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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

METAMORFOSE


Segundo Movimento

Iracema chega à cidadezinha praieira. Anda em suas ruas repletas de personagens fellinianos. Ela observa os estranhos transeuntes que passavam por ela, todos são pelas roupas que vestem pobres, mas com uma rica característica, pois suas roupas são extremamente coloridas.

Iracema:
- O senhor pode me informar onde eu encontro um lugar para dormir na cidade?

Homem (pescador):
- Tem uma casa, que fica mais pra lá, que recebe gente pra dormir... É logo ali na frente..., depois da curva feita, aí você retorna e ali está ela... (sai andando)

Iracema:
- De certo ponto adiante não há mais retorno. Esse ponto, o primeiro, por mim já foi alcançado. Como eu fui me meter nisso? Depois de ter dado abrigo ao mal, ele não mais pedirá que você acredite nele.

Iracema segue o belo caminho indicado pelo pescador. Toda a rua é banhada pelas águas calmas do canal. Entre árvores frondosas e casas coloniais ela chega à pequena pousada do Mario. Antes de ela entrar passa por ela um hospede do local, Henri. Os dois se cumprimentam. Ela entra na recepção da pousada e é recebida por Mario que olha Iracema da cabeça aos pés.

Mario:
- Se está procurando trabalho chegou ao lugar certo na hora certa.

Iracema:
- Não estou! Só quero um quarto para dormir. Estou muito cansada.

Mario:
- Apartamento sete, o melhor da casa para moça bonita... Onde estão as malas?

Iracema:
- Não viajo com bagagem, compro roupas novas quando preciso. As chaves!

Mario:
- Pagamento adiantado, ou você também não anda com dinheiro?

Iracema:
- Passa mais tarde no meu quarto que nós acertamos a conta. Agora, as chaves!

Mario: - O que uma menina bonita ta fazendo por essas bandas? Assine aqui!...

Iracema:
- Deve-se saber ler para fazer perguntas... processando...Mario, onde eu assino... (assina), e depois faço o resto no meu quarto. É só você me levar até ele...

