Gladys e Neville 1970
CARACOL DE
PERTURBAÇÕES LEVEMENTE CONTROLADAS
Fábio Carvalho
“Nas comédias,
como nas tragédias, no fim do terceiro ato a heroína hesita.”
“Uma Mulher é
Uma Mulher” o
filme.
A mulher e seus encantos. O amor louco tão
propagado pelos surrealistas, sempre foi para mim um tipo de sensibilidade
máxima do conhecimento a ser atingido, se possível fosse. A beleza nos leva a
crer que a razão e as normas preestabelecidas vão sempre nos incomodar e nos
conter num mundinho de realidades coercivas e latifundiárias. Sem risco. Mas
que nada um samba como esse tão legal. Ela pensando no que pensava pôs o
pezinho na raiz da árvore e quase caiu de novo. Vale a pena ver como ela anda
alegre sem se importar com o poder da gravidade e nem das possibilidades que
ela levanta. Também se assim não andasse não permitiria o desequilíbrio
motivador de todo o portamento, daquela dolorida bela voz que nos indicava as
saltitantes libélulas dos caminhos. Ela é quase Stevie Wonder no swing. O
deslize vocal tem me tornado o radical desejoso desta dificuldade. Difícil
ainda não vi como ela. Para quê as facilidades. A linguagem. Ralentamos a
melodia, assim é bem mais gostoso. Peço eu. Tenho andado meio ríspido sem saber
bem o porquê, ademais nunca sei o porquê dos porquês, nem procuro muito saber.
Vamos voar. O filósofo de “Viver a Vida”: “falar é inútil, seria agradável
vivermos a vida sem falar”. É uma solução provisória e instantânea do momento
presente, que poderíamos sentir sem muito esforço e talvez sem desgastes desnecessários
ao andamento sincopado. Imediatamente vamos comer uma muqueca de camarão na
baiana do acarajé. Digo sem pestanejar, apenas nós dois e como disse alguém,
não quero conhecer ninguém que não conheço. Está bom, até parece que não temos
asas para essas ocasiões. Ela aterrou no natural de saias e toda rosa. Diante
de tal escultural representação do paraíso visual o mundo poderia acabar. O fim
seria belo. A bientôt. Un scotch, un bourbon, une bier. La mer. Ouvindo ao
longe um imponderável bandoneon vindo lá da França. Novamente tenho que
trabalhar uma maldição Saturno. Nada pior para trazer a abjeta realidade, do
que contas a pagar. Organizando pequenas desavenças, consigo me voltar para o
que realmente interessa: o filme que estou a fazer.
Agora o descompasso me ajudou. Vejo o Rio de
Janeiro. Escandaloso e inaudito será viver a vida que se apresenta. O escândalo
não é mais possível disseram eles em 1955.
A alegria é a prova dos nove. Chegaremos lá aos
setenta? Preciso de um tanto mais, avançaremos na suavidade bem utilizando o
tapete voador se desenrolando como “Tempo do Mar” música do Tom Jobim. Passos
terra (depois do carro) continuam no close da jovem Yara. Vamos falar da
montagem. Relação da forma por analogia ou por contraste no tom e no movimento
dos planos. Corte na imagem e no som. Só o conflito revela a atração. Vou
copiar um pouquinho do pensamento que sempre achei que era o meu. Há os que
buscam o ângulo, o efeito. Por outro lado, há os que apreendem o real tal como
é. Ela parece conter a diferença, entre os cineastas que acreditam na imagem e
os que acreditam na realidade. A imagem é a realidade e a realidade é a imagem
de um texto mais ou menos torto. Estou junto com os últimos, aqueles que
acreditam na realidade imagem. Sejamos capazes de nos aprofundar nesta
especificidade. Cuidado verniz fresco, assim estava escrito com tinta vermelha
no papel branco pregado na parede do corredor do prédio quando cheguei.
Estranhamente esta frase me acompanha até agora. Com ela na cabeça de súbito,
encontro após anos sem vê-la, com a minha atriz Luciene Vianna no butequim da
esquina, justamente quando a escalamos para viver uma das alunas do
Guignard. Doce encontro. Voltei a acreditar. Mistério e cinema.
Um comentário:
This is cool!
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