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terça-feira, 21 de julho de 2009

A Saga do Cinema de Vanguarda Brasileiro III

Terceiro Dia

Acordei cedo. O sol brilhava iluminando o pico do Itacolomy. O frio era intenso quando saímos para a varanda na frente da Pousada. Hoje era dia dos filmes do Andrea Tonacci.
Ontem eu tinha dado para Cristina, sua mulher, uma pílula de um relaxante muscular, pois Tonacci estava com dor nas costas e perguntei a ela como ele havia acordado. Ela me respondeu que meu amigo estava com febre e dor de cabeça e que iria ao hospital fazer uns exames, mas que a dor nas costas havia passado. A paranóia do vírus da nova gripe estava solta nas montanhas que envolvem a velha cidade do barroco brasileiro. Ficamos todos preocupados e saímos comentando o acontecido. Hoje passaria no Cine Vila Rica o seu novo e premiado filme “Serras da Desordem” que todos nós queríamos assistir.
Eu e o cine olho Sylvio Lanna saímos em busca de um restaurante onde houvesse uma comida frugal, leve, pois nos sentíamos empanturrados com o frango a molho pardo que comemos no dia anterior. Sylvio pegou a lista de restaurantes e escolheu pelo nome o que lhe pareceu o melhor. Acertou em cheio. Assim fomos comer uma comida árabe num recanto agradável em frente à Igreja do Rosário. Ao sair do restaurante descobri que ali na frente morava Liginha Duran, atriz do meu filme Amaxon, e sai para procurá-la. No caminho encontrei-me com o músico Robertinho Silva, que ia a algum acontecimento que envolvia a turma do Clube da Esquina. O Festival desse ano homenageava os velhos rapazes que fizeram com Milton Nascimento a nova música mineira.
Liginha não estava em sua bela casa onde bati palmas, mas ninguém apareceu. Quando caminhava pela rua de pedra, com vista total da Igreja do Rosário, a dona do restaurante me disse que ela tinha ido para o Rio de Janeiro. Que pena, pensei, gostaria tanto de reencontrá-la. Silvio de olho fotografava tudo que via. Nada lhe escapava. Nem alguns fantasmas que se escondiam nas arredondadas torres. Achei que iria encontrar, aqui em Ouro Preto, o Marcinho e o Lô e tantos outros amigos mineiros... Senti a falta do Paulinho Giordano, do Fernando Tavares e do Milton Campos Neto que tão bem nos contava as tragicômicas histórias do capitão Leite e da prisão de todo o cast do Living Theatre - PARADISE NOW! Mas, na certa não era essa à hora. Por outro lado recebi logo, no primeiro dia, o abraço afetuoso do meu irmão, o extraordinário ator Paulo Augusto Lima, que trabalhou com Judite Malina e Julian Beck e com quem eu quero brevemente filmar.
Com febre alta, meu amigo Tonacci não poderia ir à sessão dos seus filmes e partiria no dia seguinte para São Paulo, não podendo assim assistir aos meus filmes. Geraldo Veloso também tinha compromisso agendado para o dia... Gostaria que eles tivessem ficado para assistir o Amaxon.

Por outro lado chegava à cidade, para ser homenageada pelo Festival a bailarina, fundadora do grupo corpo, Izabel Costa, acompanhada pelo editor e artista gráfico Mario Drumond, dois grandes amigos, com os quais eu havia marcado um encontro na casa do poeta Guilherme Mansur.

Sylvio Lanna me leva no seu carro movido a bateria de escola de samba para um encontro sobre a bucha que lavará a alma do mundo e acabo dentro de uma loja onde reencontrei algumas peças do escultor da cidade de Cachoeira do Brumado Artur Pereira e pude rever o presépio que ficava em um posto de gasolina, o último da estrada, para quem ia em direção de Ponte Nova.

Chegamos à porta do Cinema e já estava na hora de assistir ao primeiro filme do dia.
Assim que entrei apagaram-se as luzes e iluminou-se a tela com uma sequência de belíssimas imagens sobre a floresta virgem enevoada. Fiquei incomodado, pois aquela beleza me remetia aos sentimentos conflitantes dos planos iniciais dos grandes filmes de guerra: embora as imagens fossem de uma beleza estonteante havia ali alguma coisa de muito errada, como se o indefectível helicóptero que sobrevoava as copas das árvores invadisse um território sagrado, um predador do tempo, ameaçador e indecifrável, que de repente, no corte extra-seco da edição, se materializa através do som numa potente máquina, na locomotiva que avança ameaçadora contra tudo e contra todos. Perde-se o fôlego com o impacto da primeira agressão das forças contrárias que dominam ainda essas terras do sem fim. Tonacci passa, a partir daí, a contar de uma maneira quase ficcional a trajetória trágica do índio nômade Carapirú (um personagem de Kurosawa) que tem sua família massacrada pelos invasores e predadores de uma civilização há muito extinta. Um filme que corta a alma do mais insensível espectador e que nos mostra com clareza quem somos nós e o que fazemos.

Sai do cinema atordoado com aquela história verdadeira e perversa e encontrei com os meus amigos Mario e Izabel. Fomos para a casa do Guilherme onde tomamos um vinho e nos deliciamos com um queijo de minas curtido no armário centenário de sua cozinha.
Recebi dele duas de suas belíssimas edições de presentes: haicavalígrafos e bandeiras territórios imaginários.















Nesta noite o frio era incontrolável e voltei para pousada congelando os ossos. Passei a noite toda com uma tosse terrível. Mal pude dormir. Tinha que me preparar para a exibição dos meus filmes. Acordei com a cabeça no pé.

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