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quarta-feira, 2 de março de 2011

Um filme de terror

Política pública da Vergonha

O que aconteceu com Vera Lúcia nesta grande cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, foi esse descaso vergonhoso, aqui narrado, que mostra a total incompetência e desrespeito dos responsáveis pela saúde da nossa gente. O pior é que todo esse horror anda também acontecendo em muitos outros hospitais e postos de saúde de todo o país.
Quem não tem seguro de saúde para bons médicos e bons hospitais que se dane...

O CIRCO DOS HORRORES DA "NOVA JUIZ DE FORA"
Vera Lúcia Ciuffo (*)

O que anda acontecendo nessa cidade em termos de atendimento à saúde é o caos total! No dia 9 de fevereiro passado, sofri um AVC - Acidente Vascular Isquêmico - prontamente diagnosticado por um médico que estava presente no local onde perdi os sentidos. Graças à sua pronta interferência, o SAMU me recolheu e me conduziu ao HPS- Hospital de Pronto Socorro de Juiz de Fora, pois não tenho plano de saúde. Lá chegando fui prontamente atendida pela equipe de plantão, que me comunicou que eu seria internada, para fazer os necessários exames e a observação do quadro. Aí, minha gente, começou a minha "via crucis" Os corredores do HPS estão lotados de macas, cadeiras e gente espalhada por todos os cantos. Me instalaram, então, "confortavelmente", ao lado de uma senhora que lá estava desde o dia 6, portadora de um tumor na base do cérebro, aguardando transferência para a Santa Casa, onde se submeteria à uma ressonância que diagnosticaria a evolução do tumor para os devidos tratamentos. Bem, então fui instalada ao lado dela, na porta do elevador, por onde transitavam os profissionais, os carrinhos de refeição, de roupa suja e limpa, tambores de lixo, enfim, todo o movimento era feito ali. Privacidade zero. O barulho ensurdecedor. As pessoas transitam pelos corredores como se estivessem saindo de um baile. Gargalhadas, conversas e o bater das portas do elevador impediam qualquer possibilidade da gente se recuperar, ou no meu caso, da pressão ser estabilizada. O auge do absurdo foi atingido, quando a acompanhante da minha companheira de porta de elevador, precisou trocar a fralda geriátrica da mesma. Foi efetuada uma operação BBB, entre ela e minha filha para que ela pudesse ser trocada, sem que as pessoas que circulavam pelo corredor e os elevadores não invadissem a sua privacidade, literalmente. Vejam bem: ela tem mais de 70 anos, cabelos brancos e esse absurdo acontecendo a ela - uma humilhação que não se deseja ao pior dos infratores. Falando neles, há também uma circulação pelo bendito elevador, de presidiários que entram algemados e cercados de policiais armados, entre nós. Sugeri a minha filha que fotografasse o tal elevador e suas hóspedes, e ela o fez... Foi vista por alguém, pois logo depois fomos removidas daquele local para outro, com a desculpa de que ali não tínhamos conforto. Seria cômico, se não fosse trágico: nos colocaram em outro corredor, na passagem para o necrotério, laboratórios, refeitórios de funcionários, etc, etc. Privacidade zero. Mas o pior é que estávamos ao lado das caixas coletoras de lixo hospitalar, lixo comum, devidamente classificados (risos); só faltaram colocar ao pé de minha maca placa: "Lixo da Nova Juiz de Fora".
Nós, seres humanos, cidadãos dessa cidade, ao lado, comparados ao lixo do hospital. O barulho continuava, as pessoas transitando por entre nossas macas, com outro pequeno agravante: as baratas que saiam das latas do lixo, circulavam também por ali, obrigando as acompanhantes a matarem os insetos. Uma dessas acompanhantes jogou um "cadáver" dessa barata, no meio do corredor, às 23 h, e essa demonstração de sujeira ficou ali como um troféu até às três da madrugada, embora circulassem pelo corredor, pacientes, acompanhantes, pessoal da manutenção e limpeza. No total foram cinco baratas circulando entre nós. Haviam mais, mas eu acabei dormindo extenuada por umas duas horas, e parei de contar. Ah sim, pedi que fotografassem também a área de "internação" no lixo. Depois de uma megaoperação que incluiu a interferência da equipe o deputado Federal Julio Delgado e alguns conhecidos, fomos ambas transferidas para o segundo andar. Achei que finalmente, nossos problemas estariam resolvidos... Ingênua pretensão. O problema estava apenas começando. Lá em cima, a equipe desdobra-se na tentativa de atender aos pacientes da melhor forma possível...mas, não conseguem. Por lá a coisa está complicada.No nosso quarto estava uma senhora aguardando transferência para um cirurgia de vesícula há precisamente 45 dias! Vejam bem: não são 46 horas, nem minutos, são dias! Ela chegou por lá em 1 de janeiro de 2011 e lá permanece até agora, sem solução, sem resposta, sem nada. Também tivemos que trazer as roupas de cama de nossa casa. No HPS da "Nova Juiz de Fora", não há roupa de cama para os pacientes em número suficiente para todos os leitos. Se alguém, por acaso, sujar a roupa por problemas de incontinência urinária, ou algo similar, fica no colchão de plástico, não há o que fazer. Acabamos emprestando roupa de cama para as companheiras de quarto, além de fraldas descartáveis geriátricas tamanho G, que compramos para ajudar a uma companheira de quarto com medo de que ela sujasse a cama e tivesse que dormir sobre um cobertor, em meio ao calorão e à falta de roupa de cama no HPS, que aliás, é lavada em Xerem, terra do Zeca Pagodinho, na Baixada Fluminense. Aqui por perto, em Minas, ou mesmo na cidade, não há lavanderia que dê conta dos lençóis dessa unidade. Mas, ainda não terminou o circo de horrores. Não há papel higiênico na unidade, os pacientes tem que trazer os seus próprios rolinhos de casa. No banheiro que usávamos, não há porta. Caiu e ninguém mais a colocou de volta, mas para que porta, não é? Tolice! Toma-se banho e usa-se o sanitário à vista dos acompanhantes masculinos da área feminina (risos). Em vista desse aspecto bizarro do hospital, compramos uma cortina de plástico, à guisa de porta para o tal banheiro. Justiça seja feita: os funcionários lotados nessa unidade são de uma dedicação e uma responsabilidade ímpares, em número insuficiente tentando servir aos pacientes da melhor maneira, desdobrando-se, tentando encontrar panos e lençóis para atender às demandas. Para enriquecer mais esse universo surreal há a proibição de acompanhantes usarem vestidos, bermudas, decotes e saias - normas da casa. Ou seja: dormir em meio à baratas, usar banheiros sem portas, esperar 46 dias uma solução, pode. Só não se pode usar vestidos, saias e decotes, a critério de inspeção dos finíssimos seguranças que ficam na portaria do hospital... É de rir para não chorar. Mas, as normas da casa permitem acompanhantes masculinos em alas femininas, criando constrangimento às demais pacientes "hospedadas" nessa bagunça organizacional. Pois bem: acabei de sair desta filial do inferno, um lugar onde as mínimas normas de higiene e respeito humano são desrespeitadas a toda hora. Num universo de coisas surreais e bizarras, não sei qual seria o maior destaque. Termino então com a pérola que um dos funcionários nos brindou ao reclamarmos das baratas nos corredores: "Não se preocupem e nem se assustem, baratas e ratos no HPS são normais" Se isso é normalidade: parem o mundo que eu quero descer. E Deus nos livre de sermos internos desse sistema de saúde precário e porco dessa "Nova Juiz de Fora"!

(*) Vera Lúcia Ciuffo, 62 anos, é psicóloga, viúva, cinco filhos,
filha de Ernani Ciuffo, autor de sambas antológicos.

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