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sexta-feira, 23 de julho de 2010

CONTO cont.

O VELHO ALEPH
Quarta parte

Uma luz prateada atravessa as frestas do telhado. Na tela do Vídeo aparece um rosto. Um rosto eletrônico: - É hora de acordar. Uma força negativa se aproxima de você. Preparar o estado de alerta! Desligando o condutor da memória! Desligando-nos... O jovem acorda de um sono profundo, estica o braço e retira da mesa os óculos escuros. Levanta-se da confortável cadeira, caminha até a janela de onde se observa à noite no deserto. Aproxima-se do monitor onde está estampado um rosto eletrônico frio e azulado: - Nada está acontecendo aqui Aleph, tudo está quieto, por que fomos desligados? Aleph escreve então no quadro de luz uma frase: “A solidão é minha companheira inseparável”. Pode-se notar a dificuldade que ele tem com a escrita e o ato de escrever torna-se, pela lentidão dos movimentos, uma espécie de pintura. Aleph pergunta para o rosto: Quem é você? - Sou aquele que vai te acompanhar pela eternidade e sou aquele com quem você precisa se comunicar... Comunicar? Não escrevo mais nada e não quero falar mais com você... O que é que você quer agora? Conversar! Conversar? Você deve estar louco! - Louco?... Não sei o que significa... Agora já sei o seu nome... Você tenta me confundir. Faz quanto tempo estamos aqui? Mais tempo que o necessário, você não se ajuda... Olha que lá fora é muito pior... Não foi isso que te perguntei! Mas é o que eu sei te responder. Não fui programado para memorizar datas. Só sei cuidar dos seus sonhos, de sua segurança, de suas esperanças... Minha segurança? Isto aqui se tornou uma prisão! Meus sonhos? Não mais me interessam. Esperança? Não sei o que é isto. Não é tão ruim assim. Você está vivo! O jovem, cansado, recoloca os óculos de luz na mesa, senta-se na cadeira e diz para o monitor: - Só quando não estou acordado. Desliga o rosto do monitor. - Aleph! Ligue-me novamente, por favor. - Você não está feliz? Eu estou! Todos nós estamos. Estática e computação gráfica. O professor está arrumando as suas malas e ao seu lado está a caboclinha. - Hoje à noite é sua menina! Eu não sou mais menina, professor! Eu tenho notado..., o que você está fazendo aqui? Eu soube que o senhor vai nos deixar mais cedo e que recebeu um convite para viajar, ir morar no exterior... (Silêncio) Me leva com você, vai! Me deixa ir junto, por favor, eu posso cuidar do senhor... O Senhor está no céu e não sou tão velho assim, mas quanto à viagem... É ainda uma idéia, meu sonho é montar um grande processador de dados, um super computador, e esse é um lugar para onde só se pode ir sozinho. Eu quero ir também! Eu juro que não vou atrapalhar... (A cabocla se aproxima com o rosto e o corpo bem perto do rosto e do corpo do professor) Fala que você não gosta nem um pouquinho de mim! Vamos, fala! A casa caipira é atingida por um raio. No seu interior o homem de chapéu de abas largas atira na cabocla com a espingarda que estava em sua mão. Nos monitores de tevê a voz do computador insiste em chamar por Aleph que acorda colocando os óculos: - Desligando conexão, reativando o sistema orgânico... Aleph! Você tem de estar atento, muita gente depende de você, poderíamos dizer a humanidade inteira, mas isso é te dar muito valor, não é Aleph? Por que me chama assim? O Rosto eletrônico: - Como deveria chamá-lo Aleph? - Você sabe, não comece com esse jogo que sou capaz de desligá-lo. O que adianta acabar com a única imagem neste deserto. Você viverá de tédio meu velho?... Um verdadeiro Inferno! - Aleph não é o meu nome e não admito transferências. Diga-me: o que está acontecendo lá fora? É dia. Temperatura ambiente: 12 graus negativos. Nenhuma comunicação estabelecida. Presença muito forte de carga negativa cercando a casa... Mostrando imagens externas. Aleph: De onde ela vem agora? Vem por baixo, de dentro da terra, das