Mentalistas
Por
Orlando Senna
Vivi
intensamente a magia do circo na minha infância interiorana. Os circos chegavam
à minha pequena cidade, encantavam e iam embora. Circos modestos, com palhaços,
acrobatas, malabaristas, trapezistas e um mágico. A chegada de um circo era
sempre um acontecimento marcante e a grande emoção que produzia em mim e nos
meus colegas da escola primária nos levaram a fazer nosso próprio circo, no
quintal da casa de meu primo Augusto Senna Maciel, que organizou e liderou essa
aventura infantil. Ensaiamos durante um tempo e fizemos apresentações com
alguns malabarismos, umas acrobacias bobas em pneus pendurados em árvores, duas
ou três mágicas e cobrando ingresso. Além das crianças que conseguimos
arrebanhar, também alguns pais e avós compareceram.
Minha
participação foi apresentar duas mágicas, as primeiras que aprendi e que ainda
faço até hoje para impressionar infantes: fazer desaparecer uma moeda que está
em minha mão e introduzir uma moeda na nuca e resgatá-la na boca. Aí começou meu
ininterrupto interesse pelo ilusionismo, que chegou ao paroxismo, ainda na
infância, em um espetáculo que assisti levado por meu pai, no Cine Teatro
Guarany de Salvador da Bahia (hoje Espaço Itaú de Cinema Glauber
Rocha).
Na
adolescência li artigos em almanaques e os raros livros que encontrei sobre o
assunto. E também frequentei a única loja de mágicas e truques que existia em
Salvador, com a desvantagem que, nessas lojas, o aprendizado de como os truques
são feitos (a manipulação) só é possível após a compra do kit com o material.
Nos anos
1970, no Rio de Janeiro e associado a uma dessas lojas, montei uma peça de
teatro (Natal na praça, de Henri Ghéon, com o ambulante Grupo Barra) onde os
personagens faziam mágicas o tempo todo, buquês surgindo em mãos vazias, fitas
coloridas intermináveis saindo das bocas, bolas de pingue-pongue desaparecendo
de repente e reaparecendo na plateia (com a ajuda de alguém do grupo disfarçado
entre os espectadores). Atualmente vibro com a proliferação de programas de TV
dedicados ao ilusionismo, principalmente os que apresentam números mentalistas,
o gênero circense que mais me impressiona.
Escrevo
sobre isso estimulado pela leitura do livro Confesiones de un mentalista,
do espanhol Cristóbal Carnero Liñán, lançado recentemente. O mentalismo é uma
vertente do ilusionismo, arte cênica que produz no espectador a impressão que
alguma coisa irreal, sobrenatural, impossível está acontecendo diante de seus
olhos. Por isso também é conhecido como prestidigitação, que significa, com origem
no latim, agilidade, presteza com os dedos e, por extensão, com as mãos.
O
mentalismo soma a essa habilidade e velocidade de movimentos manuais os
elementos sugestão e hipnose, relacionando suas façanhas com controle mental,
vidência, telepatia e telecinésia. Há vários estudos e ficções sobre a
fronteira entre a habilidade e tecnologia dos truques e poderes sobrenaturais
(o fenômeno Harry Houdini, mágico húngaro radicado nos EUA, 1874-1926, talvez
seja o mais estudado de todos os ilusionistas inexplicáveis). Essa “arte”
existe, historicamente, há cinco milênios e, durante períodos obscurantistas da
Era Cristã, ilusionistas que usavam elementos mentalistas foram queimados na
fogueira como bruxos.
Volto ao
espetáculo no Cine Teatro Guarany. Devia ter entre sete e nove anos de idade e
a lembrança daquele incrível acontecimento, talvez o mais impressionante da
minha vida, flutua em minha memória como um gás, como um flúor, como a
recordação de um sonho antigo. O que me lembro, ou acho que lembro, é que as pessoas
na plateia começaram a reclamar porque o espetáculo do mágico (possivelmente
chinês) não começava. As pessoas passaram a protestar em voz alta, a fazer
ruídos (anos depois meu pai disse que foi um atraso de uma hora “ou mais”).
No meio
da balbúrdia o mágico aparece no palco e pergunta o que está acontecendo. É
informado que está atrasado, já são seis horas da tarde (só como exemplo, não
tenho esse detalha na memória esfiapada). O mágico sorri, diz que há um engano,
que por favor voltem a consultar seus relógios. Os espectadores olham para seus
relógios de pulso e de bolso e ficam estupefatos: marcam cinco horas da tarde e
um minuto atrás estavam marcando seis. Estupor, surpresa enorme e silenciosa e
em seguida aplausos fervorosos. O mágico agradeceu e disse que o espetáculo
estava encerrado. Nova consulta aos relógios e tudo volta ao normal: são seis
horas outra vez. Hipnose coletiva? Que sei eu.
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