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sexta-feira, 16 de abril de 2010

CRÍTICA

De Novo o Vídeo Depois os Livros
Recebi e assisti ao vídeo do meu amigo professor Gilberto Vasconcelos. No pacote remetido com o DVD, chegaram também dois livros de sua autoria que eu ainda não conhecia: “Depois de Leonel Brizola e A Questão do Folclore no Brasil – do sincretismo à xifopagia”. Mas hoje eu quero falar sobre o novo vídeo do escritor, pois os livros precisam de mais tempo. Gilberto anda experimentando o audiovisual digital de uma maneira surpreendente. Lembro-me que quando morava em Juiz de Fora ele me apresentou alguns trabalhos realizados com seus alunos na universidade. A princípio fiquei espantado, não entendi direito o motivo da opção cinema. Irônico e panfletário, sob o signo glauberiano do inconformismo, ele usava a câmera como uma caneta agitada que registrava, documentava e reinventava, sem saber ainda, o inter-documentário, a linguagem nova do documentário jornalístico via internet. É ai, professor, que está o seu público.
Criando observações estéticas na ideogenia de alguns personagens admiráveis de nossa história, ele estuda o Brasil, homenageia-os nos seus livros e quer agora, através da imagem digital, chegar mais perto de todas as manifestações artísticas, na luta das ideias política e sociais. Gilberto é uma locomotiva a todo vapor na observação e na reflexão sobre assuntos e personagens do seu tempo, por eles exaustivamente estudados e dissecados com nobreza e conhecimento.
Possuindo uma inteligência e uma cultura revolucionária, passa-nos, pelos seus textos consistentes e muito bem escritos, uma nova visão do homem latino americano, uma visão nova deste continente esquecido, uma revisão crítica da nossa arte, da nossa massacrada cultura, do homem brasileiro em toda sua musicalidade.
“Darcy Ribeiro Um Só Corpo Varias Peles”; com esse belíssimo título ele homenageia o nosso mais querido antropólogo, realizando um vídeo documento, síntese do pensamento socialista brasileiro.
No começo a música épica, sobre os recortes plásticos das montanhas, anuncia e prepara o espectador para o gigante que se quer mostrar – Mayra, Mulo, Migo – são as palavras chaves do entendimento. Morte é o quarto romance que ainda não foi escrito, nem dito... Cruz-credo! Darcy não queria morrer. Só não queria ser esquecido. Que bela cadeira de descanso vazia onde um dia... Que belo plano, quase cinema. Descaso da preguiça. Macunaíma. Grande Otelo. Shkspr...! Welles. Coincidência para os tolos. Gilberto escreve o seu inter-documentário pelos dois olhos de Darcy e por milhões de outros olhos dos seus pares, homens fotografados que caminharam com ele por toda uma vida dedicada ao resgate da nossa nacionalidade e da dignidade perdida do seu povo. Silêncio. Cage. Perfeita a trilha. Não morrer. Ficar. Ficar nas palavras de concreto armado. Amado por quem já te conhece e admirado por quem vem um dia a te conhecer através deste documento visual que nos presenteia o professor Gilberto.
Um vídeo dialético que só não é definitivo porque perde, não para mim, é claro, mas para o espectador comum da internet, onde espero vê-lo exibido exaustivamente, o sentimento e a interpretação dramática do texto. Não faz mal?
Um crítico da folha poderia escrever: Gilberto vocifera, com a voz impostada, suas panfletárias reflexões sobre o seu homenageado, não que o texto lido seja de todo ruim, mas por falta de domínio vocal e do costume da leitura narrativa, feita no estúdio, em frente de um microfone, ele escorrega no texto e sem esses atributos a narração torna-se lenta e falha, monocórdia, perdendo todo o impacto inicial numa sucessão erros interpretativos, de lamentos sinfônicos com qualidade duvidosa. A partir do Negro, da belíssima sequência de imagens e de trilha sonora exemplar, o som da narração melhora, fica mais presente, mas ainda sem as inflexões necessárias que só um profissional faria com talento. Sem o distanciamento crítico e uma direção segura, a narração perde-se na introspecção dramática do texto. Quando é citado que Rondon morreu nos braços de Darcy, a inflexão dada à leitura do seu nome chega, pela interpretação histriônica do narrador, quase ao deboche. Sei que não era essa a sua intenção, ou era? Mas quando o texto se sobrepõe a belíssima imagem em preto-e-branco do carregador de papel, o homem besta de carga puxando o seu carrinho pela madrugada da cidade de Juiz de Fora, o cinema impõem a sua estética e todos os erros viram acertos. O mesmo digo quando a mão do mestre toca na mesa ao lado de Jango e o piano inicia a sua romântica melodia. Como é puro o sentimento que você nos passa quando nos apresenta a bela mulher Berta Ribeiro. A musa verdadeira de Darcy.
A opção do Partido Trabalhista, sem nunca deixar de ser marxista... A partir daí a narração cai numa confusão desenfreada. Que pena. Nesta loucura final Gilberto entra com o retrato do Glauber. Ele aponta para o caos – justifica o texto lido - como podia se esquecer de citar o baiano do programa de tevê loucura-abertura? Entre Deus e o Diabo, a impossibilidade de ser pior lhe faz acertar novamente sem saber! Um só corpo – liberdade – América livre – Imperialismo e Marxismo - O binômio do socialismo moreno. No cinema é preciso ter direção, dura direção em tudo. Nada que incomode esteticamente pode passar aos olhos críticos do autor-diretor. Ditadura Libertária Obra de Arte! No cinema de autor não existe o coletivo. Apesar dos trancos da preguiça e das dificuldades acadêmicas, Gilberto consegue experimentar, inventar, exercitar, um “grand- finalle”, quando na trilha sonora entra o violão, a cuíca e o samba tocado pelo genial Rabello, embalando e encantando as figuras de Darcy e Brizola, na edição moderna e compassada daqueles dois que levaram o samba para a escola integral da avenida.
Ali na alegria da visão onírica, carnavalesca, dionisíaca do povo feliz, em festa, Evoé, o inter-documentário de Gilberto Vasconcelos explode com toda a grandeza que ele realmente tem. Parabéns professor! Siga em frente em sua determinação marxista-trabalhista, revolucionando permanentemente o porvir e escrevendo sem parar com sua nova caneta, transformando a memória em coisa viva, mas sem nunca perder a poesia nossa de cada dia.

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