profundezas abissais, do caos telúrico, do mais profundo ela procede... E já se aproxima... A tenda começa a tremer, uma vibração mais forte faz com que a luz se apague, ficando só o Rosto iluminado na tela do vídeo: Você tem de descobrir, antes que seja tarde, o que é aconteceu entre você e aquela menina? Que menina? Você sabe quem... Vamos, faça um esforço! A Cabocla? A tenda e os telões do seu cenário param de vibrar, a luz volta a iluminar o quarto e tudo retorna ao normal. O jovem coloca novamente os óculos de luz. Estáticas. O Professor e a menina se encontram na rua e entram em um restaurante. - Que bom que você veio Caboclinha, venha, vamos sentar. Que lugar agradável. Obrigada professor por me convidar. Deixei o professor na escola. Desculpe-me, Aleph. Assim está melhor. O que vamos pedir? Peça você que eu te acompanho. Camarões ao Mandarim é uma especialidade da casa. Agora me conte sobre a escola, os amigos, os namorados; você continua estudando? Aleph, assim você me deixa encabulada! Por que eu perguntei sobre o namorado? Por quê? Você sabe... Eu sei? Sabe de quem eu gosto? Eu só gosto de você! Pronto, disse!O Garçom chega com os pratos e os apetrechos para fazer o camarão. O Professor pega na mão da Cabocla e os dois trocam olhares e sorrisos. O Garçom serve o vinho. Um brinde. O cozinheiro oriental chega à mesa e inicia o ritual que é fazer um simples camarão flambado. O camarão ainda vive e se contorce na frigideira quando é flambado pela labareda. O Carro caindo e depois explodindo. O Delegado e os dois policiais estão na sala dos troféus. O Delegado recebe um telefonema. O Delegado levantando-se, desligando o telefone e acendendo o seu cigarro com o velho isqueiro: Delegado: Vai Jacaré que a lagoa está cheia de piranha... No restaurante, o camarão cai vivo na frigideira contorcendo-se de dor e vira um pequeno monstro. Cabocla assustada levanta-se da mesa. O Professor tenta acalmá-la e os dois saem do restaurante para a praia. No carro de polícia o delegado acende o seu cigarro e fala para seu companheiro Jacaré: - Sabe Jacaré que aquele corpo que encontramos carbonizado, sem o braço, ainda não me convenceu... Ele podia ter colocado um morto vivo no seu lugar. Mas doutor! O presunto tinha as características do procurado e o braço foi decepado na queda... O rosto estava deformado, o corpo carbonizado não havia nenhuma característica que pudesse se confrontar com as fotos que tínhamos. E a família? Os amigos? Todos foram ao enterro? Houve reconhecimento do presunto?Todos reconheceram o presunto senhor delegado!Delegado: Aquela gente não é confiável, não tinham dúvidas? Reconheceram o defunto queimado em muito pouco tempo. Você não acha jacaré?E àquela garota? Ela poderia ser sua amante! Delegado: Tenho certeza disso!E então?Vamos reiniciar a investigação; reabrir o processo; achar o canalha!Uma língua de fogo se aproxima da tenda no deserto. Aleph arranca os óculos do rosto e joga-o por cima da mesa. Levanta-se da cadeira e começa a andar de um lado para o outro da pequena sala. O Rosto no computador: Aleph, se insistir em não se alimentar, as forças externas lhe serão impiedosas. O que adianta tudo isso? Você não tem saída... Alimentar-me com o que? Não sei quanto tempo já estou aqui... Não sei se estou vivo ou se morto estou... Não sei mais de nada. Não se assuste com as imagens, elas são do seu alimento, da sua força, o seu objetivo... É a luz que pode te salvar... Que luz é essa? Meu objetivo é sair deste pesadelo... Sair da sua negra sombra. Posso abrir aquela porta e simplesmente partir... O Rosto: - Para onde meu filho?Aleph:- Pra fora! O Rosto: E o que você espera encontrar, lá fora?Aleph: - A vida... O Rosto: - Eterna?... Aleph (colocando os óculos): Eu não sou seu filho, não sou uma máquina, sou um homem só! Você só me acorda pra encher meu saco?

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