ABAIXO TEXTOS - CRÍTICAS - ENSAIOS - CONTOS - ROTEIROS CURTOS - REFLEXÕES - FOTOS - DESENHOS - PINTURAS - NOTÍCIAS

Translate

domingo, 24 de novembro de 2013

ESTUDO

GUIMARÃES ROSA E  O GRANDE SERTÃO
DA SABEDORIA E DO SENSO COMUM SEGUNDO O JAGUNÇO RIOBALDO
por Carlos Sepúlveda

MAS ciúme é mais custoso de se sopitar do que o amor. Coração da gente – escuro, escuros O amor? Pássaro que põe ovos de ferro. Amizade dada é amor. Ah! A flor do amor tem muitos nomes. Ah! Meu senhor! – como se o obedecer do amor não fosse sempre ao contrário. Só se pode viver perto do outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura. O amor só mente para dizer maior verdade. Confiança – o senhor sabe – não se tira das coisas feitas ou perfeitas: ela rodeia é o quente da pessoa. Acho que sempre desgostei de criaturas que com pouco e fácil se contentam. Ah! Conselho de amigo só merece por ser leve, feito aragem de tardinha palmeando em lume-dágua. A gente nunca deve de declarar que aceita inteiro o alheio – essa é a regra do rei! A colheita é comum, mas o capinar é sozinho. Um sentir é do sentente, mas o outro é do sentidor. Riobaldo, homem, eu, sem pai, sem mãe, sem apego nenhum, sem pertencências. O jagunço Riobaldo. Fui eu. Fui e não fui. Não fui – porque não sou, não quero ser. Deus esteja. Sempre fui assim, descabido, desamarrado. Um homem, coisa fraca em si, macia mesmo, aos pulos de vida e morte, no meio das duras pedras. Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Deus existe mesmo quando não há. Tudo tem seus mistérios. Deus é uma plantação. Moço! Deus é paciência. O contrário é o diabo. Senhor sabe: Deus é definitivamente; o demo é o contrário dele. A dor não pode mais do que a surpresa. Viver é negócio muito perigoso. Passarinho que se debruça – o vôo já está pronto. Tudo sobrevém. Viver é um descuido prosseguido. O mal ou o bem, estão é em quem faz; não no efeito que dão. O que induz a gente para más ações estranhas, é que a gente está pertinho do que é nosso, por direito, e não sabe, não sabe, não sabe. Deveras se vê que o viver da gente não é tão cerzidinho assim? O que demasia na gente é a força feia do sofrimento, própria, não é a qualidade do sofrente. Comigo, as coisas não têm hoje e ant’ontem, amanhã é sempre. Esta vida é de cabeça – para-baixo, ninguém pode medir suas perdas e colheitas. Pensar mal é fácil, porque esta vida é embrejada. A gente vive, eu acho, é mesmo para se desiludir e desmisturar. A gente – o que vida é – é para se envergonhar. Cansaço faz tristeza, em quem dela carece. O bom da vida é para o cavalo, que vê capim e come. Tudo o que já foi, é o começo do que vai vir, toda hora a gente está num compito. Todo caminho da gente é resvaloso. O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente e coragem. No estado de viver, as coisas vão enriquecidas com muita astúcia: um dia é todo esperança, o seguinte para a desconsolação. Ah, as coisas influentes da vida chegam assim sorrateiras, ladroalmente. A vida é mutirão de todos. Um lugar conhece outro é por calúnias e falsos levantados, as pessoas também, nesta vida. A vida é um vago variado. A vida é muito discordada. Tem partes, tem artes. Tem as neblinas de Siruiz. Tem caras todas do Cão, e as vertentes do viver. Picapau voa é duvidando do ar. Sossego traz desejos. Porque aprender-a-viver é que é o viver, mesmo. Perto de muita água, tudo é feliz. Homem? É coisa que treme. Jagunço não passa de ser homem muito provisório. Natureza da gente não cabe em nenhuma certeza. Ser forte é parar quieto; permanecer. Existe é homem humano. Travessia. Cavalo que ama o dono, até respira do mesmo jeito. Mas mocidade é tarefa para mais tarde se desmentir. O ódio – é a gente se lembrar do que não deve-de; amor é a gente querendo achar o que é da gente. Parente não é o escolhido – é o demarcado. Pobre tem de ter um triste amor à honestidade. De homem que não possui nenhum poder nenhum, dinheiro nenhum, o senhor tenha todo medo. A primeira coisa, que um para ser alto nesta vida tem de aprender, é topar firme as invejas dos outros restantes… Que comandar é só assim: ficar quieto e ter mais coragem. Um chefe carece de saber é aquilo que ele não pergunta. Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia. Do que o que: o real roda e põe adiante. Rir, antes da hora, engasga. Sujeito muito lógico, o senhor sabe: cega qualquer nó. Quem desconfia, fica sábio. Pessoa limpa, pensa limpo. Eu acho. Mestre não é quem sempre ensina, mas quem – de repente – aprende. A gente só sabe bem aquilo que não entende. Esquecer, para mim, é quase igual a perder dinheiro. Sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar. Viver é muito perigoso.Sertão é onde o homem tem de ter a dura nuca e mão quadrada. Sertão é o sozinho. Sertão é dentro da gente. Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera; digo. Mas o sertão era para, aos poucos e poucos, se ir obedecendo a ele; não era para à força se compor. O sertão é uma espera enorme. Moço: toda saudade é uma espécie de velhice. Ficar calado é que é falar nos morto.

Nenhum comentário: