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sexta-feira, 17 de junho de 2011

NOTÍCIAS

EUA Porque os grandes do mundo mentem É o título de um livro (Why leaders lie) que acaba de ser publicado por John Mearsheiner, professor de ciências políticas na Universidade de Chicago.

Oriente Médio OTAN intensifica bombardeios criminosos contra a LíbiaA implacável guerra do conjunto imperialista intensifica-se entrando no seu quarto mês. Sabemos que essa guerra começou no dia 19 de março e que esteve nos primeiros treze dias abaixo do Comando dos Estados Unidos.


MEMÓRIA


Filme Encantamento - Jose Sette fotografa o compositor em Ouro Preto MG

BRASIL CINEMA
Eis aqui um filme que precisa ser mais exibido nos cinemas e na TV.
O país precisa conhecer e se encantar com a música deste grande artista.

ENCANTAMENTO
É preciso exibir este filme! Encantamento. Fevereiro de 1987. Ensaio. Sintonia. Amor. Desenhos no ar rebuscando temas perdidos no tempo. Contraponto de imagens abstratas e folhas soltas ao pé do vento. Templo da música. Ruídos de rua. Brasis e buzinas frenéticas. Modinhas e Ponteios. Vida. Luz. Terra. Espaço deserto. Sinfonia. Fevereiro de 2007. Estamos comemorando os 100 anos de nascimento do extraordinário músico brasileiro Camargo Guarnieri! Em 1987, quando um dia eu tive algum poder de mando, convidei o Maestro para reger sua obra com a Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, nas comemorações dos seus 80 anos, quando então rodamos um filme. Vinte anos se passaram. Lembro-me quando fui recebê-lo no aeroporto de Belo Horizonte. O dia estava azul. Levei-o para o melhor hotel da cidade. - Duas semanas de ensaios! Os músicos estão em pavoroso! Disse-me preocupado Ailton Escobar, o maestro titular da casa que eu dirigia. À tardinha fui visitá-lo no hotel levando no ombro a minha CP 16mm e o Nagra. Primeiro lhe provoquei com Oswald de Andrade e depois com Mário de Andrade. - Não confunda os dois! (ele me respondeu exaltado na sua primeira entrevista) - Mário só amou o Brasil e sua modernidade. Depois passei a observá-lo através da música na sua complexidade e no final, pude entendê-lo e me tornei um pouco mais seu amigo. Sempre respeitei o grande homem de rosto assustado, tinhoso, que tinha resposta pra tudo. Parecia ter a energia de um menino quando desejava tirar o máximo da orquestra. Humor de cobra, gênio de cão, é, sem dúvida, ao lado de Villa Lobos, o mais brasileiro dos compositores eruditos de nossa época. Foi o que eu escrevi no jornal Ponta de Lança, editado na Fundação Clovis Salgado pelo poeta Pedro Maciel. A primeira impressão que ele me deu foi dura, me parecia às vezes grosseiro, mas, em verdade, estava era cansado de tudo, amargurado com o Brasil. Aos poucos, nas seqüências dos ensaios, fui compreendendo o seu gênio. No difícil registro das imagens, podia-se sentir, dentro da sua carranca neolítica, o seu olhar de criança curiosa com a câmera solta e ágil enfocando seu rosto em movimentos giratórios e suas mãos no corte preciso da lente rápida. Com os olhos aguçados nos músicos, o Maestro mantém-se ereto observando a filmagem. É uma águia sentada na sua banqueta de ensaio. Camargo participou de alguns programas de tevês, não sei se ainda existe guardada alguma gravação, mas nunca havia sido antes filmado, muito menos dirigido. No final de cada ensaio era ele quem estava sempre com muita fome e sede esperando a hora do jantar. - Brejeiro! Brasileiro! Saboroso! Camargo era pura música comendo macarrão numa cantina italiana de guardanapo no pescoço: - Eu tenho uma profunda tristeza, dizia o maestro com ar melancólico, porque o Brasil é uma bagunça, ninguém entende o Brasil, ninguém entende. Cada dia que você abre o jornal, o povo está cada vez mais estrangulado. Eu também estou... O que adianta tudo isso? Isso é viver? Vocês entendem o Brasil? Como um grande artista brasileiro ele só foi reconhecido em nosso país, durante pouco tempo, depois de ser admirado e querido no estrangeiro, principalmente no Estados Unidos. Que paradoxo! Por acreditar no Brasil e não ter aceitado a entrada de estrangeiros no ensino da nossa música criou uma grande polêmica com o compositor Hans Joachim Kollreutter e foi marginalizado pela mídia e por intelectuais comprometidos com o que vinha de fora. - Todo mundo já ouviu falar o meu nome, mas ninguém conhece a minha música. Camargo falava baixo. Muito tímido, olhava para aquela mesa posta à italiana, repleta de guloseimas, envolvido pelo carinho e a descontração dos seus jovens admiradores: os artistas Fernando Tavares, Paulo Giordano e Osvaldo Medeiros, as meninas Dulce e Luciana, o maestro Ailton Escobar, a pianista Cynthia Priolli, o cineasta Silvio Lanna, Dalton Canabrava e eu. Depois de um longo silêncio e das primeiras garfadas no macarrão escorregadio, ele perguntava para o Dalton, nosso anfitrião: - Nós vamos tomar alguma coisa, meu filho? Um copo de vinho? Dalton chamou o garçom que serviu ao Maestro um tinto. Olhei para o seu rosto arredondado, avermelhado, para o seu nariz arqueado, cheirando a rolha chilena e ouvi, depois de um sorriso sarcástico, depois do gole farto, outra pergunta, dita em voz alta, direcionada a todos ali: - Vocês sabem o que é que entra duro, sai mole, pingando, dá prazer à gente e não é palavra indecente? (Silêncio)... Não?(Olha então para a moça bonita que está sentada ao seu lado) Não?...É macarrão, sua boba! A sua gargalhada sonora ecoa na cantina. No trabalho da regência de suas composições foram horas e horas de exaustivos ensaios, todos os dias, com os músicos da Orquestra Sinfônica de Minas. A pouca quantidade de negativo preto e branco me obrigava a selecionar com muita certeza o que filmar. Trabalhando sem financiamento, sem equipe técnica, contando com os amigos, fazia com que o maestro Guarnieri, vendo as minhas dificuldades de produção, aos poucos, se mostrasse paternal e carinhoso, me estimulando a seguir em frente e dizendo, para me consolar, que ele também havia passado por tudo isso - De muitas dificuldades se faz à vida. Noutro dia, enquanto caminhávamos para mais um ensaio da orquestra, pegou no meu braço e disse: - Se você quer ser um artista, um artista verdadeiro, um revolucionário abaixo da linha do Equador, tem de ser também um guerreiro, um obstinado que luta contra tudo e contra todos. Tem que se sentir vitorioso sem ter nunca o prazer das palmas e do reconhecimento. Durante os ensaios e as filmagens fui aos poucos conhecendo esse grande homem. O concerto dividia-se em quatro movimentos: Abertura Festiva (1971); Concertino para Piano e Orquestra (1961) - com a pianista Cynthia Priolli; Encantamento (1941); nos últimos ensaios, Camargo Guarnieri dizia alto e em bom tom para os artistas mineiros: - Vocês mineiros deviam fazer uma estátua do tamanho de um bonde para Juscelino Kubistcheck... Cobrava ele citando o inesquecível político que deu a Minas o título de “Terra da Inteligência” pelo apoio dado à cultura e às artes durante os seus sucessivos governos. Camargo compôs, a pedido do Presidente, em homenagem à inauguração de Brasília, a Sinfonia N.4 - Brasília. Ensaiou também, já no grande teatro, o esperado bis onde iria apresentar ao público mineiro a Dança Brasileira e assim finalizaria esse concerto memorável. Pedaço por pedaço, as partituras iam sendo devoradas pelo maestro eufórico e antropófago. Confesso que de todo o concerto eu só conhecia a última música: Dança Brasileira, tocada pela Sinfônica de Nova York e regida pelo maestro Arthur Bernstein. Mas, com o passar dos ensaios, o que me era desconhecido toma forma, tal qual um mosaico de beleza única, indescritível, nas sonoridades específicas daqueles momentos brasileiros. Os ensaios eram aulas repletas de estórias por ele vividas recheadas de muitas piadas. A cada movimento, a cada novo clima musical, a sua música exalava a alma, o sentimento, a grandeza desta terra esquecida. Em um momento de descontração, quando alguns dos músicos insistiam em afinar seus instrumentos em lá, Guarnieri intervém com a voz cheia de ironia: - Quando ensaiei uma orquestra em Porto Alegre, senti que um violino desafinava. Um dos músicos da orquestra disse para o violinista: - Dá o lá! Dá o lá! Respondi para ele: - Não é o lá que está desafinado, são as outras notas que estão..., Todos os músicos riram e ele, voltando-se para mim, disse-me: - A que horas vamos sair para o jantar? Um dia levei-o, a convite do Dalton, nosso presidente, a Ouro Preto, para uma visita aos lugares que do passado tantas e gratas lembranças lhe traziam - por ali andou com Cecília Meireles, Guinhard, Clovis e Lia Salgado, Souza Lima e muitos outros artistas e políticos presentes no I Festival de Inverno da antiga capital de Minas. Ontem, hoje, agora, fantasmas percorriam juntos com o maestro emocionado os becos que nos levavam as igrejas barrocas de onde se podia observar o pico do Itacolomy que ele, neste dia, de brincadeira, queria subir a pé. Para ele o Brasil era pura emoção. Disse-me, enquanto voltamos para Belo Horizonte: - Já conversei com estrelas, antes mesmo de ler o Bilac... Aqui em Ouro Preto fiz a trilha sonora do filme Rebelião em Vila Rica. Foi a minha primeira experiência cinematográfica! Os violinos sobem de produção. Penetram no universo encantado da música nordestina. Na série de contrapontos se misturam as imagens desse agitado caldeirão de criatividade. O Maestro, acompanhado da pianista Cynthia Priolli, vai ao nosso encontro depois do ensaio e presenteia o filme com a criação de vários improvisos no piano do grande teatro. Uma maravilha! Todo esse trabalho de registro cinematográfico só foi editado e finalizado após a sua morte. É triste! Aquilo que iniciei sozinho, com muita garra, só foi possível terminar quando meu amigo Mário Drumond entrou em cena, trazendo recursos financeiros e idéias criativas. Na construção da música - Dança Brasileira - Mario me propôs filmá-la e editá-la a partir da dança, pontuando-a, na sua brasilidade, com os elementos abstratos da terra, água, fogo e ar, construindo, com uma só bailarina, as quatro personagens. Resultando a apresentação de um bailado editado em fusões simultâneas, elaboradas e sincronizadas pela coreografia criada por Isabel Costa, que se apresenta dançando emoldurada nos figurinos e cenários desenhados pelo artista Fernando Tavares. E, revirando tudo, magicamente, magistralmente, soltando-se notas como estrelas no espaço - compasso da liberdade de se estar onipresente em todas as dimensões da alma nacional - O Maestro, eternizado, grita lá do alto: - Vamos criar uma nova música onde se elevem os espíritos, onde se pode viver o Brasil novamente. O paraíso perdido fora do tempo. Encantamento! Por tudo que a música brasileira a ele deve, vivamos, neste ano, a memória deste grande compositor e maestro. Viva Camargo Guarnieri!

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