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sábado, 20 de março de 2010

Mostra do Filme Livre no CCBB

José Sette homenageado Jose Sette durante as filmagens de AMAXON
Exibição dos longas, curtas e pré-estréia de AMAXON, além de debate e etc.

Um cineasta 100% brazileiro, por Marcelo Ikeda
A filmografia de José Sette sempre esteve associada a uma busca não apenas por temas brasileiros mas essencialmente por um modo brasileiro de retratá-los. Nascido em Ponte Nova, município de Minas Gerais, Sette conseguiu driblar a influência do pai, político que chegou a ser eleito prefeito de sua cidade natal, para viver de cinema. Apesar de ter sua carreira cinematográfica ligada a Minas Gerais, Sette iniciou-se no Rio de Janeiro, quando teve contato com os filmes do cinema marginal. Após um breve documentário rodado na Bahia sobre capoeiristas (Cidade da Bahia), que serviu como um “curso intensivo” sobre a prática cinematográfica, Sette de pronto partiu para o longa-metragem, com Bandalheira Infernal, em 1976. O filme pode ser visto como uma espécie de catalogação pessoal da influência marcante do cinema marginal, como já mostra claramente sua primeira sequência: num clima de cinema expressionista, um personagem misterioso entra no “Cine Belair”, onde está sendo projetado o próprio filme. Uma certa vertente política pode ser especulada quando o diretor afirma que seu filme é sobre o Brasil da época: a “Direita” (o personagem de Pereio) perseguindo tenazmente a “Esquerda”, manca, fraca, debilitada. Mas, no fundo, essa é mais uma leitura implícita que explícita no filme, ou ainda, que não se espere o discurso político nos moldes do cinema novo, e sim o caos, o delírio, a fragmentação típica do “cinema de invenção”. Realizado sem roteiro, de improviso, praticamente sem grana e com uma equipe reduzida, a perseguição de Bandalheira , por um lado, retoma a fuga dos personagens de Bang Bang (Andrea Tonacci) e, por outro, incorpora elementos típicos dos filmes da Belair, como atores improvisando nas ruas da cidade entre os transeuntes (à la Sem Essa Aranha). Mas, entre essas influências, Sette exibe suas marcas pessoais, como a opção por uma grande angular que, em boa parte do filme, distorce as relações formais do enquadramento, como um prolongamento de sua opção estética pelo expressionismo. Mais de trinta anos após sua realização, Bandalheira Infernal permanece inquietamente atual, como comprova uma sequência de perseguição dentro de uma favela, cujo realismo cru desmascara tanto o romantismo de um Rio Quarenta Graus quanto o esteticismo publicitário de um Cidade de Deus.
Em seguida, José Sette realizou um conjunto de curtas-metragens, viabilizados por conta da Lei do Curta, que permitia a formação de um mercado específico para os filmes desse formato. Seu curta mais destacado é Um Sorriso Por Favor – O Mundo Gráfico de Goeldi, vencedor de prêmios no Festival de Brasília e selecionado para o prestigioso Festival de Oberhausen, na Alemanha, que ainda hoje permanece como a principal vitrine europeia de talentosos jovens cineastas. Goeldi revela a típica estratégia de José Sette em seus filmes sobre personalidades brasileiras: o que poderia ser mais um documentário didático, repleto de informações descritivas sobre a vida do escritor, o mais típico produto da Lei do Curta, é transformado por Sette num delírio audiovisual, ou ainda, num “poema cinefônico”, um mergulho cru, poético, radical no âmago da obra do artista e da materialidade de seu processo de criação, valorizado pela inventiva montagem de ninguém menos que Rogério Sganzerla. Falso documentário, Goeldi é, na verdade, um filme que utiliza o universo gráfico do artista como matéria-prima para a criação de um universo outro: a arte como amálgama que impulsiona o processo de criação, uma assimilação pessoal de influências para a geração de outras, novas obras. Não é à toa que, em sua parte final, Goeldi se revela um filme sobre o cinema, ou ainda, sobre as relações entre o expressionismo e o cinema, múltiplas, vivas, originais (por exemplo, O Cabinete do Doutor Caligari é visto como uma influência para O Ano Passado em Marienbad). Ou ainda, Sette define o cinema expressionista com uma frase que poderia se encaixar à perfeição para seus próprios filmes: “um cinema que não via, mas que tinha visões”.
Seu próximo projeto foi Um Filme 100% Brazileiro, em que Sette encontra definitivamente sua estética particular de moldar, a partir da ficção, o retrato de fatos documentais. Dessa vez, a base foi a chegada do poeta vanguardista francês (franco-suíço) Blaise Cendrars ao Brasil, na década de 1920 , quando travou contato com os artistas modernistas brasileiros. Mas a visão singular de Sette inverte o fenômeno da “aculturação” brasileira, ou ainda, da suposta “europeização” da cultura brasileira: ao contrário, é Cendrars que, fascinado pelas delícias paradisíacas do solo (e das carnes) brasileiro(as), descobre-se modernista. Sette recria a chegada de Cendrars no Rio de Janeiro em pleno Carnaval, numa sequência de abertura de enorme virtuosismo técnico. Como o próprio título anuncia, não houvepreocupação com um realismo descritivo: é como se todo o filme tivesse um ponto de vista narrativo essencialmente modernista, afim ao espírito vanguardista que envolve a essência desse contato. Para isso, é decisiva a escolha de Sette de representar Cendrars através de dois atores, como se a transformação de Cendrars, a partir do contato com o Brasil, fosse não apenas emocional, mas também física, a ponto de Sette optar por abandonar a deficiência física do escritor.
Em breve o texto completo!

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