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quinta-feira, 22 de julho de 2010

CONTO cont.

O VELHO ALEPH
Terceira parte

Metrópoles. Aleph está deitado, estático, amarrado na cama. Observa assustado uma televisão onde o rosto de um médico, quase de frente do seu rosto molhado de suor, se mistura as imagens de uma criança nascendo. À noite de uma grande cidade. A sala está arrumada, limpa, com cadeiras novas e uma mesa com vários computadores. Esta é a sala de aula do colégio que funciona no bairro de periferia. Na sala um rapaz de óculos, de cor negra, com mais ou menos 16 anos, o mais novo da turma, sentado na frente, gordinho, levanta a mão e faz uma pergunta para o jovem professor: professor, eu posso ir ao banheiro? O riso é geral. O professor sorri permitindo a saída do aluno segurando a calça, apertado, fazendo careta. Uma menina cabocla, vestindo uma blusa colante que realça o seu corpo de mulher, levanta o braço e diz: professor! Os dirigentes da nossa comunidade me pediram para ser, em nome deles, portadora do convite para a festa que faremos hoje à noite... Todos na sala batem palma e gritam em uníssono: Viva o professor! Viva o professor! Os dois rapazes, que fugiam da polícia, entram apressados na sala de aula. A turma olha assustada. O professor interrompe a aula. Um deles, com os gestos mais feminino, senta-se em uma cadeira vazia e solta os longos cabelos que estão presos por dentro de um boné - é uma menina - mas é o rapaz que fica de frente para o professor, com o rosto molhado de suor, que fala: Estamos atrasados? Mas, como todos vocês podem ver, corremos muito... Mas chegamos a tempo, não é?... O professor aponta a outra cadeira vazia para o jovem - Senta-se meu jovem! Você é sempre bem-vindo. Silêncio. O Professor fica comovido vira-se para a cabocla: Eu agradeço o convite e pode confirmar minha presença... Mas como eu estava dizendo, todos estes anos passados aqui e aqui vividos nesta comunidade, na guerra do saber contra a ignorância do ser nenhuma derrota sofremos, chegamos vitoriosos a esse último ano. Ano da despedida, de novos horizontes para todos vocês, de um caminho novo pela frente... Quero dizer que vocês me deram muitas alegrias e que hoje, vendo os nossos esforços espelhados nos rostos de cada um, sinto que estou mais perto de todos e da mesma maneira, junto com cada um de vocês, vejo-me preparado para esse novo desafio... O professor pára de falar e fica meio assustado quando chegam, invadindo a sala, dois policiais. O policial mais arrogante pergunta:Entraram dois garotos aqui na sala, não entraram? Silêncio. Todos os alunos estão assustados e balançam suas cabeças negando o fato. Os policiais: Não? Olha! São perigosos marginais... O Professor, colocando-se entre os policiais e os alunos: Eu peço aos senhores que saiam da sala, pois aqui não entrou ninguém, é claro, além dos senhores que já estão atrapalhando a minha aula. Meu senhor! Tenho informações que eles entraram aqui! Não sou seu senhor e, por favor, eu já disse o que tinha para lhes dizer. Agora se me permitem, se me derem licença. Os dois policiais saem, mas ficam olhando a sala pela janela. O menino que saiu para ir ao banheiro volta aliviado com um grande sorriso no rosto. Na sala todos sorriem. Os policiais vão embora. Silêncio. Em outra sala menor, mas luxuosa com as paredes cobertas com os mais bizarros troféus misturados as armas de vários calibres, está sentado, fumando um cigarro, rindo entre uma baforada e outra, atrás de uma mesa. onde fica uma estatueta com a balança da justiça, o delegado... - Mas me conta essa história novamente, parece até piada, é inacreditável. Mas em que enrascada ele se meteu! Também quis subir muito alto. Do interior à periferia das grandes cidades, em seguida sai do morro para os salões da sociedade e depois volta ao morro para despencar e morrer queimado. Não posso acreditar! É como se diz lá na Bahia: maior é o coqueiro, maior é o tombo do coco que cai. (Traga uma baforada do cigarro pensativo) Vocês viram o corpo?...Um policial olha para o outro policial e acena com a cabeça negativamente. Silêncio. Em outra cena pode-se ver o carro explodindo. Os dois policiais olham para o carro pegando fogo lá no fundo do precipício. Depois de algum tempo de observação eles entram no carro da polícia e descem a serra. Em detalhes a cena do fogo no carro. O dia anoitece na grande cidade. No morro é festa na quadra do colégio. Na festa estão presentes, além da comunidade, os chefes da contravenção, com seus ternos brancos e seus guarda-costas. Os pastores da igreja com seus ternos escuros e a bíblia na mão. Um preto velho Pai de Santo vestido de branco com rendas e miçangas. Rostos, muitos rostos do povo brasileiro... A festa está animada. Um regional toca um samba lascado acompanhado por vários tipos de tambores, alguns africanos, puxando o ritmo para o batuque de terreiro. A nova música faz com que todos dancem como se estivessem em transe. O Professor chega só. Aproxima-se dele um rapaz e uma menina, acompanhados por outros jovens. O rapaz é o seu aluno atrasado, tem a barba rala, o seu cabelo longo preso por sua boina preta enfeitada com quatro estrelas vermelhas, lembrando o ícone de um guerrilheiro. Ele está acompanhado da sua menina. Todos estão armados. A movimentação é notada pelos