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quarta-feira, 6 de junho de 2012

Saudade de Minas Gerais

Emeio remetido pelo artista amigo Mario Drumond (mineiro)

IMPERDÍVEL!!!

Emeio recebido da extraordinária bailarina, minha atriz e amiga, Izabel Costa (mineira)
Oi José
Tudo bem? Saudades...
O filme que vc colocou no Kynoma , Ginger Roger dançando salsa com seu neto, é falso.
Ela faleceu em 1995 com 83 anos.
Isso aí é montagem .
Bjos

ARGUMENTO DE ROTEIRO NUNCA FILMADO SOBRE O UNIVERSO MÁGICO DO SERTÃO DE MINAS

RIO ABAIXO
Afinação de viola característica do sertão mineiro
A viola caipira, parte vital de toda a nossa tradição folclórica, presença essencial na maior parte de nossa herança cultural vem pouco a pouco, devido ao fenômeno da massificação, desaparecendo, primeiro de nossa realidade e logo de nossa memória. Criou-se um hiato entre as gerações e assim , se são poucos os que ainda conhecem a arte da viola , menor é o numero daqueles que se interessam pelo difícil aprendizado. Uma arte que sempre se transmitiu de pais para filhos, numa cadeia que se rompe com o êxodo rural, que substitui a cultura tradicional pela novidade urbana, valores por modismos, criando um desinteresse que beira o desprezo por tudo aquilo que a realidade urbana deixou para trás.
O importante fator de integração social cumprido pelo violeiro tende a desaparecer. A viola que pontuava todos os ritos do convívio, casamentos e batizados, o mutirão e o namoro, a festa sagrada e a profana, cantando a alegria e a dor, mas principalmente sendo o centro focal da vida comunitária e acompanhamento melódico para o verso caipira, memória oral de nossa gente.Com o violeiro desaparecem também várias outras artes. A fabricação da viola e seus sofisticados afinamentos. Folias e Reisados. O Desafio e o Cordel. O Baile e o Ritmo. Com a viola desaparece um pouco de nossa alma.
“Rio Abaixo” é uma proposta de resistência cultural. Contando a história de Zé Bento pretendemos chamar a atenção da importância desse universo em extinção e mobilizar a atenção do público para a necessidade de preservação e resgate dessa nossa manifestação cultural. Salvar a viola e o violeiro é salvar os sons do nosso passado. Se o coração do Brasil emite um som próprio, um batimento só seu, será o da viola, alegre ou triste.
Num pequeno arraial , na área das vertentes (Prados – Rio das Mortes – Minas Gerais) , do lado errado do rio, na pensão das meninas se prepara uma festa. Ritinha vai abandonar a vida para se amigar com um cliente rico, o fazendeiro cinqüentão, Manuel da Onça .As moças da casa preparam uma despedida quase como se fosse uma festa de casamento. Desde o amanhecer estão todas ocupadas na organização da festa. Comidas típicas (cozinha caipira) são preparadas num clima de íntima camaradagem. “Causos” são contados em meio ao riso solto. Tudo isso acontece no avarandado, da cozinha em torno do grande fogão de lenha. Aí se reúnem, de misturada, as cozinheiras, a velha cafetina, as mais experientes e as outras, como Ritinha, ainda na adolescência, sem esquecer o fiel Claudionor, também conhecido carinhosamente como Caluzinha, pau para toda obra, misto de porteiro, garçom, conselheiro, maquiador, cabeleireiro e em caso de ultima necessidade , leão- de- chácara, nesse dia, especialmente, encarregado de assassinar e depenar galinhas. Durante os preparativos chegam, pouco a pouco, alguns dos clientes mais íntimos, entre eles XPTO , o boêmio desocupado, simpático chamego das moças e, imprescindível festeiro, o maior violeiro do local. “Caluzinha” tece comentários sobre o ausente noivo. – “Dizem que dinheiro compra até amor sincero” – “Dizem que analfabeto quando compra livro é pro outros lê” – “Me lembra Ritinha de te dar reveita de uma garrafada que levanta até defunto”, tudo isso pontuado com proverbial “Cala-te boca”. XPTO com olhar perdido, que tanto pode ser , mero resultado da ressaca da noite anterior, como um não-sei-que de incomodo com a despedida, saudades antecipadas talvez, começa a afinar a viola e ensaiar uns acordes .Ritinha entre os comentários de Caluzinha e o som da viola, parece pensativa. O movimento da casa continua enquanto XPTO leva para o quintal seus pensamentos e a viola e vai tocar umas nostalgias debaixo da mangueira. Ritinha enche um copo com cachaça e vai levar para ele: -“Para espantar a tristeza , que hoje é festa.”