Mario pega a chave e segue com Iracema até o quarto onde entram. Ele fecha a porta e vai se sentar na cama. Iracema tira parte de sua roupa e pede para Mario esperar enquanto ela vai ao banheiro. Passa um tempo. Mario fica desconfiado. Excitado, quase nervoso, levanta-se da cama e vai abrir a porta do banheiro, aparece Jaci do outro lado da porta e ele se afasta com horror.
Mario: - Quem é você e o que está fazendo aqui?
Jaci: - Você na certa se lembra de mim... Não lembra?
Mario: - Quem possui a faculdade de ver a beleza, não envelhece, mas também não se lembra de nada.
Mario fica menos nervoso e passa a andar no quarto de um lado ao outro. Vai até a janela, olha e passa a andar em direção de Jaci.
Mario: - O que você veio fazer aqui bicho feio?... Lembro-me de você... Onde você escondeu a menina?... Eu pago o quanto você quiser para ficar com ela... Eu sei que você gosta de dinheiro sua macumbeira, que vende suas crias quando a fome aperta, vamos, fala logo o que você quer!
Jaci: - Primeiro vingar o assalto e o assassinato vergonhoso das crianças encantadas no meu terreiro. Crianças ignorando a verdade e humilhadas na mentira, de modo insensível e progressivo. Depois livrar esse o povo daqui da peste que todos vocês representam.
Mario pára de frente da velha bruxa.
Mario: - Mas isso é uma mentira! Eu sou inocente! Nunca fiz mal a uma mosca... De que você está me acusando?
Jaci: - Toda a minha educação e paciência assentam-se nestes dois princípios - Ignorando a verdade e humilhando a mentira. Eu te acuso da morte de todos os inocentes que cruzaram o seu caminho...
Mario: - Verdades e Mentiras no jogo sujo da morte... Mas eu sou inocente, sua bruxa! Nunca matei ninguém.
Mario retira do bolso um pequeno revólver e antes de usá-lo jaci com a rapidez de um raio saca o seu punhal e crava-lhe no coração;
Jaci: - Agora está lembrando?... Onde você colocou a sua inocência? Mario você foi condenado à morte lenta e dolorosa. O primeiro passo já foi dado.
Mario: - - Jaci... Mãe de santo poderosa. Única sobrevivente do meu pesadelo. Sou condenado sem direito a me defender, sem poder provar a minha inocência, não somente à morte que me está reservada, mas também a de defender-me até a morte...
Antes de morrer ele agarra no pescoço de jaci para matá-la. Jaci então aperta com força um pouco mais o punhal no peito do condenado, ele se debatendo, sofrendo, dá um gemido e cai desfalecido sentado na cama, acorda com os olhos surpresos e vai morrendo aos poucos.
Jaci: - Para o seu feito não há uma defesa possível na terra. Nada poderia te proteger de você mesmo. Sinta a dor como elemento positivo deste mundo, e também o único vínculo entre este mundo e o positivo em si para onde você vai.
Jaci termina então de cravar o punhal no coração de Mario, que com os olhos estatelados faz de seu rosto o palco do desespero, da dor e da morte.
Silêncio.
Saímos da máscara mortuária de Mario para o chão, onde passa uma barata entre os sapatos de Iracema que os calçam. Depois caminha em direção da porta saindo do quarto e seguindo em direção da piscina onde se encontra com Souza, o jardineiro.
Souza: - Bom dia senhorita! A piscina está limpa. Vai nadar?
Iracema: Não, obrigada! Vou até a praia... Quero ver o mar
Souza: - O mar está de ressaca... Aconselho a piscina.
Iracema: - Ta bem, aceito o conselho! Vou molhar o corpo..., mas lembre-se que eu não sei nadar e você tem que ficar por perto...
Souza: - Sim, vou ficar de vigia enquanto a menina toma o seu banho, fica sossegada que aqui nada vai te acontecer.
Iracema: - Estou aqui, mais do que isso eu não sei...
Pelo olhar atento e surpreso do Souza, Iracema vai tirando as poucas roupas que veste e ainda de sapatos joga-se nua na piscina. Souza corre para perto e fica procurando pela menina que ressurge na água azul se debatendo como se afogasse. Souza pula de roupa e agarra Iracema colocando-a para fora. Ela finge ter se afogado. Souza massageia o seu corpo e faz respiração boca a boca. Ela finge estar melhor e ele começa a acariciá-la excitando-se. Iracema não esboça nenhuma reação. Como ela está ainda de sapatos ele começa a tirá-los... No lugar de Iracema agora está Jaci.
Jaci: - Não gosto que mexam nos meus sapatos...
Souza: - Você pode não gostar... Não faz mal! Vou tirá-los assim mesmo...
Jaci: - Desde que alberguemos uma única vez o mal, este não volta a dar-se ao trabalho de pedir que lhe concedamos a nossa confiança... Não tire os meus sapatos!
Souza vira-se e se assusta com o rosto de Jaci a lhe contemplar,
Souza: - Quem é você?
Jaci: - Não se lembra de mim? Quando eu começava a fazer alguma coisa que não te agradava e tu me ameaçavas com a sua arma, então o respeito pela tua opinião era tão grande que com ele o meu fracasso era inevitável. Perdeu a memória homem!
Olhar de horror de Souza. Sangue na boca. Movimento do rosto para o lado. Corpo cai apunhalado e morto na piscina onde bóia sinistramente. A água clara vai aos poucos se manchando de vermelho.
Jaci: - Não tenho piedade dessa gente. Esse só podia encontrar a felicidade se conseguisse subverter o mundo para fazê-lo entrar no seu verdadeiro ser, impuro, imundo, imutável, desumano. Um pervertido! Isso era o que ele era.
Saímos de Jaci e ficamos atrás de Iracema que olha para o corpo de Souza boiando na piscina.
Iracema: - Os bons andam no passo certo; os outros, os ignorando inteiramente, dançam a volta deles a coreografia das horas passadas.
Movimento de Passagem Cinema mudo (trilha sonora)
Alusões a um assalto violento que se interrompe quando nota-se o grande engano. Jaci chorando está caída no altar, ferida, com uma criança morta no colo. Imagens de luzes e sons de ambulância. Rostos preocupados. Movimento dentro de um hospital. Água no contra luz. O mar está agitado.

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