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sábado, 1 de maio de 2010

TEATRO

Longo Diálogo No Oráculo Dos Desencantados Entre Dois Amigos Que Se Reencontram.
- Alô! Como vai meu amigo? Estou em campanha e vim visitar o oráculo. Você já escolheu os seus candidatos?

- Não acredito em eleição. Devo dizer ao meu amigo que esse mundo, dito civilizado, onde se escraviza pelo dinheiro a maioria dos seres vivos, continua o mesmo de quando era criança e tomei a consciência de que ele existia. Só muito tempo depois, de fato e de direito, eu descobri como ele era extremamente cruel.

- Mesmo com toda essa crueldade do mundo, eu gosto da vida e dos desafios que ela me proporciona. Você não é feliz e não gosta da vida? Não estou lhe conhecendo...

- Essa não é a questão! Não é o mundo, mas o homem que é cruel. O que você acha de uma civilização onde se tem de pagar caro para viver, do nascimento até a morte, onde tudo só se resolve com dinheiro, dinheiro fatal e necessário a vida? Alguém pode ser feliz em um mundo onde milhares de crianças morrem de fome todos os dias?

- Você acha que é o dinheiro, a fonte energética que movimenta as personagens desse mundo, a sociedade, é o que mata todas essas crianças?

- A falta dele! Acho e penso que é o dinheiro e sua energia diabólica, que movimenta o dia-dia de cada um de nós e fazem da cobiça o véu social dos homens que acham que o domina, ou que são atrelados a esse poder financeiro, a essa força negativa. Pois são esses mesmos pobres homens que construíram e alimentam esse sistema predador, onde se forja o seu doentio caráter, onde são eles os responsáveis por todas essas mazelas.

- Sou seu amigo e não pertenço a essa classe de homens maus, mas sei que em qualquer parte do planeta o homem comum, que somos nós, está inexoravelmente vinculado ao sistema financeiro que rege as diferentes classes sociais...

- Mas quem tem o comando? Quem tem o poder do capital? Quem domina o mundo e escraviza, hoje, de diferentes e sutis maneiras, os diversos setores da sociedade?

- Para cada classe social um tipo de tratamento político financeiro. Viva a democracia!Temos a eleição e podemos livremente mudar o governo, mudar as coisas, através do voto.

- Triste ilusão! O estado democrático, que se imagina o povo escolhendo os seus representantes, é hoje a terra fofa onde se semeia a maior das farsas capitalista: a selvageria econômica do predador com a pele de cordeiro. Veja que todos os partidos, todos os políticos, têm a sua ética (pseudo-ética) estruturada filosoficamente no pensamento e na prática financeira do neoliberalismo democrático.

- Eu sei que você optou por não votar em mais ninguém! Mas em quem o povo vai votar?É preciso mudar! Buscar novas opções! Avançar! O que você tem contra a democracia social brasileira? Se não escolher o melhor entrega-se o poder ao pior.

- Eu ouvi, certa vez, de um coronel fazendeiro do interior das Minas, a seguinte revelação: O melhor regime é o democrático. Não existe nada melhor. No regime democrático toda a eleição pode ser comprada. Algumas vezes com o dinheiro compra-se a maioria das pessoas, domina-se um Estado, outras vezes, com mais um pouco dinheiro se domina o país, mas, com muito mais dinheiro, domina-se todo o mundo. Cada homem tem o seu preço, é só saber comprar.

- Meu caro, você me conhece há muito tempo. Eu nunca comprei e nunca fui comprado! Assim você esta me ofendendo...

- Amigo, a política transformou-se em um mercado de interesses, de compra e de venda, de vantagens e desvantagens, de verdades muitas vezes ocultas, onde quem sempre comanda é o capital. Não há mais liberdade de escolha. Estamos perdendo o livre-arbítrio. No mundo capitalista do planeta terra comprou-se a liberdade com os juros das 30 moedas malditas. Estão robotizando-nos!

- Pelo menos agora temos a liberdade de dizer o que pensamos!

- Liberdade como? Ô cara-pálida conformista! Disse Sartre a um estudante nas manifestações de 1968 em Paris: que a liberdade é a “potencialidade (nem sempre concretizada) de escolha autônoma, independente de quaisquer condições e limites, por meio da qual o ser humano realiza a plena autodeterminação, constituindo a si mesmo e ao mundo que o cerca”. Perdemos a liberdade em todos os momentos vividos, em todas as batalhas perdidas, essa é a história moderna e contemporânea do homem. As únicas exceções foram talvez os primeiros anos da revolução soviética, observava o poeta Maiakovski: “A mim nem um vintém sequer os versos jamais me deram...” depois veio à ditadura do proletariado, a cortina de ferro, o medo do novo, onde destruíram todas as manifestações da vanguarda artística russa. Os que sobraram tiveram que cooptar com Stalin. A epígrafe: “A arte para a revolução e a revolução para a libertação total das artes”, passou da morte de Lenine, mas morreu com o assassinato de Trotsky.

- Pobre homem!

