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sexta-feira, 3 de maio de 2013

NOSSO CINEMA


A burrocracia é a grande barreira para o crescimento da máquina administrativa brasileira. Nada se concretiza se não vier acompanhado de muita exigência, de milhares de concursos públicos, de mil documentos e papéis, muitos papéis. É uma loucura kafkiana. Não há como discutir o que não tem fim no labirinto burocrático em que se envolveram os partidos políticos e suas brilhantes estrelas.
O texto abaixo fala um pouco sobre isso.
A COMPLICADA SITUAÇÃO DA CINEMATECA BRASILEIRA
Publicado em 29 abril, 2013
TRILHOS URBANOS
POR CECÍLIA LARA
Para quem não “é de cinema”, a Cinemateca Brasileira pode ser apenas um espaço aprazível, um tanto fora do circuito, onde passam filmes brasileiros ou clássicos e onde às vezes rola uma festinha ou outra. E aí toda essa polêmica envolvendo a instituição pode não ter muita importância.
Mas a Cinemateca é (ou deve ser) bem mais do que isso. É a instituição responsável pela memória do audiovisual brasileiro. Tem o maior acervo de filmes da América Latina e uma de suas missões é a de realizar ações de difusão do audiovisual. É um dos principais braços da Secretaria do Audiovisual (SAV) do Ministério da Cultura. E nos últimos anos esteve administrando uma quantia relativamente vultosa de recursos públicos.
Trabalhei na Cinemateca durante quase 5 anos. Primeiro, em projetos da SAV e depois na programação das salas de cinema. Demorei bastante para entender como as coisas funcionavam lá, e tenho certeza de que ainda entendo apenas algumas partes.
Foi um tempo “próspero” na instituição, que acabou de forma abrupta com a entrada do novo secretário do audiovisual e a exoneração do (agora) ex-diretor.
Coloquei próspero entre aspas porque durante estes anos o que aconteceu foi, grosso modo: a Cinemateca foi gerida por um administrador bom em administrar, bom em política, que conseguiu levar muitos recursos pra instituição e a fez crescer e conseguir um destaque (acho que) inédito. Além das atividades usuais de uma cinemateca (acervo, difusão, catalogação, restauração etc) esses recursos eram usados em programas como o Mais Cultura, a Programadora Brasil, o FICTV (aqui tem uma lista dos programas), que eram geridos lá mas, dizem alguns, fugiam das aspirações principais que se espera de uma cinemateca (se considerarmos como modelo as cinematecas europeias).
Esse crescimento e prosperidade foi realizado às custas de algumas coisas: primeiro, houve um progressivo afastamento de um grupo de pessoas que fizeram parte da criação da Cinemateca de suas decisões administrativas e institucionais. A diretoria era também acusada de não prezar pelo diálogo com a classe cinematográfica. E, o mais importante (e que agora está sendo usado pelo secretário do audiovisual para explicar o “desmonte” que está sendo feito lá): a gestão de recursos públicos sendo feita de forma indireta, através de uma OSCIP (quase uma ONG): a Sociedade Amigos da Cinemateca (SAC).
Isso quer dizer que o caminho da maior parte dos recursos que colocavam a Cinemateca em pé eram convênios feitos entre a SAV e a SAC. A SAV passava o dinheiro diretamente pra SAC e essa tinha a liberdade de geri-lo apresentando prestações de contas e relatórios anuais ao MinC. Isso dava agilidade na gestão desses recursos, porque a SAC, não sendo uma instituição pública, podia desburocratizá-la.
Por exemplo: um local público, pra contratar um serviço, precisa fazer uma licitação, que pode ser super demorada. A SAC não precisa. Um local público não pode contratar funcionários em regime PJ. A SAC pode.
