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quinta-feira, 28 de julho de 2011

Não Vi O Filme, Já Gostei...

NOTÍCIAS DA ANTIGUIDADE IDEOLÓGICA: MARX, EISENSTEIN, O CAPITAL


DIREÇÃO Alexander Kluge DISTRIBUIÇÃO Versátil

Da Folha de São Paulo por ELEONORA DE LUCENA


Sobre o diretor alemão Alexander Kluge São nove horas e meia de filme. O desafio é trazer para a tela "O Capital", de Karl Marx, misturando com "Ulisses", de James Joyce.A ideia original foi de Sergei Eisenstein quando, em 1927, começava a cortar às 29 horas de "Outubro". O cineasta russo pensou em usar no seu novo projeto o método do escritor dublinense. Restaram anotações esparsas.A partir dessa matéria-prima, Alexander Kluge criou o seu amazônico "Notícias da Antiguidade Ideológica, Marx, Eisenstein, O Capital".Kluge, que aprendeu a filmar com Fritz Lang quando ele fazia "O Tigre de Bengala" (1959), conviveu com Adorno e se engajou no movimento do novo cinema alemão. Faz produções independentes e atua na TV alemã.Seu "O Capital" é todo fragmentado. Usa múltiplas linguagens: imagens antigas, fatias de ópera, entrevistas com intelectuais, ensaios de música, trechos de filmes, letreiros de cartazes, reportagens, encenações caricatas com atores, declamações de poesia, documentários e leituras de clássicos. (...)É experimental e caótico.O diretor parece não ter preocupação com o tempo e com a edição. Filósofos debatem com o cineasta o fetiche da mercadoria, a destruição criadora do capital, as revoluções, o trabalho alienado, a mais-valia, a crise do capitalismo. O ritmo às vezes é muito lento e cansativo. Noutras, é frenético e pede reflexão. Surpresas deságuam de quando em quando.Em entrevista à Folha, Kluge, 79, diz que esse jeito de filmar tem paralelo com a "Odisséia", de Homero. Explica que não trabalha com os métodos lineares de narrativa. Prefere usar a metáfora de uma bola, em que, a partir do núcleo, saem as histórias. "Se você fica no centro da bola, pode atingir todos os seus pontos e sempre voltar ao núcleo. Pode trabalhar em fragmentos, com pequenos filmes abreviados. Isso mantém o interesse do público." E quem é o público de Kluge? O filme é para poucos, para intelectuais, para ser debatido em grupos de estudo?, pergunto. "Não tem nada de acadêmico. O filme é para pessoas normais -jovens, por exemplo. As pessoas são mais inteligentes do que a mídia pensa."Kluge ("A Patriota") reconhece que não é fácil explicar temas como economia, Marx, Eisenstein. No decorrer do filme, fica perguntando como fazer isso a seus entrevistados. O resultado em geral não é didático. Mas, no início do segundo DVD, o filme "O Homem na Coisa", de Tom Tykwer, abre uma inusitada janela de luz sobre o intrincado conceito de mercadoria. Numa cena banal de rua de Berlim, a câmera mergulha nos detalhes, buscando a história de uma bolsa, um chiclete, uma pedra de calçamento, uma placa -de onde vem tudo isso, qual foi o trabalho envolvido.É um dos pontos mais interessantes do conjunto. Na sequência, uma citação de "O Capital": [A análise da mercadoria] "mostra que é uma coisa muito complexa, cheia de sutilezas metafísicas e de argúcias teológicas".À Folha Kluge afirma que Marx, assim como Adam Smith, é essencial para entender a crise atual. Acentua que é contra dogmatismos. "Marx não foi dogmático; foi também um poeta", diz. Para o cineasta, a compreensão da realidade exige "o uso de vários mapas", até o dos economistas de Chicago.Conta que fez um filme sobre a crise grega, fazendo ligações com a Alemanha. Outro, de sete horas, sobre a história do Japão e o desastre de Fukushima. Mais um, de 12 horas, trata da Primeira Guerra. Sua mais recente obra revisita o mito do Minotauro para discutir o amor.Fala com entusiasmo da rebelião no Egito e refuta a ideia de que o mundo esteja mais conservador. "Os governos podem ser conservadores, mas as coisas, mesmo assim, estão mudando. A realidade é fragmentada." Como em seus filmes. E Hollywood? Ele suspira. "Não tenho nada contra. Poderiam fazer mais." Elogia "Bastardos Inglórios", de Quentin Tarantino. "O cinema é como o mito de Fênix", diz, avaliando que hoje há muitos novos e bons cineastas. Como exemplo, cita o alemão Romuald Karmakar. Mas sua predileção é mesmo por Eisenstein e Jean-Luc Godard, que dá uma curiosa entrevista no terceiro DVD. E como se define Kluge? "Não sou político; gosto de observar as coisas", diz.

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