ABAIXO TEXTOS - CRÍTICAS - ENSAIOS - CONTOS - ROTEIROS CURTOS - REFLEXÕES - FOTOS - DESENHOS - PINTURAS - NOTÍCIAS

Translate

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

UM CONTO DE REIS

Gladys e Neville 1970

CARACOL DE PERTURBAÇÕES LEVEMENTE CONTROLADAS

 Fábio Carvalho

 “Nas comédias, como nas tragédias, no fim do terceiro ato a heroína hesita.”
 “Uma Mulher é Uma Mulher” o filme.            

A mulher e seus encantos. O amor louco tão propagado pelos surrealistas, sempre foi para mim um tipo de sensibilidade máxima do conhecimento a ser atingido, se possível fosse. A beleza nos leva a crer que a razão e as normas preestabelecidas vão sempre nos incomodar e nos conter num mundinho de realidades coercivas e latifundiárias. Sem risco. Mas que nada um samba como esse tão legal. Ela pensando no que pensava pôs o pezinho na raiz da árvore e quase caiu de novo. Vale a pena ver como ela anda alegre sem se importar com o poder da gravidade e nem das possibilidades que ela levanta. Também se assim não andasse não permitiria o desequilíbrio motivador de todo o portamento, daquela dolorida bela voz que nos indicava as saltitantes libélulas dos caminhos. Ela é quase Stevie Wonder no swing. O deslize vocal tem me tornado o radical desejoso desta dificuldade. Difícil ainda não vi como ela. Para quê as facilidades. A linguagem. Ralentamos a melodia, assim é bem mais gostoso. Peço eu. Tenho andado meio ríspido sem saber bem o porquê, ademais nunca sei o porquê dos porquês, nem procuro muito saber. Vamos voar. O filósofo de “Viver a Vida”: “falar é inútil, seria agradável vivermos a vida sem falar”. É uma solução provisória e instantânea do momento presente, que poderíamos sentir sem muito esforço e talvez sem desgastes desnecessários ao andamento sincopado. Imediatamente vamos comer uma muqueca de camarão na baiana do acarajé. Digo sem pestanejar, apenas nós dois e como disse alguém, não quero conhecer ninguém que não conheço. Está bom, até parece que não temos asas para essas ocasiões. Ela aterrou no natural de saias e toda rosa. Diante de tal escultural representação do paraíso visual o mundo poderia acabar. O fim seria belo. A bientôt. Un scotch, un bourbon, une bier. La mer. Ouvindo ao longe um imponderável bandoneon vindo lá da França. Novamente tenho que trabalhar uma maldição Saturno. Nada pior para trazer a abjeta realidade, do que contas a pagar. Organizando pequenas desavenças, consigo me voltar para o que realmente interessa: o filme que estou a fazer.
Agora o descompasso me ajudou. Vejo o Rio de Janeiro. Escandaloso e inaudito será viver a vida que se apresenta. O escândalo não é mais possível disseram eles em 1955.

A alegria é a prova dos nove. Chegaremos lá aos setenta? Preciso de um tanto mais, avançaremos na suavidade bem utilizando o tapete voador se desenrolando como “Tempo do Mar” música do Tom Jobim. Passos terra (depois do carro) continuam no close da jovem Yara. Vamos falar da montagem. Relação da forma por analogia ou por contraste no tom e no movimento dos planos. Corte na imagem e no som. Só o conflito revela a atração. Vou copiar um pouquinho do pensamento que sempre achei que era o meu. Há os que buscam o ângulo, o efeito. Por outro lado, há os que apreendem o real tal como é. Ela parece conter a diferença, entre os cineastas que acreditam na imagem e os que acreditam na realidade. A imagem é a realidade e a realidade é a imagem de um texto mais ou menos torto. Estou junto com os últimos, aqueles que acreditam na realidade imagem. Sejamos capazes de nos aprofundar nesta especificidade. Cuidado verniz fresco, assim estava escrito com tinta vermelha no papel branco pregado na parede do corredor do prédio quando cheguei. Estranhamente esta frase me acompanha até agora. Com ela na cabeça de súbito, encontro após anos sem vê-la, com a minha atriz Luciene Vianna no butequim da esquina, justamente quando a escalamos para viver uma das alunas do Guignard. Doce encontro. Voltei a acreditar. Mistério e cinema.