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segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

DE VIEIRA A BORGES



DO PADRE ANTÓNIO VIEIRA . . .

Príncipes, Reis, Imperadores, Monarcas do Mundo: vedes a ruína dos vossos Reinos, vedes as aflições e misérias dos vossos vassalos, vedes as violências, vedes as opressões, vedes os tributos, vedes as pobrezas, vedes as fomes, vedes as guerras, vedes as mortes, vedes os cativeiros, vedes a assolação de tudo? Ou o vedes ou o não vedes. Se o vedes como o não remediais? E se o não remediais, como o vedes? Estais cegos. Príncipes, Eclesiásticos, grandes, maiores, supremos, e vós, ó Prelados, que estais em seu lugar: vedes as calamidades universais e particulares da Igreja, vedes os destroços da Fé, vedes o descaimento da Religião, vedes o desprezo das Leis Divinas, vedes o abuso dos costumes, vedes os pecados públicos, vedes os escândalos, vedes as simonias, vedes os sacrilégios, vedes a falta da doutrina sã, vedes a condenação e perda de tantas almas, dentro e fora da Cristandade? Ou o vedes ou não o vedes. Se o vedes, como não o remediais, e se o não remediais, como o vedes? Estais cegos. Ministros da República, da Justiça, da Guerra, do Estado, do Mar, da Terra: vedes as obrigações que se descarregam sobre vosso cuidado, vedes o peso que carrega sobre vossas consciências, vedes as desatenções do governo, vedes as injustiças, vedes os roubos, vedes os descaminhos, vedes os enredos, vedes as dilações, vedes os subornos, vedes as potências dos grandes e as vexações dos pequenos, vedes as lágrimas dos pobres, os clamores e gemidos de todos? Ou o vedes ou o não vedes. Se o vedes, como o não remediais? E se o não remediais, como o vedes? Estais cegos.»
(Padre António Vieira, Sermão da Quinta Feira de Quaresma, 1669)

Poema de Jorge Luis Borges
Arte Poética
Olhar o rio de tempo e água
e lembrar que o tempo é um outro rio,
saber que nos perdemos como o rio
e que os rostos passam como a água.
Sentir que a vigília é outro sonho
que sonha e que a morte
que teme a nossa carne é esta morte
de cada noite, que se chama sonho.
Ver em um dia ou um ano um símbolo
Dos dias do homem e de seus anos,
E converter o ultraje dos anos
em uma música, um rumor e um símbolo,
ver na morte o sonho, no pôr-do-sol
um triste ouro, tal é a poesia
que é imortal e pobre. A poesia
volta como a aurora e o pôr-do-sol.
Às vezes numa tarde uma cara
Observa-nos do fundo de um espelho;
A arte deve ser como esse espelho
Que nos revela nossa própria cara.
Contam que Ulisses, farto de prodígios,
Chorou de amor ao divisar sua Ítaca
De verde eternidade, e não prodígios.
Também é como o rio interminável
Que passa e fica e é cristal de um mesmo
Heráclito inconstante, que é o mesmo

E é outro, como o rio interminável.

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