêuticas da cannabis, incluindo a melhora ou superação de náuseas, vômitos e falta de apetite de aidéticos e pacientes submetidos à quimioterapia, eficácia no tratamento de glaucoma e efeitos analgésicos. Desde a década passada, vítimas de esclerose múltipla, alzheimer e depressão vêm encontrando na maconha um paliativo poderoso para seus sofrimentos e muitos cientistas dizem que os benefícios para outras doenças só não estão confirmados porque faltam recursos para pesquisas sobre a cannabis. Produtos sintetizados de canabinoides, ou seja, medicamentos legais à base de maconha, só existem na Alemanha e EUA (dronabinol), Inglaterra, Canadá e México (nabilone), com controle de tarja preta. Nos EUA e Canadá esses medicamentos não podem ser adquiridos por estrangeiros.
No Brasil, presume-se que já são milhares as pessoas que, durante tratamentos quimioterápicos, usam maconha para diminuir ou evitar os danos colaterais causados por esse procedimento. Muitos pacientes são aconselhados pelos seus médicos a fazer isso, já que o THC, o tetrahidrocanabinol, principal substância da maconha, é o único lenitivo comprovadamente funcional para esses danos. Os médicos apenas aconselham, não podem receitar porque não há fórmulas sintetizadas no Brasil, não se pode importar e o uso por inalação é crime no país.
Alguns desses pacientes têm a sorte de encontrar as santas pessoas que, correndo o risco de serem consideradas criminosas, cultivam a planta em suas casas para uso medicinal. Outras pessoas são forçadas a comprar a droga de traficantes para amenizar seus sofrimentos ou de familiares (acabo de ver na TV uma senhora dizendo que faz isso para amenizar as náuseas e tonturas de sua filha pequena e que, se for presa, outra pessoa da família continuará fazendo o mesmo). A estupidez e a ganância humanas, neste caso por parte de governantes e empresários, continua a fazer suas vítimas.

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