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terça-feira, 8 de março de 2011

Poesia


Desenho de Osvaldo Medeiros
Festa Pagã
Jose Sette - 7 de março de 2011


É carnaval
Estou em casa
Pago alto os meus pecados
Crianças histéricas
Gritam no meu ouvido
Os pais não falam
Gritam mais que as crianças
A música baiana toca alto
Na casa vizinha
O carnaval do vale tudo
Na outra casa ouve-se o funk- rap carioca
No mais alto volume em inglês ou português
Ou seja lá o que for aquilo
Fruto da contribuição dos negros americanos
Depois dos black panters
Tenho certeza do total desentendimento da língua
Dos negros latinos...
Os black onças
O que é isto aqui? É a cópia do inferno capitalista
O que é que tudo aqui se tornou?
Um bando de comando consumista
Calcinhas, camisinhas, garrafas e muita putaria pela internet?
Pusilanimidade! Eu nunca imaginei que chegasse a tanto...
Coleção de Mp3 o máximo em tecnologia da pior qualidade
No mais alto som que os aparelhos aquentam
Assim está o brasileiro distorcido
Milhares de néscios em altas frequências
Ninguém merece um ruído tão grande
O que adianta democracia sem educação?
Estou tal qual aquele personagem
No conto do Machado de Assis
Que se encontra com Prometeu
No final do tempo o fim de tudo
E se diz condenado a ser o último
Ser que caminha pelo mundo
Faz mais de 2000 anos
Tinha a idade do seu encontro com Cristo
A quem ele mandou apressar os passos
Na via-crúcis...
Não sei quem sofre mais: ele, eu ou prometeu?
Jogo de paciência entre a cruz e a borduna
Assim não vejo a hora dessa festa acabar
Vocês carnavalescos que me perdoem
Carnaval sem o samba bom não vale nada
Cadê o samba bom? As marchinhas?
Os seus autores ocultos?
A classe média está sempre na merda
Não consegue prestigiar a si mesma
Perdeu sua identidade popular
Ninguém sabe mais nada
Cada dia aumenta o número dos candidatos
A cada visita recebida nas casas vizinhas
Uma com piscina e outra mais pobrezinha
Ocupadas pelas classes em ascensão
É tudo que tenho visto e ouvido neste quintal
A cada ano que passa vai se tornando o mais puro lixo
Espelho do país nos meus vizinhos temporários
Brigando através da disputa do maior volume de som
Quem tem mais power nas suas caixas
Stockhausen teria orgasmo e Guarnieri uma parada cardíaca
São mais de cinco anos que tenho aqui vizinhos visitantes
Diferentes famílias a cada carnaval
Em cada festa de final de ano
Casa de aluguel por temporada é emboscada
De uma madame classe média alta suburbana
Pobre Brasil
Tudo coberto com fantasias de muito luxo
Por debaixo do tapete o lixo
Das sórdidas composições do poder
Por uma mídia venal e descompromissada
Com a história da nossa cultura
Com a identidade brasileira
Fico tentando exaustivamente analisar
Antropologicamente e sociologicamente
Essa situação emocional diferenciada
Que a todos envolvem nestas comemorações
Com muita paciência nada consigo saber
Chego ao fim de um dia inteiro de axé
Espirro sem parar minha alergia
Agora tudo me incomoda
Minha cabeça dói – 18 horas
Três dias aqui
Cadê a Bahia cantada por Ari e Dorival...
Ninguém ouve mais maracangalha...
A nova música baiana romântica é boçal
Os baianos podem gostar que não faz mal
Ao vivo em HD na Tevê de cangalha
É madrugada, a cervejaria rola solta
Solto uma gargalhada louca
Todos gritam numa catarse doentia
Entre palavras e palavrões
Pais e filhos falseiam alegria risos trêmulos
Quero ajudar, suportar, orientar, transformar
Tudo em vão
Penso em chamar a polícia
Que barbaridade o inferno ou a repressão
Colocar os meus 1000 watts a prova
Explodir o som alheio
Jogar confete metálico na rede elétrica
Cortar os fios ou soltar morteiros
Apontar em direção dos alto-falantes
Não tenho coragem suficiente para tanto
Resta-me o consolo que em mais dois dias
Tudo se acaba
Vou ser perdoado
Posso descansar
Voltar aos clássicos
Ao silêncio
Aos pincéis
Aos textos
A mim

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