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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Crônicas do Cotidiano


SETEUM

Um dia um cara me perguntou se eu conseguiria fazer um filme comercial, popular, que me rendesse algum dinheiro e também permitisse, no final da minha vida, a redenção financeira exigida por este mundo dominado pelo capital.
Confesso que fiquei um tempo pensando sobre a capciosa pergunta que me fez perder momentos de sono. No primeiro momento conclui: Sou um artista desprovido de recursos financeiros, embora tenha tido, em minha vida, todas as oportunidades para ser hoje um homem rico. Meu avô, foi fazendeiro em Minas; meu pai médico, deputado e prefeito (cassado pelo golpe militar em 1968); conheci, pessoalmente, três presidentes da república: Juscelino, Jango, Tancredo Neves. Com esse último, que não tomou posse, fiz um filme intitulado “Liberdade”; fundei um partido político e fui candidato a deputado (PDT – Minas – Derrotado); Trabalhei para o Estado de Minas na Secretaria da Cultura e na Fundação Clovis Salgado. Fiz por minha conta e riscos mais de vinte filmes, entre curtas, médias e longas metragens, alguns premiados em festivais no Brasil e na Europa. Sou um cara rico, sem dinheiro, que não se arrepende de nada que fez.
Eu, quando andei no mundo dos políticos, conheci pessoas cultas e nobres de caráter e outras espertas e oportunistas. Com esses espertinhos eu tive várias oportunidades de fazer negócios espúrios. Um dia um sujeito de uma agência de publicidade me ofereceu a possibilidade de levantar recursos (dois milhões) para o filme que eu queria fazer sobre Teófilo Ottoni, a grande figura mineira esquecida, contando que, desse montante, a minha produtora liberasse 40%, sem nota fiscal, ao representante do mecenas que me seria apresentado. Confesso que fiquei ao mesmo tempo atordoado e tentado – afinal eu poderia fazer o filme com o que me sobraria... Noites de Insônia. Como justificar 800.000,00, sem nota, sem nada?... O cara, que já era rico, ganharia esse dinheiro todo sem mexer um dedo do pé. Achei isso um absurdo tão grande, que me afastei e desisti de filmar “Ottoni e a Revolução Liberal de 1842”, o que foi uma lástima para o melhor da memória histórica de Minas Gerais.
Meu amigo tinha razão. Preciso saber ganhar dinheiro com o cinema que eu fiz durante toda a minha vida. Não posso aos 63 anos, 45 dedicados ao cinema, não ter um tostão furado no bolso e pior ainda nenhuma perspectiva de trabalho. Em todos os editais que entrei eu não tive os meus projetos aprovados pelos selecionadores de talento do cinema brasileiro. Faço cinema por determinação e teimosia. Se soubesse ontem o que hoje passo, teria dado àquele canalha os 40%. Hoje estou endividado até a alma e não tenho os precatórios para saudar a minha divida assumida com o capital especulativo.Esta é a situação de muitos outros artistas brasileiros, tenho certeza - não podemos pagar nossas dívidas e também não nos restam outros recursos para que possamos sobreviver.
Sou filho de família mineira que tem como tradição cumprir seus compromissos, principalmente os financeiros. E assim, sem saída para essa demanda, escrevo uma carta ao Banco credor oferecendo a minha boa arte em troca do papel podre devido. Sei que eles não vão aceitar, mas de certa maneira tranqüilizo a minha consciência burguesa. Segue a carta: “Senhor diretor eu possuo conta neste Banco há bastante tempo, como pode ser verificado. Por uma série de motivos, alguns pessoais e outros que são de origem político-cultural, tenho passando nestes últimos anos por uma crise financeira que me parece, às vezes, não ter fim. Assim eu pressinto que não poderei , neste momento da minha vida profissional, honrar os meus compromissos com empréstimos e dívidas na minha conta corrente, pois com o tempo, que penso necessário para me refazer, no conseqüente somatório de acúmulos dos juros sobre juros, à minha dívida se tornará impagável. Porém, neste limbo em que me encontro, vejo uma maneira inteligente e nobre de solucionar de imediato esse débito, naturalmente se os senhores diretores aceitarem a minha proposta que é o pagamento da dívida com obras de arte que possuo. Posso oferecer também uma proposta de trabalho de realização de um vídeo institucional sobre qualquer assunto do interesse do Banco e/ou exibir alguns dos meus filmes com palestras sobre cinema para seus funcionários e/ou convidados... Sei que não é política do Banco trocar divida por obra de arte, mas peço que os senhores abram uma exceção e aceite de um artista brasileiro o desejo de honrar os seus compromissos”.
Passa o tempo e não obtenho resposta a não ser a recomendação que eu procure o meu gerente... O que ele pode fazer? Fazer um novo empréstimo?.... O que devo fazer? Posso fazer como o velho Sette, que pagou devendo. Meu pai devia um dinheiro ao Banco Nacional, na época que o Magalhães amava Vera e o José Aparecido amava os amigos e os recebia no luxuoso gabinete do Bancona Avenida Rio Branco. O velho Sette adentrou a sala, com seu jeito estabanado, não falou com a secretária e foi logo empurrando a porta do gabinete do Zé, que estava lotado de amigos, com sua enorme barriga. Foi quando se ouviu a voz tonitruante, com forte sotaque baiano, do jornalista Sebastião Nery, ali presente, dizendo: - Só podia ser o Sette, o único que entra em qualquer lugar sem se fazer anunciar... O José Aparecido, que está sentado atrás de uma bela mesa escura de jacarandá, fala com sua voz macia: - O que traz você aqui tão longe? Vim pagar a minha dívida Zé, ele respondeu baixinho. Os trinta mil? Sim! De que maneira? Neste momento todos que ali estavam ficaram atentos para o desfecho do inusitado diálogo. Meu pai se aproxima mais e diz para o Zé: - Zé, você me ouviu mal, não vim aqui pagar, mas sim pegar sessenta mil com o banco, dos quais vocês podem retirar os trinta da dívida e me passar os trinta restantes, que eu ando precisando pagar algumas dívidas de antigas campanhas... Sebastião Nery levanta-se elétrico e entre uma gargalhada e outra diz em voz alta: - Esse é o Sette-Um mais político que eu conheço... Empresta logo o dinheiro Aparecido! E o Zé, de todos os amigos, emprestou.

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