donos da festa que esboçam um descontentamento com àquelas presenças. O aluno aproxima-se do professor. A cabocla que acompanhou a sua entrada na quadra corre ao seu encontro. Professor! Você é um homem corajoso e de valor. A sua presença aqui ensinando e trazendo dignidade a nossa comunidade é motivo de orgulho para todos nós... Só viemos aqui para lhe agradecer... Obrigado amigo! Depois da festa eu preciso conversar com você, encontre-me no bar do buraco quente... Neste momento todos se aproximam do professor para cumprimentá-lo. Podemos ouvir alguns comentários sobre aquele encontro nas rodas dos convidados. Em diversos grupos, em varias situações, algumas pessoas comentam a mesma coisa: O Professor não deveria ter deixado os garotos participarem de sua turma. A velha guarda não está nada satisfeita com a presença deles aqui na quadra. Dizem que o professor está apaixonado pela caboclinha, que é filha de santo e não pode namorar com ninguém. É o seu último ano aqui na comunidade. Ele está indo embora. Um dos convidados, que é tratado como “O Bispo”, aproxima-se do Preto Velho - Você chama aquele rapaz que está com sua filha, que quero conversar com ele. O Professor? Agora? Não, seu exu velho! Você chama o professor só depois que você proibir a nossa menina, a nossa filha, de se encontrar com ele. Vamos encontrá-lo na Igreja. Eu mando te avisar. O Bispo volta a falar para os que estavam ao seu lado enquanto Preto Velho se afasta. A menina foi reservada ao Bispo todo poderoso... Eu avisei ao Preto Velho que com ele não se brinca e ela já não nasceu para viver na terra, não deveria se aproximar desse professor... Agora pode estar tudo perdido. Vamos embora! A festa continua. O grupo de jovens comandados pelo garoto desce o morro. Entre alguns barracos eles encontram outros jovens que sobem o morro apressados. Todos estão armados. O garoto saca de sua metralhadora e começa o tiroteio. O Líder do outro grupo se esconde num casebre e consegue fugir com outros companheiros. O Bispo e seu grupo de macumbeiros, que neste momento desciam o morro, são pegos de surpresa e se arrastam no chão para não serem atingidos, sujando de terra suas roupas brancas. No alto do morro, onde acontecia a festa, podia-se ouvir os últimos tiros que ecoavam nos ouvidos dos convidados. Neste momento de medo e desconfiança acaba-se a festa e todos saem agitados. Silêncio. Na tenda do deserto Aleph sai da cama e passeia nos corredores do infinito cenário. O Professor desce o morro acompanhado agora pela cabocla e seu pai. No bar do buraco quente saem os últimos bêbados e passam pelo professor sentado em uma das mesas. O dono do bar faz um sinal que vai fechar. O dia amanhece na cidade e no campo. O camburão da polícia sobe a serra da Pedra. No seu interior está o delegado e mais dois policiais, além de um sujeito vestido com um macacão cheio de ganchos. O delegado entre uma e outra baforada no seu charuto diz para os que estão sentados no banco de trás. Este sujeito enganou o chefe, mas eu sei diferenciar o homem do animal que habita nele, nunca foi o gênio que dizia ser, era uma besta, passava por esperto, muito vivo, mas era uma besta - um gênio ou uma besta? Não há dúvida, sempre foi e será uma besta e se estiver morto será uma besta quadrada! O chefe vai levá-lo ao inferno. Achava-se no céu e pensava que poderia viver feliz depois de tudo que fez? Estive com ele algumas vezes. Vivia nas altas rodas. Subiu na vida à custa do chefe e depois queria nos enganar - Por que parou? O delegado perguntou para o policial que dirigia o carro. - Foi aqui que o carro caiu, chefe! Respondeu o outro. O delegado bafora o seu cigarro apagado e, resmungando, reacende-o à maneira americana com um velho Zippo. Olha para o motorista. Olha para o seu ajudante Jacaré - Agora vamos ver o que o gênio fez Jacaré! Do alto o delegado olha o despenhadeiro e mal consegue ver os destroços do carro lá embaixo... - É bem alto Jacaré, fica difícil ver alguma coisa - diz em tom de deboche - Ir lá embaixo, nem com helicóptero! Eu não disse chefe! O bicho está morto e nesta hora já deve estar queimando no inferno. Cala essa boca Jacaré, analisemos as probabilidades: aquele sujeito é muito esperto, qual é a melhor maneira de ser esquecido? Jacaré! Você pode imaginar que aquele sujeito caiu e morreu ou então... Então? ...- Ele falseou um desastre, com o nosso testemunho e num lugar inacessível, tudo muito bem estudado, preparado para o momento certo: quando ele não pudesse mais existir. É isso... É isso. Jacaré você vai ter de descer. - Ficou louco? Desculpe chefe... O senhor está brincando. (Um sorriso maroto) - Não estou não, foi por isso que trouxe aqui o Pierre, um francês da Interpol especialista em alturas, ele vai até lá, num pulo... (sorri para o francês) Você vai ver... Achou que ia te mandar Jacaré? Você agora me assustou, chefe! Pierre tira do carro seus apetrechos, garras, alças, corda, lanterna sofisticada, Etc.. Jacaré, espantado, amarra a corda no eixo da velha camioneta corroída pelo tempo e entrega a outra ponta ao estranho francês. Pierre começa a descer as íngremes escarpas. O dia vai chegando ao fim. Lá debaixo, entre as sombras de árvores frondosas, só se vê a luz distante de uma lanterna. Silêncio. É noite.

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