- Pobre é o pensamento (de direita) conservador de certa esquerda social democrática, nascida na Europa e nos USA. Essa doutrina foi desenvolvida e aperfeiçoada a partir da década de 1970. Ela defende a absoluta liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre a economia, só podendo o estado intervir no que for imprescindível e ainda assim num grau mínimo. Depois da queda do regime comunista da União Soviética, o neoliberalismo era a salvação do capital e a sua prática foi logo espalhada pelo mundo afora. Apresentada e apregoada pelos seus ideólogos aos representantes dos grandes interesses financeiros internacionais, foi de cara aceita por políticos de partidos tidos como da esquerda, tornando-se, imediatamente, a bandeira inescrupulosa de seus militantes almofadinhas, liderados por senhores com ares de nobreza. Uma doutrina adorada por homens acima do bem e do mal, que se julgam inteligente e de bom gosto, por intelectuais e professores, pela alta burguesia e pela elite nacional, que dizem que a economia de mercado é como uma religião, uma igreja, onde com a fé e com o dinheiro teremos as soluções de todos os nossos problemas.

- Mas isso tudo é verdade! Nós temos do nosso lado as melhores pessoas desse país, os mais preparados, e queremos sim, através da expansão do mercado consumidor, criar mais empregos e tentar melhorar a situação dos menos favorecidos! Para isso precisamos de dinheiro, de muito dinheiro. Você já pensou nisso?

- Contraditoriamente, esses senhores da moeda, esses sacerdotes da esperança, não sabem solucionar uma simples crise de mercado a não ser comprometendo toda a sociedade, todos os inocentes homens úteis de todas as classes, com ela. Assim os escravos da classe dos trabalhadores passam a ter de trabalhar dobrado, para não perderem o seu emprego e manterem os privilégios dos mais favorecidos. É uma história sem fim.

- Assim falando você me deixa assustado. Pois você afirma que eles têm o domínio de tudo... Mas posso lhe dizer que ninguém me domina, tenho noção exata dos meus limites. Não vejo diferença substancial entre a direita e a esquerda se o fim social é o mesmo. Quem pode não querer o bem do próximo? Só o diabo! Somos todos filhos de Deus.

- A ação nefasta do pensamento de direita, violento e selvagem, se apresenta sempre mais inteligente, articulado e munindo-se de todos os meios para agradar aos incautos eleitores. Eles, com as armas devastadoras de propaganda, fazem de tudo para serem mais atrativos ao não tão inocente eleitor. Ao partido é oferecida, pelos grandes interesses internacionais, vultosa munição financeira para dominar o grande embate democrático de uma eleição presidencial.

- E acabamos ganhando a eleição! É o que sempre acontece comigo... Sempre ganho as eleições com expressiva votação, sem comprar um voto! O mundo tem melhorado bastante, as pessoas estão mais educadas, estão mais bem informadas, nossos filhos podem ir para as universidades, podemos esperar um futuro melhor... Tenho contribuído e pretendo contribuir muito mais com ele.

- No mundo neoliberal o futuro é previsível, a educação, quando existe, está compartimentada, estanque, engessada, não se renova. A maioria das universidades está presa a um academicismo pseudocientífico de professores que não se interessam pelo que pode ser novo, são burocratas do saber, não são livres, não conhecem a liberdade, a maioria ali sabe do valor pago pelo seu trabalho e por sua aposentadoria. Os seus alunos só querem o diploma para se estabelecer no sistema, no mercado de trabalho e acreditar que terão futuro uma vida feliz e venturosa. Só que esse futuro nunca chega...

- Hoje as indústrias, os sindicatos, ONGs, os partidos políticos, tem uma preocupação constante nos serviços tecnológicos, na segurança militar e civil, na alimentação, no transporte, na saúde e na educação, enfim, na melhoria do povo e de tudo que permite para ele uma vida feliz...

- Uma vida medíocre! Cheia de desejos doentios em uma sociedade viciada e corrompida pelo dinheiro. Como ser feliz quando se vê, pela mídia, em suas cidades, ao seu lado, tanta fome e tristeza? Como viver, eleger, participar, votar, ser amigo, ser puro e honesto, acreditar e crescer neste mundo caótico e desequilibrado?

- Então é como eu disse de você, muitas vezes, aos nossos amigos: Não tem solução, o mundo para ele que vive de sonhos utópicos, sonhos que aos poucos ele os vai transformando em grandes pesadelos, é um enigma que ele ainda não decifrou... O problema não está no mundo, está em você! Já pensou nisso? Quando éramos adolescentes tínhamos nossos sonhos parecidos, sempre fomos amigos, embora na vida seguíssemos caminhos diferentes, você na arte e eu na política. A sua arte te levou mundo afora, conseguiu conquistar todos os melhores prêmios que os homens e o sistema lhe ofereceram. Eu segui o meu caminho, muito mais difícil que o seu, e hoje quando posso dar um salto consistente na transformação do meu sonho em uma nova realidade, quando preciso mais de você, da sua arte, você vai me abandonar? O tempo passou e o que parecia a consolidação das idéias nas quais perdemos horas de sono, tornou-se um caldo grosso de desentendimento e chateação. O que aconteceu com você, meu amigo, não é tomando essas posições radicais, inexeqüíveis, utópicas e obsessivas, que vais mudar o mundo. Onde está a lógica que você sempre professou?

- Hoje é o que se apresenta. Não quero mudar mais nada. Ando assim, descrente de tudo e de todos. Não consigo conviver nem com os artistas com os quais sempre me identifiquei. Muito menos com meus velhos amigos. Depois de um tempo de polêmicas sem fim, descobri que eles não sabem de nada do que se chama arte e nem do que é liberdade criativa, liberdade infinita, pois vivem arraigados aos desejos mais inconfessos de consumo, de acúmulo do capital e de vida culpada por conta de uma burguesia desvairada. Não é uma questão lógica, mas só um desastre natural e definitivo pode mudar o caráter e o desejo do homem neste novo milênio.

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