ABAIXO TEXTOS - CRÍTICAS - ENSAIOS - CONTOS - ROTEIROS CURTOS - REFLEXÕES - FOTOS - DESENHOS - PINTURAS - NOTÍCIAS

Translate

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

texto

"Contundente reflexão sobre o Brasil do cineasta Sérgio Santeiro sobre a mudança do paradigma cinematográfico proposto pelo CBC."

Abrir os portos
É só o que dizem os governistas: o negócio, após oito longos anos em que nem pensaram nisso, é mudar o paradigma. Só se for mudá-lo para a dilgma. Abrir os portos. Nunca. Jamais. Já estão escancarados portos, braços e pernas há mais de 500 anos. Desde o tal "descobrimento de 1500", quando as nossas extensíssimas costas inteiramente abertas e visitadas por visitantes, digamos, nem melhores nem piores que os portugueses que se abateram a dominar brutalmente a terra e seus habitantes nativos. Crime contra a humanidade.Começam aí as aberturas de portos: no massacre dos que aqui estavam e no dos que arrastaram pra cá nos navios negreiros. Tirei boa nota no vestibular na prova de história por ser a questão a famosa abertura dos portos em 1808 ... para os ingleses que gentilmente comboiaram a segunda invasão portuguesa aqui espertamente transplantados os monarcas para escapar das tropas napoleônicas às portas de Lisboa. Deram aos ingleses a opção preferencial no comércio com as nações amigas, mui amigas, descontando-lhes os impostos.A Colônia, como nos chamavam eles, nada podia produzir, nem as roupas, os têxteis, de nosso esplendoroso algodão, só a chita que passou a adornar as vestes das baianas. Tudo tinha que ir e vir de fora para o gáudio dos bucaneiros bretões. E assim é. É a devastação da mera pilhagem, do saque ao ambiente e da chacina dos trabalhadores apesar de muito mais numerosos, no entanto, como reza a triste história, atirados aos jogos e arreglos do poder ficam impossibilitados de assumir seu destino igual ao de todos nós humanos, a vida.E aqui, hoje, continuamos com a supressão das necessidades de sobrevivência interna para ter que ouvir de novo, mais uma vez, que o poder que virá, se e quando vier, vai determinar a abertura dos portos audiovisuais, mercado em que pessoalmente atuo e acompanho. Não sei se também será assim no resto. Não só os americanos, o paradigma é que sejamos pilhados por todos os de todas as nacionalidades.Mui democrático ... para os estrangeiros. Internamente até hoje todos os governos esforçam-se em garantir o monopólio audiovisual norte-americano. E o que é que vai mudar no para a dilgma? Continuaremos os nativos contidos, amarrados, vendo o nosso espaço de trabalho, nosso mercado, sucessivamente assaltado por tudo que nos é estrangeiro.Nada contra, não fossem eles os que nos tiram o leite das crianças. Até seria a favor se fosse isonômico, tantos nossos lá quantos deles cá. A estética não é uma questão de beleza, ainda se fosse para nós somos mais belos, é uma questão de fome. A estética é a da fome.Muitos aplaudirão mais uma maldita abertura dos portos, devem estar levando algum, como a platéia brasileira índia aplaude nos filmes quando a cavalaria americana massacra os índios de lá na terra deles, na terra de nossos irmãos índios, a eles como a nós roubada.Nada de abertura dos portos, ao contrário, pela apertura, devia-se fechar todos eles, nossos braços, nossas pernas, como na gafieira, o que está fora não entra e o que está dentro não sai. Fechar para balanço, digamos, para repartir o pão. Uma vez resolvida a vida de nossos 200 milhões de conterrâneos, os velhos de guerra, então veremos o que fazer com os alienígenas.Abrir portos é apertar ainda mais nosso cinto. Sinto. Se querem mudar o paradigma melhor seria mudá-lo para o digno.

Sergio Santeiro (em A Tribuna, Niterói, RJ, a 22/09/2010).

Nenhum comentário: