SONILÓQUIO PRA CHAMAR CHUVA
Fábio Carvalho
A filosofia mora no tutano do osso da rabada, que
você suga, depois de comer a pouca carne que de lá se desprende. Essa é a
definição do cachorro pardo vira-latas que todos os Sábados à noite leciona na
esquina da orientação. Sócrates sempre ouvia com atenção suas palavras. Na
outra noite em Amsterdam fui a um Coffee–shop de luz verde com a atriz francesa
Débora Révy, lá queimamos um Super - Skank muito doido e tomamos, cada um, uma
taça de Abysinto. Claro que o mundo melhorou como um todo a partir daquele
estado de suspensão bastante procurado fora do roteiro. O enlace mágico nos
transportou imediatamente para um espaço cintilante com cheiro prazeroso
repleto de livros até o teto, onde encontramos a outra atriz Hélène Zimmer que
já nos esperava sem nenhuma ansiedade. Perfume de Verbena. Um manjar foi
servido, nos deliciamos no centro daquela ambiência multicolorida em um tipo de
êxtase epistemológico. Não sei ao certo o que descobri, várias revelações me
foram feitas durante a epifania conjunta que vivenciamos. Achava que estava
dirigindo aquele filme, no entanto percebi que eram elas, as atrizes, que me
guiavam plano a plano, marcando as posições e os movimentos. Terminada a
projeção das primeiras imagens, me senti muito leve e pronto para desejar ainda
mais aquilo que já desejo. Os olhos delas me diziam que sentiram as mesmas
coisas que eu, de outra maneira. Uma estranha sensação de tranquilidade tomou o
lugar da minha constante inquietude. Poesis significa ação. Poesia, luz,
camêra, ação. Na aliteração alterada igual cinema. A sensualidade borbulhante
dessas ambíguas fotografias justapostas repica as necessidades básicas do que
seja o cinema pra mim; todos os santos bárbaros, a partir de Erich Von
Stroheim, regozijavam-se ao meu redor brindando suas taças de prata num
esplendoroso palácio depois do fim do mundo. Estive com a cantora croata
Severina Vockovic, de forma centrífuga num carrossel dourado e todo espelhado.
O cinema vive da simpatia do real pelo imaginário, na medida em que ele se
utiliza do primeiro como matéria-prima para, de certa forma, sublimá-lo no
segundo. Repetiu nosso santo das línguas aglutinantes David Neves. Black
Ladies. Para viver você só precisa de mentiras, mentiras essenciais. Ninguém é
compreendido, somos aceitos como o rescaldo final de um incêndio. Ao largo
dessa aceitação a sombra da íbis pontualmente esculpe a pedra do Pão de Açúcar.
Todas essas elucubrações nasceram das duas seguintes frases que li não sei
onde: este século é uma mulher em trabalho de parto. A noite e a nossa dor
engendraram vocês nossos filhos. O afrodisíaco e o coador. Se um clarão lilás
te banhar de luz, não te acanhes não, sou eu. Segundo o poeta Wally Salomão, a
poesia é a menos culpada de todas as ocupações. Assim mesmo, exigente, ela não
está para qualquer aventureiro. As alterações são extremamente necessárias.
Tive crises de gargalhadas depois de escrever de chofre, sentado no calçadão da
Rua do Ouro com Amapá, essa coisa que chamei de Feitiço Translúcido: tudo é
querer, querer viver querer ver querer cantar querer voar querer nadar querer
ouvir querer dançar querer molhar querer dormir querer comer querer dar querer
pintar querer tocar querer saber querer sentir querer cheirar querer fazer
querer morder querer pegar querer viajar querer entrar querer mamar tudo é
querer a ilusão e até querer tomar um suco de laranja natural sem açúcar.
Esqueci e não contei a importante estória do barbante.
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