Claudionor vai as compras. Passeio pelo arraial de Bichinho. Na venda do Tufiq enquanto faz as compras espalha novidades e convites. Hoje a pensão é só festa. Quem for de casa é bem chegado. Quem não for desculpe o barulho que a música vai correr a noite toda. A Ritinha, quem beijou, beijou; quem não beijou não beija mais, que Manuel da Onça é uma fera. No caminho são apresentados outros personagens locais, entre a venda do Tufiq, os ovos caipiras da parteira , o bolo de noiva das irmãs solteironas e de passagem um encontro com o padre sob os olhares das maledicentes de sempre.
Na casa, o quintal foi arrumado para a festa. Três bancos longos cercam o espaço coberto com arcos de bambu, veio a mesa grande com a toalha de renda, herança materna da velha cafetina. Todas colaboraram com a decoração, que resulta num excesso de detalhes, há flores naturais e de papel, fitas e faixas, a louça melhor e tudo que havia na cristaleira, a cachaça de cada dia e os licores finos das ocasiões especiais. As moças se preparam. Chega o sanfoneiro que com XPTO começa a ensaiar o som, alguém aparece com um triângulo para marcar o ritmo. A cozinheira, já vestida para a ocasião, arruma na mesa as travessas com as galinhas e o lombo, a farofa e a couve, o arroz e o angu, o torresmo e o tutu. Chega mais louça, emprestada da vizinha. Da rua as crianças expiam os preparativos. As irmãs solteiras não vêm , mandam o bolo carregado por dois moleques. Tufq da venda, com uma camisa limpa, chega com duas garrafas de Arak legítimas, sua contribuição pessoal. Aos poucos a casa se enche. Finalmente o Velho Onça , que vinha com a mera intenção de levar as malas de Ritinha, encontra o circo armado e as moças que exigem uma despedida como mandam as regras. Sem saída e meio sem geito, o velho aceita um licorzinho. Começa a festa. Entra Ritinha, num simples vestido de algodão, parece uma criança. Com o cabelo preso com uma fita, quase sem pintura, ilumina a cena. É sem dúvida a rainha da festa. Um nó sobe pela garganta do velho e seus olhos brilham úmidos. O dedilhado da viola se altera com emoção. Passam alguns copos de bebida. Ritinha e o velho começam a dançar, outros casais se formam, Ritinha com a cabeça encostada no ombro do Velho Onça tem os olhos presos no violeiro. O violeiro toca para ela. Depois de algumas voltas o velho cansa e vai sentar no banco ao lado da cafetina. Ritinha prepara um prato e leva para ele. Caluzinha, com um olho em tudo que acontece, coloca nas mãos dela um prato cheio de molho pardo com angú e sugere: - E XPTO, vai ficar com fome? Vai, leva para ele.” O violeiro leva o prato para fora da luz e vai comer perto da mangueira. O velho continua conversando com a patroa. Ritinha passeia com olhos perdidos entre as amigas. A festa continua animada. Na hora de partir o bolo ninguém encontra Ritinha. O violeiro também desapareceu. Na beira do Rio, Ritinha com uma pequena maleta e XPTO com sua viola roubam uma canoa e partem rio abaixo.
Essa história lugar comum serve como pano de fundo para um passeio pelo universo do sertão mineiro, como vitrine para seu folclore, sua culinária, sua paisagem, sua arquitetura, seus hábitos e seus personagens. Mas, é principalmente na música da viola e no violeiro que ela se sustenta. Da afinação inicial (rio abaixo), aos primeiros acordes, às frases melódicas apenas dedilhadas desaguando finalmente na música plena que acompanha e pontua a narrativa.

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