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quinta-feira, 5 de julho de 2012

É PRECISO CONHECER ...


                    Emiliano, Nana, Ava, Daniel
BANDA AVA
Texto de Carlos Vasconcellos

Onírico. Essa é apenas uma das palavras que podem descrever a atmosfera do CD Diurno, disco de estreia do grupo Ava. À frente da banda está a vocalista Ava Gaitán Rocha, de 32 anos, cineasta e cantora, filha mais nova do mítico diretor de cinema Glauber Rocha. Uma trilha sonora para um sonho, misturando composições próprias, versões de ícones como Edu Lobo e Jards Macalé, tudo temperado com literatura, MPB, música latina e toques levemente psicodélicos. “Onírico. Gosto muito dessa expressão, que remete a sonho e a coisas que extrapolam os limites da linguagem. É uma referência de liberdade”, diz Ava, reunida com os companheiros de banda, o violonista Emiliano 7, o baterista Daniel Castanheira e a violoncelista Nana Carneiro da Cunha, no apartamento do produtor do disco, Felipe Rodarte, no Jardim Botânico, zona sul do Rio de Janeiro.

Uma liberdade que não reconhece gêneros ou fronteiras. “Construímos o disco a partir de um repertório formado no palco, ao longo do tempo. A falta de restrições já estava presente nas músicas”, explica Ava. “Por isso, sabíamos que o disco não podia ser ligado a gêneros definidos.” Perguntada sobre onde colocaria o CD na prateleira de uma loja, ela ironiza: “Na letra A”. Castanheira intervém: “Podemos colocar na seção ‘Discos para Pessoas que Ainda Querem se Surpreender’”. Para Emiliano 7, o CD está ancorado nas diferenças entre os integrantes do grupo. “Foi um trabalho de dissenso, o resultado das nossas apostas, desejos e diferenças”, afirma. “Como uma espécie de montagem dialética”, completa Castanheira.

Metade colombiana, metade brasileira

Como não podia deixar de ser, o cinema é uma referência permanente para Ava, a banda. Isso vai muito além da bela capa criada pelo artista visual Tunga, uma menção ao clássico Cabeças Cortadas, filme de Glauber Rocha de 1970, que também remete um pouco ao disco de estreia dos Secos & Molhados. “Eu penso tudo como montagem de cinema, eu me expresso assim”, explica Ava, a cantora. “E esse trabalho não pode ter compromisso com regras. É preciso construir uma linguagem própria para cada situação. Dou vazão a isso também na música. Para suprir uma falta de formação convencional, uso essa ideia. Mas pretendo melhorar”, ressalta.

Ava enumera suas influências musicais: “Todos os grandes da MPB, como João Gilberto, Tom Jobim, Caetano Veloso, Gilberto Gil. E também Villa-Lobos e alguma coisa de música experimental, como John Cage”. Ela revela que não curte muito a música americana, embora se renda a Janis Joplin e Billie Holiday. “Também gosto de muita coisa da música latina, como Bola de Nieve, Chavela Vargas, Victor Jara, Chabuca Granda, Yma Sumac. Sou metade colombiana, metade brasileira. Ouvi muito rock em espanhol na adolescência”, conta ela, que é neta do poeta colombiano Jorge Gaitán Durán. O caldeirão de influências, misturado às preferências dos companheiros de banda, ajuda a entender o resultado do disco. “Eu curto muito Jimi Hendrix, embora essa influência não seja muito evidente à primeira vista”, diz Emiliano 7. “A mais roqueira aqui é a nossa violoncelista, a Nana. Nana Hagen”, brinca Castanheira.

No palco, a cantora deixa qualquer resquício de timidez do lado de fora. “Já fui tímida, acho que não sou mais. A coragem está aí, já apanhei muito”, diz. Até 2005, o lado musical era conhecido apenas da família e dos amigos mais próximos. Foi quando coordenava as gravações em DVD da montagem teatral de Zé Celso para Os Sertões que o diretor descobriu e revelou a todos sua voz, que é descrita por muitos como uma força da natureza.

O encenador convidou Ava para interpretar e cantar “Luar do Sertão”, o que se tornou um dos momentos mais marcantes da série de quatro peças baseadas na obra de Euclides da Cunha. “Não me interesso pela atuação, mas trabalhar com o Zé Celso é mais do que simplesmente atuar, é uma verdadeira universidade”, diz Ava, que não pôde atender ao convite do diretor para acompanhar, com os músicos do grupo, a turnê de As Bacantes pela Europa, no início deste ano, por causa do lançamento do disco.

Como cineasta, Ava dirigiu o curta Dramática, em 2005, e finalizou no ano passado Ardor Irresistível – longa-metragem realizado durante a viagem com o elenco da peça Os Sertões, em 2007, com codireção de Evaldo Mocarzel. Dificilmente o filme entrará em circuito comercial, mas a diretora estuda possibilidades com distribuidoras alternativas e outros canais de divulgação. “Vamos rodar com o filme em escolas, talvez exibi-lo no Canal Brasil”, diz. Apesar disso, ela conta que o foco da carreira no momento é a música. “Dediquei muitos anos ao cinema, agora é hora de dar um tempo. Vou retomar, mas não sei quando.”

Exercícios imagéticos

Ainda assim, é impossível deixar totalmente de lado a linguagem visual. A cineasta-cantora é responsável por clipes da banda que são lançados semanalmente na internet. “São exercícios imagéticos”, explica. Os meios digitais e a proliferação de celulares são vistos por ela como uma forma maravilhosa de democratizar o acesso ao audiovisual. “É claro que nessa profusão de imagens há invasão de privacidade, humilhações, fofocas, mas, ao mesmo tempo, esse fenômeno pode permitir que apareça um Cartola do cinema”, argumenta, citando o gênio intuitivo do compositor mangueirense.

Ava conta que, enquanto prepara os shows para divulgar o CD, o grupo também começa a trabalhar em novas composições. “O primeiro disco já foi todo apresentado em shows, então estamos garimpando material para as próximas apresentações”, diz. Canções que podem estar nos próximos trabalhos: a banda assinou um contrato com a Warner Music em que consta a opção de lançamento de mais quatro CDs.

Lançar um projeto tão ousado por uma grande gravadora chegou a surpreender a banda. O produtor Felipe Rodarte lembra que ao mostrar o material aos executivos houve interesse de todas as majors. “As músicas arrebataram o Sérgio [Fernandes, presidente da Warner Music Brasil]”, conta Emiliano 7. Castanheira acrescenta: “O disco chegou pronto para eles e tivemos liberdade total. Na verdade, o mercado sente a necessidade de se reinventar, e o fato de um disco como o nosso sair por uma grande gravadora é uma prova disso”.

O que nos leva de volta ao início da conversa, sobre liberdade artística e surpresa. “O ser humano é ávido por isso”, diz Ava. “O problema é quando se subestima o público para enquadrá-lo nas categorias socioeconômicas A, B ou C, em gêneros e tendências precondicionadas.” A tese vale para qualquer tipo de arte, ressalta a artista. “Quando participei de um programa para formação de público levando filmes para populações ribeirinhas na Amazônia, os envolvidos no projeto escolheram obras muito ruins”, lembra. “Eu programei Câncer, do Glauber, em um presídio; e exibi Um Cão Andaluz, do Buñuel, e O Acossado, do Godard, que é um thriller pop maravilhoso, e as pessoas amaram. Sei que o nosso disco não vai agradar todo mundo, como tudo na vida, mas sei que também é por isso que agrada tanta gente”, conclui.

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