O que aconteceu, então: a Cinemateca cresceu graças à administração dos recursos feitas pela SAC, e criou-se uma instituição pública onde quase a metade dos funcionários eram contratados via regime PJ e onde o controle da gestão de contas por parte da União era menor. Além disso, o regime de administração direta do dinheiro faz com que seja muito mais fácil que haja irregularidades nessa gestão – o secretário do audiovisual afirma que houve irregularidades e que o ex-diretor foi exonerado por causa disso, mas ainda nada foi provado.
Estabeleceu-se então um situação frágil, uma instituição que mais parecia um monstro amparado por pernas de isopor. E o novo secretário (com o aval da ministra Marta Suplicy) chegou dando uma voadora nas pernas do monstro: exonerou o diretor, não ouviu o conselho, cortou de uma hora pra outra todos os recursos da SAC e ainda não apresentou efetivamente o plano que diz que tem para o futuro da Cinemateca. Alguns dizem ser uma vingança pessoal, pois é de conhecimento que o secretário do audiovisual e o ex-diretor não se batem. Eu, particularmente, acho que toda essa forma de administração que fez a Cinemateca “prosperar” estava sendo feito à revelia do PT e que uma hora ou outra eles iam acabar com a festa.
(Ainda, particularmente, acho que a administração de dinheiro público não deve ser feita por órgão privado, de forma alguma. Mas, ao mesmo tempo, como produtora cultural sinto na pele os problemas que o excesso de burocracia pode trazer à administração. Essa é uma equação difícil de solucionar).
A classe cinematográfica (uma parte dela) esbravejou. Eduardo Escorel escreveu pra Piauí, Lygia Fagundes Telles também se pronunciou (ela é do conselho da Cinemateca), até Beth Faria disse que, se for preciso, vai até Brasília! Um abaixo-assinado (na verdade a favor da SAC, não da Cinemateca) rodou a internet. E sábado a Folha de São Paulo legitimou a crise e ainda por cima colocou a possibilidade de queda do secretário.
O resultado visível: mais de 60 pessoas na rua (muitas sem terem seus direitos trabalhistas honrados), uma das salas de exibição fechada, a biblioteca fechada por falta de pessoal. É interessante colocar aqui a observação de que os funcionários da Cinemateca não são quaisquer funcionários. Não digo isso porque trabalhei lá, mas afirmo sem nenhum medo: a maioria dos funcionários da Cinemateca é apaixonada pela instituição. As pessoas passam anos lá, se formam lá. E entre os funcionários demitidos há de tudo. Gente que trabalha lá há 10, 12 anos. Gente que foi demitida porque se manifestou publicamente contra o novo secretário. Gente que não tem mais idade pra arranjar emprego em outro lugar. Etc.
Isso é o visível. Sabe-se lá o que está acontecendo nos acervos e no laboratório. Sei que não há mais equipe de revisão de filmes nem de pesquisa de imagens. Ou seja, o acesso ao acervo, se já era difícil, deve estar beirando o impossível.
E quem errou mais, a gestão que criou uma instituição legalmente frágil, que pode ser desmontada em questão de meses, ou a gestão que chega expondo essas fragilidades de uma hora pra outra, sem apresentar soluções, sem apresentar um plano e colocando em risco o futuro da instituição?
E aí, o que acontece? O secretário diz que vai fazer concurso público pra recontratar funcionários. Mas isso demora, e é possível que essa gestão do MinC não dure tempo suficiente. Eu acredito que o novo secretário nem vai ter tempo de pôr em prática o plano que ele diz ter pra Cinemateca. Ano que vem é ano eleitoral e a Marta Suplicy provavelmente não vai querer ficar muito tempo no Ministério. Fora que com a Folha dando subsídios, a queda do secretário ganha maior possibilidade (sabemos que nesse país a imprensa derruba ministros). Até lá, como vai ser? Quanto tempo vai levar pra que esse novo modelo de gestão seja implantado e comece a funcionar?
Não dá pra prever, mas no momento está difícil pensar com otimismo.

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