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quinta-feira, 11 de novembro de 2010

PRECISO CONHECER ESSE CINEMA


ARCA RUSSA de Sokurov

Arca Russa (Russkij Kovcheg), de Aleksandr Sokurov, é um filme realizado em um único plano-seqüência de 96 minutos, o mais longo desse tipo já feito na história do cinema. A experiência mais famosa de planos longos - Festim Diabólico,1948, de Alfred Hitchcock - tem 80 minutos divididos em seqüências de 10 minutos. O diretor, conhecido por sua visão polêmica em trabalhos anteriores como as biografias de Hitler (Moloch, de 99)
e Lenin (Taurus, de 2001), agora trata de três séculos da história russa numa obra realizada em vídeo digital de alta definição, filmada dentro do Museu Ermitage em São Petersburgo, a antiga Leningrado. É um filme-evento que traz, em forma de lamento, reflexões históricas e políticas sobre o fim da Rússia e da Europa aristocráticas. Mas é também, em doses elevadas, uma obra reflexiva sobre o tempo, as artes e a natureza do cinema. Sokurov, um dos diretores mais criativos do cinema, não disfarça a sua satisfação com o resultado do filme: "Fazer Arca Russa me deu uma sensação quase divina, no sentido em que lidei com o tempo de forma natural ; os cineastas sempre imaginam que podem fazer com o tempo o que quiserem. Neste filme eu acho que me reconcilio com essa questão" diz o diretor, acrescentando que discorda da manipulação que o cinema faz com o espectador. Talvez esteja aí a chave do cinema de Sokurov: a sua declarada negação de controlar o tempo através da montagem, que segundo ele funciona como agente ditatorial para escravizar o público.
Arca Russa é um espetáculo de grandes dimensões: a câmera do alemão Tilman Büttner (o mesmo de Corra Lola Corra) segue pelos corredores do museu, onde 867 atores, três mil figurantes e três orquestras dividem-se em 33 cenários diferentes. A seqüência foi realizada numa única tarde, especificamente em 23 de dezembro de 2001. A direção de Sokurov é exuberante e teatral. Falando sobre as influência em seu trabalho, o diretor diz que suas impressões mais profundas estão relacionadas a escritores, pintores e à arte de um modo geral. "A arte é um grande luxo e o cinema tem recursos imensos para retratá-la", afirma, complementando que, apesar disso, é preciso muito trabalho para criar uma obra de arte, não apenas no aspecto físico, mas também no sentido de conseguir um alto grau de compreensão para transmiti-la. O filme se passa inteiramente dentro do Ermitage, um palácio construído por Pedro, o Grande, no século 18 e transformado posteriormente em museu por Catarina II . A câmera - na verdade o próprio espectador - segue os interiores do museu como se estivesse percorrendo os diferentes momentos da história da Rússia. Sokurov explica que não se preocupou muito com o rigor histórico, preferindo se concentrar mais nos períodos de beleza da história russa e não nos seus momentos mais terríveis, embora, como revela, sua primeira profissão tenha sido a de historiador. "Sou formado em história e não consigo imaginar os eventos históricos da Rússia num tempo passado; para mim é como se eles estivessem ainda aí, se estendendo até os dias de hoje", afirma. Sukurov , no entanto, não se mostra muito otimista quanto ao futuro da Rússia : "os problemas que vivemos ontem e hoje - e eu também me considero um personagem dessa história - voltam sempre, como num círculo vicioso. Tivemos duas guerras no século passado e os homens continuam se matando e cometendo todo tipo de barbárie contra os seus semelhantes. Não aprendemos nada. Parece que não há desenvolvimento do conhecimento, o que nos leva a não ter muitas esperanças quanto ao que virá à frente", profetiza.
por Carlos Augusto Brandão

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