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domingo, 5 de julho de 2009

AMAXON

Amaxon - Vera Barreto Leite
Por uma simples sessão de cinema digital

Para um artista a vida é perigosa. Na criação do objeto de arte, onde tudo pode acontecer, ele se joga de corpo e alma.

Fazer da poesia cinema é ainda opção de poucos. Sem a poesia a vida fica pobre.

Nada se cria e nada se transforma sem arte, sem luz, sem o talento e a presença poética da deusa da criação...

Depois de que se regulou a máquina digital, na cor e no brilho, equalizou-se o som estéreo digital, no volume certo, respeitando todo público presente, abriu-se novamente as portas para o cinema brasileiro na hora programada.

A sessão começou às 22.00 horas.

O hall, vazio de mesas, estava cheio de pessoas que se movimentavam de um lado a outro esperando que as luzes da sala de exibição ao lado se apagassem.

Pessoas amigas e corajosas que saíram das suas casas, às vezes de locais distantes, enfrentando a cidade noturna e violenta do Rio de Janeiro, aportaram em uma praça mal iluminada, vazia, perigosa, procurando onde ficava “O Cabeção” , o indelével memorial onde uma escadaria underground as levariam a sala luxuosa e gelada, pelo ar-condicionado, do pequeno cinema, para assistirem ao filme Amaxon.

Tudo pronto. A sala cheia. Apagam-se as luzes. Última chamada. Inicia-se o filme.

AMAXON!

Três minutos se passaram. Os espectadores estão atentos e curiosos com a primeira sequência de imagens e sons... Quando de repente a luz do fraco projetor amador não suportando o calor da noite queima. O som continua. Todos esperam ansiosos. Não há um técnico projecionista na sala, o pobre rapaz que estava ali para ligar os equipamentos de nada sabia. Não havia lâmpada em estoque para substituir a queimada... – Mas, não foi a lâmpada que queimou! Gritou o primeiro espectador que tentava ajudar a encontrar o problema... Desliga-se o som. A sala continua as escuras. A partir desse momento instalou-se o caos... Todos queriam colaborar para que a luz de Amaxon volta-se a brilhar. Mas os deuses do caos, da conspiração, do desleixo, da incompetência, não permitiram e o tempo foi passando, os amigos indo embora, o bar era o único que faturava o acontecido, vendia-se sem parar o álcool para espantar o tédio e o frio.

A ansiedade da equipe que realizou o filme era indiscutível. Como se desculpar com todos aqueles que estavam ali atônitos com tamanha desorganização e imperdoável desrespeito com o cinema brasileiro?

Para o diretor, no momento indescritível do reconhecimento primeiro de sua obra, foi uma tragédia de proporções inimagináveis.

Nada mais adiantava fazer se não se desculpar perante a platéia de amigos cineastas, críticos e estudiosos da arte cinematográfica, atores, produtores e atrizes que estavam ali presentes. Como calcular esse prejuízo?

Resta-nos agora questionar o seguinte:

Porque um lugar bem construído, em um ponto nobre da cidade do Rio de Janeiro, que pertence a Prefeitura e é hoje arrendado a uma produtora de cinema, que não tem nenhum outro compromisso com o cinema brasileiro a não ser aqueles que podem lhe render alguns trocados, (400 reais pela exibição), não é um bom lugar para se exibir, para amigos e convidados, um filme brasileiro livre e independente de verbas oficiais?

Estaria tudo perdido se não fosse a intervenção da banda Studo Mudo que mostrou-nos um pouco de suas boas composições, um misto de baião com rock progressivo e que transformou aquele espaço triste em um verdadeiro underground londrino, onde todos se encontravam exilados de seus objetivos iniciais, mas felizes no reencontro cênico de amigos de loucas memórias, matando saudades, como se o filme Amaxon invertesse o seu início, tornando-se teatro.

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