Djalioh é um Filme do Absurdo e do
Absoluto que eu Desejo e Vejo
“A
medida de uma alma é a dimensão do seu desejo”
(Flaubert),
O careca
Gustave Flaubert de Madame
Bovary deve ter
explodido e brilhado no além quando Ricardo Miranda resolveu adaptar e filmar o
seu texto mais confuso e mais infantil para o cinema. Transformar os vícios da
tristeza infantil dos europeus nas virtudes da beleza feminina da juventude brasileira,
eu tenho certeza, foi o seu maior prazer. Incorporar aos textos pesados e
carregados de neurose europeia as belas imagens serranas e ressuscitar Djalioh
gozando na mata atlântica é sem dúvida trabalho de fôlego de quem busca no
insondável a poesia nossa de cada dia. O brasileiro idiota que chega à
civilização e tem a mesma idade do autor, é mesmo um idiota, ou seria um ser
incompreendido pela sociedade burguesa e careta que o escraviza A mesma
sociedade aristocrática europeia que faz uma negra copular com um macaco africano,
nascendo dali o ser Djalioh, que quer nos deixar, paradoxalmente, nos elevar de
amores e carícias, de vômitos e volúpias, de índios e portugueses. Ricardo Miranda não
está e nunca esteve preocupado em narrar uma história, nem mergulhar no tempo
passado, no épico autoral deste autor histórico. Filma como se vivêssemos todos
esses absurdos agora, hoje no tempo real. Esta sua liberdade poética é que me
encanta e me agrada muitas vezes no filme dos belos planos longos que por serem
estáticos não formalizam sequências, não tem começo, nem fim. Os diálogos de
Flaubert são curtos e cheios de ação em sua construção. contrapondo a eles imagens
inertes e alongadas. Dialética cinematográfica de síntese einsteiniana do espaço-tempo. Movimento cinético de
radiações do pensamento onde uma ideia que surge subitamente está associada a mil
palavras.
Mas o principal de tudo isso são as
atrizes Bárbara Vida e Mariana Fausto que estão
soberbas em suas atuações amorosas recriando, com toda dramatização necessária,
às tristes musas da aristocracia francesa. Incapacidade intelectual e insensibilidade moral
caracterizavam estas personagens que tentam escapar à realidade através de suas
frias relações com Otávio III no papel de
Djalioh, que esta brilhante em sua singeleza expressionista. A bailarina Cátia
Costa encarna uma escrava e parte para um realismo chocante surreal e nojento. Helena
Ignez e Tonico Pereira trazem em seus personagens a obsessão fantasiosa
de quem em um simples gesto de abrir um leque, tal qual uma bailarina chinesa, uma
bonequinha de cristal, nos eleva aos olhares mais atentos e em segundos a toda uma
tradição milenar, contrapondo, do outro lado do espetáculo, com Tonico Pereira oculto na
presença do simples médico mascarado, iconoclasta do absurdo, observando em
silêncio o fim a história dos cadáveres estirados no chão, tal qual o pai
cirurgião açougueiro, foi ele escrutador de algumas palavras, talvez com gemidos e
choros retidos nos ruídos do perscrutador do absurdo, da falta de sentido, ou da
justificação racional para a existência do homem neste universo tão bem
iluminado e retratado pela magnífica lente e sensível fotografia de Antônio
Luiz Mendes. O que mais podemos pedir de um diretor se ele apresenta-nos um
radical filme de meditação suprema? Um filme, e não vídeo, de autor
cinematográfico, que, sem medo, experimenta, inventa e realiza, sem nenhum
recurso financeiro, uma obra de fôlego, sobre o fogo da vida.
Jose
Sette
jan/2013
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