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domingo, 1 de setembro de 2013

UM CONTO DE REIS

OSCILANDO ATORDOADO PELOS TELHADOS DE PARIS
 Fábio Carvalho
Encontro-me exatamente numa sinuca de bico, onde, a penumbra me faz decidir que o melhor a fazer neste instante é nada, já que não sei o que fazer. O nada deve conter o tudo, tudo é tudo e nada é nada. Com o sol no olhar, corpos em expansão, a me desvirtuar. Ouvi Johnny Alf cantando cadenciado a refrescar palavras, fui me enroscando na volúpia musical do dia que dadivoso se abriu para a noite estrelada com o som do violão do querido amigo Hélio Quirino, que sem derramar nos elevou além do além do finito do infinito. Ainda bem. Eu e você, nós dois. O verso ilude a voz. Porque razão? Gosto de escrever ouvindo músicas, mas este violão empana meu texto, de forma que vou guardar o carro, me recolher e recostar o cabeção que está pesadão. Esta é a página da dedicatória. Ela ganhou todo o espaço com a maior desfaçatez e habilidade natural. Agora a pergunta é quem é ela? Resposta bastante difícil e imponderável, ela mesma me disse que não a conheço. Também pra que saber tanto, se a superfície é o que interessa. Por entre caprichos e pilares, continuo me enrolando como um carretel de pipa recolhendo sua longitude. Cheguei à redondilha. Tenho saudades do tempo que passeávamos rindo de mãos dadas pelo centro da cidade branca durante o friozinho daquelas tardes emolduradas de dourado calmo brilhante. Em casa de meninos de rua, o último a deitar apaga a lua. Esta era a pichação que me disseram é muito manjada e está em um muro da Savassi. Pois bem, vamos adiantar as questões, meu problema está muito mais musical do que cinematográfico. Cinema é a música da luz, segundo Abel Gance. Humberto Mauro disse que cinema é cachoeira. Tema Jazz. Existe coisa mais musical do que uma cachoeira? Ela é cachoeira. Sonhei que tinha virado Hare Krishina. Apenas uma mentirinha. Sonhei um sonho que não era meu, súbito até começou a chover na roseira, após anos de secura e poeira. A visão interior ficou mais nítida e límpida. O cheiro da chuva. Como é bela. Ao me ouvir nem vai saber o que o cantor tenta esconder. A nota é falsa. Eu canto só para mim, assim nasce composição. O seu coração vai esquecer esta canção. Refugiar o som. Quem pensava em desenganos se enganou de vez. Olha que a fresta da porta, não te anima nem intimida. Olha que o medo da vida se acabou, afinal. Do maestro da paixão com um abraço musical, era a dedicatória escrita com letras de caderno de caligrafia na capa do CD. Depois da chuva, que foi fina e rápida, ascendi um charuto na janela, com os olhos lassos vi entre os claros e os escuros da noite uma ninfa de longos cabelos cacheados, descendo a rua em passos leves e flutuantes, como se não precisasse deles para o movimento descendente. Enfim veio a aliteração. A introdução fora feita com tímpanos e um contra baixo bastante original e melódico. O tempo se desmembrou em várias camadas superpostas como um palimpsesto. Deve ser o cinema. Abismo de rosas. Quando sentei a mesa de frente para a porta da Rua do Bar Central no quarteirão fechado da Praça 12 pensei em tomar um Steinhäger, e foi oportunamente o que fiz já que lá tinha. Os olhos da águia. O vai e vem das pessoas no contra luz foi ficando ritmado ao ponto que pude imaginar o maestro de cabelos brancos a reger aquele allegro moderato. Senti um tranquilo ventinho gelado. Por detrás do véu da sinfonia, estava fixamente definida uma oncinha de unhas furta-cor com uma bolsa trançada em uma das mãos e um celular na outra. Que coisa meu! Ela no ponto do ônibus. Continuei caminhando, subi, exato quando cheguei lá em cima antes do topo a cantora começou a cantar se debruçando sobre o balcão, notei que já era outra noite de outro dia. Deu um branco, me esqueci. Aos poucos as luzes foram se apagando. Apesar da descontinuidade não resisti e comi um rocambole em Lagoa Dourada ouvindo Dorival Caymmi e depois ainda tive olhos para ouvir um romântico Renato Russo. Tudo bem. Quero ver e cheirar o brilho dela. A luz voltou a Serra. Herbie Hancock tocando Tom Jobim. Instrumental totalmente demais. Nada mal para aquela noite de Sexta Feira, de fios desencapados, que parecia exatamente o que era ela, fúlgida. Nada restava além do churrasco de gato Angorá ou Siamês na calçada em frente ao tráfego, onde consegui rir mais um pouco. Risos e Facadas. Finalmente cheguei a me reconhecer, vem cá Luiza cantava a boca, no toca discos antiguinho do compositor trovador, sem acompanhamento. Quando existe. Hoje é o dia do aniversário da minha irmã, a grama, a lama, tudo é minha irmã. Tenho me lembrado muito do Guará, coddice penale di Bacco. Manhã certeira de pedras altas. Vou me lembrando cada vez mais de tudo ao redor. Mais tudo. Nesta noite de Sábado depois do jogo, conheci a Gabriela, ela se apresentou como sendo menino, logo vi que não era. Um diálogo arriscado se travou, e de repente ela estava ajoelhada no chão se agarrando as minhas canelas. Como dói. Era uma cena, quando contei, ninguém acreditou. Ave Maria Nossa Senhora. Todos os meus medos aparentes se insurgiram, várias reuniões de grupinhos vieram me perturbar, gostei das minhas reações, hoje domino meus nervos de aço com muito mais facilidade. Agora só a verdade. Estrela, eu diria o amor existe. Tina Turner e o trio de backing vocals, tudo é jazz. Desassombrado, doido, delirante. Dia da criação. Todas as mulheres estão atentas. A pureza maior do instinto dos peixes, das aves e dos animais em cópula. Ao revés, precisamos ser lógicos, frequentemente dogmáticos. Precisamos encarar o problema das colocações morais e estéticas. Ser sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade, e até praticar amor sem vontade. Tudo isto porque o senhor cismou em não descansar no sexto dia e sim no sétimo. E para não ficar com as vastas mãos abanando, resolveu fazer do homem sua imagem e semelhança, possivelmente, isto é, muito provavelmente, porque era Sábado. Assim escreveu Vinícius de Moraes. Hoje é Domingo.

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