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segunda-feira, 16 de julho de 2012

EXERCÍCIO DE MEMÓRIA


Norma Bengell e Oscarito em filme de Carlos Manga

ANTIGA ENTREVISTA COM A ATRIZ E DIRETORA NORMA BENGELL QUE INFELIZMENTE HOJE, IDOSA, MACHUCADA, SEM TRABALHO, ESTÁ ABANDONADA A SUA PRÓPRIA SORTE. É ASSIM QUE O BRASIL TRATA OS SEUS ARTISTAS...

A entrevista foi feita por Marcos Manhães Marins –CinemaBraZINE – há alguns anos atrás...
CBZINE - O Cinema brasileiro está num momento de virada mercadológica, mas a
virada ideológica e estética ainda não se deu. Somente o debate intenso pode
reverter este quadro de continuidade e provocar uma ruptura vanguardista,
pós-cinemanovista, pós-neoliberalista.
A polêmica contribui para a qualidade total de nossos filmes, para a
formação de uma mentalidade realmente nova, em todos os aspectos. Produção,
distribuição, exibição, inserção no cenário internacional, também estão em
pauta.
Estariam os críticos certos ao deflagrarem este processo de difamação dos
filmes da nova safra? Como você vê, Norma, toda esta questão?
NORMA BENGELL - Acho que os críticos atuais são preconceituosos e não
entendem nada de cinema, de dramaturgia, de câmera, de direção. Os grandes
críticos não estão escrevendo muito, como é o caso do Wilson Cunha, Ely
Azeredo e tantos outros. Na minha opinião, são alguns focas que escrevem
contra o cinema e querem dar uma diretriz o que devemos ou não devemos
filmar, e não são honestos no que escrevem. Vide a porcaria do crítico da
revista Veja, que diz que saiu no meio do filme e que o filme era trash e
ele, um velho roqueiro decadente. Ele fez isto com O Guarani, mas não nos
afetou. O filme é lindo, já está em vídeo e vocês podem alugá-lo. É o
primeiro vídeo brasileiro com a tecla de Dolby.
CBZINE - O cineasta Neville D'Almeida, um dos mais participativos de nossa
comunidade cinematográfica disse certa vez em uma reunião cultural:
"Não existe o novo cineasta e o velho cineasta. O que existe é o cineasta de
resultados."
Mas e os cineastas que estão despontando, como eles vêem este processo?
Os sonhos, afinal de contas, será que eles envelhecem, amadurecem, ou não
têm tempo nem idade?
NORMA BENGELL - Acho que num país como o nosso que não tem mercado, salas,
público para nos assistir, o cineasta de resultado é aquele que consegue
produzir e dirigir o seu filme e levá-lo ate o fim como é o caso neste momento.
CBZINE - Se a vida é curta, e a Arte longa, então porque estamos perdendo
tanto tempo? Os recursos cinematográficos empregados nos filmes recentes,
recursos de linguagem, de edição, de narrativa estão em sintonia com a era
em que vivemos? O que você acha desta nova lista de discussão CINEMABRASIL,
que agora surge?
NORMA BENGELL - Marcos, estou te respondendo rapidinho, mas quero dizer que
adorei as perguntas e que vou respondê-las hoje à noite num texto mais
extenso para a Lista.Quero me inscrever para poder participar deste encontro com vocês. As minhas respostas são, creio eu, bem democráticas, não são?
CBZINE - A gente tem tentado se libertar do entulho autoritário. Mas o
Brasil parece repetir ainda a atitude de outros tempos em relação ao Cinema.
O Estado nos tutela por um lado, mas não se cerca de todas as variáveis para
preservar um mercado saudável. As empresas com olhos apenas em vantagens
financeiras imediatas. E quem ama o Cinema, no meio, tentando sobreviver
nesta selva tupy-guarany. Há certamente os bem intencionados, mas...
NORMA BENGELL - Quando existia o stalinismo na Rússia, tinha uma cineasta
que filmava mas a KGB não deixava exibir os seus filmes. Mas não a proibiam
de filmar.
Estive num encontro em Paris com ela, que tinha uma filmografia enorme. A
explicação que ela deu foi que, como eles não entendiam os seus filmes por
serem filmes existenciais, eles não deixavam passá-los. Mas não a impediam
de filmar.
Creio que este seja o nosso caso, em outras proporções. Não temos salas pois
estão ocupadas com filmes americanos. Não temos produção ainda para
encararmos os exibidores. Então creio que devemos inundar o mercado com
nossos filmes de todas as tendências para termos produtos.
Como os clássicos não envelhecem, podemos filmar dos clássicos aos filmes
atuais, dos filmes caros aos mais modestos de orçamento, até virarmos uma
indústria.
Acho que temos que fazer filmes de qualidade técnica dentro do que podemos.
E temos grandes profissionais . Eu sei que temos.
CBZINE - E projetos novos, fala um pouco deles pra gente.
NORMA BENGELL - Meus próximos projetos são: um documentário para a TV sobre
Machado de Assis, um longa baseado na minha biografia, e vou produzir uma
estória de Campos Carvalho para duas jovens cineastas dirigirem se chama O
PÚCARO BÚLGARO.
CBZINE - Obrigado, Norma. Parabéns, pelo belo filme O GUARANI, que agora foi
escolhido pela pesquisa nacional do programa INTERCINE para ser exibido na
TV GLOBO, no horário nobre.
Bem, mas muito há para discutirmos ainda. O Cinema Brasileiro que
surpreendeu o mundo na década de 60 com o Cinema Novo, com a filosofia da
câmera olho, agora precisa de uma nova revolução brainstórmica
sócio-ético-estético-cultural. Ou será que paramos com a câmera na mão,
estabilizada por um steady-cam?
Ou será que retornamos aos travellings, gruas, tripés hidráulicos, ao filme
pirotécnico helicopterizado?
Que mais formas além do cinema-olho e do cinema-espetáculo podemos
descobrir, desvendar neste final de século?

Marcos Manhães Marins edita o CinemaBraZINE e é responsável pelo projeto
cultural CINEMA BRASIL NA INTERNET. Atualmente está preproduzindo o filme
CHATEAUBRIAND - Cabeça de Paraíba.

Norma Bengell dirigiu também o filme ETERNAMENTE PAGU (10 prêmios recebidos,
e um internacional no festival de Biarritz, e os outros no Brasil: de melhor
filme prêmio Leon Hirshman; de melhor atriz e música no festival de Gramado;
melhor filme júri popular no Rio Cine) que teve 700 mil espectadores e ficou
36 semanas em cartaz. Norma ganhou, por sua interpretação em A IDADE DA
TERRA, de Glauber Rocha, prêmio especial do júri como melhor atriz no
festival de Veneza em 1981.

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