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quinta-feira, 2 de setembro de 2010

História

Um Exercício de MemóriaO plano mágico do transatlântico em "Um Filme 100% Brazileiro" 1985

A partir do expressionismo alemão, do neo-realismo italiano e da vanguarda francesa, artistas anárquico-contestadores do outro lado do mundo, na América roliudiana, criavam suas obras desde o caseiro oito mm até exibições com seis ou mais projetores, com temas que iam do homossexualismo até a mais radical anarquia, demolindo instituições e valores morais. Obras como Lúcifer Rising (1966); Invocation of my Demon Brother de Kenneth Anger; Normal Love (1963) de Jack Smith, esses artistas criaram um movimento cinematográfico que se alto proclamou de underground. Foi o jovem Jonas Mekas e a sua revista Film Culture, que liderou na América essa corrente anárquica por uma nova maneira de ver e de fazer cinema. Mekas realizou filmes onde retratava o cotidiano de personalidades como John Lennon, Allen Ginsberg.

Aqui no Brasil surgia, na mesma época, o cinema novo, influenciado pelo neo-realismo italiano, saindo dos grandes estúdios para o cinema de rua. Nelson Pereira e Carlos Diegues dominavam a cena no Rio de Janeiro, mas, quando menos se esperava, aparece o rebelde Glauber Rocha que coloca pimenta baiana nas imagens mineiras de Humberto Mauro, fazendo surgir daí os primórdios de um movimento carioca que se intitulou de Cinema Novo. Filmes revolucionários, de baixo orçamento, feito na rua com o povo como coadjuvante.

No começo os jovens cineastas brasileiros queriam um cinema de guerrilha cultural e popular e estavam conseguindo o seu objetivo. os filmes enchiam salas de cinema e passaram a ser respeitados nos meios internacionais da crítica. Depois da implantação cruel de um regime autoritário, ditatorial e moralista, as coisas começaram a mudar. A indústria cinematográfica de entretenimento comercial com a tutela dos interesses americanos destrói, sem muito esforço, anos de experiência e criatividade, eliminando definitivamente a esse cinema os meios de produção necessários para sua existência.

No final da década de sessenta surgiu, em minha opinião, com Rogério Sganzerla misturando ao underground americano, pitadas do expressionismo clichê de Orson Welles e o cinema popular de Carlos Manga e Watson Macedo, somado ao primitivismo estético paulista da boca do lixo, de um Walter Hugo ou de um Mojica, o que eu chamaria de um novo cinema brasileiro, mais anárquico, mais livre, menos comprometido com o discurso político ideológico panfletário de então, mais preocupado com a poesia da arte do que com a prosa marxista de transformação social. Cinema é cachoeira! Dizia Humberto Mauro. Glauber, que viu o filme de Rogério na pequena cabine da Líder em Botafogo, ficou extasiado, emocionado com o borbotão de imagens e sons que retratavam com ironia, nas dramatizações das cenas poeticamente construídas de uma maneira original e com muito humor, as mazelas sociais das grandes cidade brasileira.

O que era o resultado de um poderoso processo individual de afirmação cultural nas artes cinematográficas, tornava-se parte da criação coletiva e de vanguarda que explodia pelo mundo e se afirmava na sequência lógica da evolução estética apregoada e teorizada por Rosseline, Godard, Glauber, Antonioni, Welles, Straub e outros, através dos seus textos escritos e filmados que justificavam e conceituavam os movimentos de vanguarda que aconteciam mundo afora. No Brasil Rogério Sganzerla era, sem dúvida, a continuação desta explosão estética criativa da arte cinematográfica. Ele era o mais valoroso, o mais rebelde, o mais visionário dos nossos artistas cinematográficos, autor de um cinema popular e poético, liderando e influenciando outros jovens cineastas, anárquicos e transformadores, que se espalhavam pelo país.

O tempo passou e os personagens que desfraldaram a bandeira da transformação do cinema novo em ferramenta de informação cultural e de educação nacional e que fizeram história e escola de cinema novo, vaidosos e enciumados com a coragem de um grupo de jovens cineastas independentes, passaram a hostilizar e a boicotar a possibilidade deles fazerem novos filmes com atitudes bizarras de não reconhecimento, pautada em uma crítica destrutiva sobre os filmes e seus realizadores obrigando a cada um deles se isolar aqui dentro ou lá fora, individualizando a sua arte, formalizando para si a sua escola, a sua maneira particular de retratar, ainda com arte e liberdade criativa, o mundo. Assim os senhores, que no passado se abriram para o novo, acuados entre a arte e o comércio, preferiram o segundo, procurando para isso, uma maneira de atacar, minar, aquele novo cinema que tentava se consolidar na alma brasileira.
Hoje, passado quase meio século de história, eu ainda sinto na pele a marca daqueles tempos de terror. E quanto mais eu vivo, mas vejo a minha arte e a dos meus pares restrita a guetos de admiradores sem a possibilidade de atingir ao grande público. Assim nem o cinema dito comercial, tão acalentado pela nova geração de cineastas, nem o cinema de arte ainda exercitado por alguns fanáticos como eu, tem espaço nas telas do seu país e se contentam em ser exibidos, quando possíveis e aceitos quando vistos, em canais fechados de televisão.

Segundo o cineasta americano Stan Brakhage, “o cinema não deveria se apropriar da figuração visual, pois a mesma implicaria em uma narrativa e, consequentemente, uma moral. Sua proposta é redescobrir o mundo e a ti mesmo através do olhar, numa entrega contemplativa, não reflexiva, um ato mágico. Em suas palavras: Imagine o jardim como você quiser – o crescimento se dá fundamentalmente no subterrâneo”.

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