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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

UM POUCO SOBRE O CAPITAL

Karl Marx

PARTE UM

Valor-de-Uso e Valor-de-Troca ou Valor Propriamente Dito

A riqueza das sociedades em que domina o modo-de-produção capitalista apresenta-se como uma «imensa acumulação de mercadorias»
A análise da mercadoria, forma elementar desta riqueza, será, por conseguinte, o ponto de partida da nossa investigação. A mercadoria é, antes de tudo, um objeto exterior, uma coisa que, pelas suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. Que essas necessidades tenham a sua origem no estômago ou na fantasia, a sua natureza em nada altera a questão. Não se trata tão pouco aqui de saber como são satisfeitas essas necessidades: imediatamente, se o objeto é um meio de subsistência, [objeto de consumo,] indiretamente, se é um meio de produção. Todas as coisas úteis, como o ferro, o papel, etc., podem ser consideradas sob um duplo ponto de vista: o da qualidade e o da quantidade. Cada uma delas é um conjunto de propriedades diversas, podendo, por conseguinte, ser útil sob diferentes aspectos. Descobrir esses diversos aspectos e, ao mesmo tempo, os diversos usos das coisas, isso é obra da história.
Assim, a descoberta de medidas sociais para quantificar as coisas úteis: a diversidade destas medidas decorre, em parte,da natureza diversa dos objetos a medir, em parte, de convenção. A utilidade de uma coisa transforma essa coisa num valor-de-uso.
Mas esta utilidade nada tem de vago e de indeciso. Sendo determinada pelas propriedades do corpo da mercadoria, não existe sem ele. O próprio corpo da mercadoria, tal como o ferro, o trigo, o diamante, etc., é, consequentemente, um valor-de-uso, e não é o maior ou menor trabalho necessário ao homem para se apropriar das qualidades úteis que lhe confere esse caráter. Quando estão em causa valores-de-uso, subentende-se sempre uma quantidade determinada, como uma dúzia de relógios, um metro de tecido, uma tonelada de ferro, etc. Os valores-de-uso das mercadorias constituem o objeto de um saber particular: a ciência e a arte comerciais. Os valores-de-uso só se realizam pelo uso ou pelo consumo. Constitui o conteúdo material da riqueza, qualquer que seja a forma social dessa riqueza. Na sociedade que nos propomos examinar, são, ao mesmo tempo, os suportes materiais do valor-de-troca. O valor-de-troca surge, antes de tudo, como a relação quantitativa, a proporção em que valores-deuso de espécie diferente se trocam entre si, relação que varia constantemente com o tempo e o lugar. O valor-de-troca parece, portanto, qualquer coisa de arbitrário e de puramente relativo; um valor-de-troca intrínseco, imanente à mercadoria, parece ser como diz a escola, uma contradictio in adjecto. Vejamos a questão mais de perto. Uma mercadoria particular (por exemplo, um alqueire de trigo)troca-se por outros artigos nas mais diversas proporções. [Portanto, o trigo tem múltiplos valores-de-troca, em vez de um só. No entanto, o seu valor-de-troca permanece imutável, independentemente da maneira por que se exprime: em x de cera, em y de seda, em z de ouro, etc. [Uma vez que cada uma dessas coisas - x cera, y seda, z ouro - é o valor-de-troca de 1 alqueire de trigo, elas têm de ser - por sua vez - valores-de-troca permutáveis entre si e iguais. Daqui resultam duas coisas: em primeiro lugar, os valores-de-troca válidos para uma mesma mercadoria exprimem uma igualdade; em segundo lugar, porém,] o valor-de-troca tem de ter um conteúdo distinto dessas diversas expressões.Tomemos agora duas mercadorias, trigo e ferro, por exemplo. Qualquer que seja a sua relação de troca, ela pode ser sempre representada por uma equação em que uma dada quantidade de trigo é considerada igual a uma quantidade qualquer de ferro (por exemplo, 1 alqueire de trigo = a quilos de ferro). Que significa esta equação? Significa que em dois objetos diferentes, em 1 alqueire de trigo e em a quilos de ferro, existe algo de comum. Ambos os objetos são, portanto, iguais a um terceiro que, em si mesmo, não é nem um nem outro. Cada um deles deve, enquanto valor-detroca, ser redutível ao terceiro, independentemente do outro. Um exemplo extraído da geometria elementar ilustra isso claramente. Para medir e comparar as superfícies de qualquer figura retilínea, decompô-la em triângulos. Depois reduzimos o triângulo a uma expressão completamente diferente do seu aspecto visível: ao semi-produto da base pela altura. Do mesmo modo, os valores-de-troca das mercadorias devem ser reduzidos a qualquer coisa de comum, de que representam um mais ou um menos. Este elemento comum não pode ser uma propriedade natural qualquer - geométrica, física, química, etc. - das mercadorias. As qualidades naturais destas só são tomadas em consideração,na medida em que lhes conferem uma utilidade que as torna valores-de-uso. Mas, por outro lado, é evidente que na troca se faz abstracção do valor-de-uso das mercadorias, sendo a relação de troca caracterizada precisamente por essa abstração. Na troca, um valor-de-uso vale precisamente tanto como qualquer outro, desde que se encontre na proporção adequada. Ou, como diz o velho Barbon: «Uma espécie de mercadoria é tão boa como outra, quando o seu valor-de-troca é igual; não existe nenhuma diferença, nenhuma distinção entre coisas de igual valor-de-troca». Como valores-de-uso, as mercadorias são, sobretudo, de qualidade diferente; como valores-de-troca só podem ser de quantidade diferente [e não contêm, portanto, um só átomo de valor-de-uso]. Ora, se abstrairmos do valor-de-uso das mercadorias, resta-lhes uma única qualidade; a de serem produto do trabalho. Então, porém, já o próprio produto do trabalho está metamorfoseado sem o sabermos. Com efeito, se abstrairmos do seu valor-de-uso, abstraiu também de todos os elementos materiais e formais que lhe conferem esse valor. Já não é, por exemplo, mesa, casa, fio, ou qualquer outro objeto útil; já não é também o produto do trabalho do marceneiro, do pedreiro, de qualquer trabalho produtivo determinado. Juntamente com os caracteres úteis particulares dos produtos do trabalho, desaparece o caráter útil dos trabalhos neles contidos e as diversas formas concretas que distinguem as diferentes espécies de trabalho. Apenas resta, portanto, o caráter comum desses trabalhos; todos eles são reduzidos ao mesmo trabalho humano, [trabalho humano abstrato a um dispêndio de força humana de trabalho, independentemente da forma particular que revestiu o dispêndio dessa força. Consideremos agora o resíduo dos produtos do trabalho. Eles assemelham-se completamente uns aos outros. Todos eles têm uma mesma realidade fantástica, invisível. Metamorfoseados em sublimados idênticos, frações do mesmo trabalho indistinto, todos estes objetos manifestam apenas uma coisa: que na sua produção foi despendida uma força de trabalho humano, que neles está acumulado trabalho humano [independentemente da forma concreta do trabalho. Enquanto cristais dessa substância social comum, são considerados valores [,valores-mercadoria].
[Na própria relação de troca das mercadorias o seu valor-de-troca aparece-nos como algo de completamente independente dos seus valores-de-uso. Ora, se abstrairmos efetivamente do valor-de-uso dos produtos do trabalho, teremos o seu valor, tal como acaba de ser determinado.] O que há de comum nas mercadorias e que se mostra na relação de troca ou no valor-de-troca é, pois, o seu valor. Vimos que um valor-de-uso ou um artigo qualquer só tem valor na medida em que nele está objetivado, materializado trabalho humano [abstrato]. Ora, como medir a grandeza do seu valor? Pela quantidade da substância «criadora de valor» nele contida, isto é, pela quantidade de trabalho. Por sua vez, a quantidade de trabalho tem por medida a sua duração, e o tempo de trabalho mede-se em unidades de tempo, tais como a hora, o dia, etc. Poder-se-ia imaginar que, se o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho gasto na sua produção, então quanto mais preguiçoso ou inábil for um homem mais valor terá a sua mercadoria, pois emprega mais tempo na sua produção. Contudo, o trabalho que constitui a substância do valor das mercadorias é trabalho igual e indistinto, um dispêndio da mesma força de trabalho. A totalidade da força de trabalho da sociedade, que se manifesta no conjunto dos valores, só releva, por conseguinte, como força única, embora se componha de inúmeras forças individuais. Cada força de trabalho individual é igual a qualquer outra, na medida em que possui o caráter de uma força social média e funciona como tal, isto é, emprega na produção de uma mercadoria apenas o tempo de trabalho necessário em média, ou o tempo de trabalho socialmente necessário.
O tempo socialmente necessário à produção das mercadorias é o tempo exigido pelo trabalho executado com um grau médio de habilidade e de intensidade e em condições normais, relativamente ao meio social dado. Depois da introdução do tear a vapor na Inglaterra, passou a ser necessário talvez apenas metade de trabalho que anteriormente era necessário para transformar em tecido uma certa quantidade de fio. O tecelão manual inglês, esse continuou a precisar do mesmo tempo que antes para executar essa transformação; mas, a partir desse momento, o produto da sua hora de trabalho individual passou a representar apenas metade de uma hora social, não criando mais que metade do valor anterior. É, pois, somente a quantidade de trabalho ou o tempo de trabalho necessário numa dada sociedade para a produção de um artigo que determina a grandeza do seu valor. Cada mercadoria particular conta em geral como um exemplar médio da sua espécie. As mercadorias que contêm iguais quantidades de trabalho ou que podem ser produzidas no mesmo tempo têm, portanto, um valor igual. O valor de uma mercadoria está para o valor de qualquer outra como o tempo de trabalho necessário à produção de uma está para o tempo de trabalho necessário à produção da outra. Como valores, as mercadorias são apenas medidas determinadas de tempo de trabalho cristalizado. A grandeza de valor de uma mercadoria permaneceria, evidentemente, constante se o tempo necessário à sua produção permanecesse constante. Contudo, este último varia com cada modificação da força produtiva ou produtividade do trabalho, que, por sua vez, depende de circunstâncias diversas: entre outras, da habilidade média dos trabalhadores, do desenvolvimento da ciência e do grau da sua aplicação tecnológica, das combinações sociais da produção, da extensão e eficácia dos meios de produção e de condições puramente naturais. A mesma quantidade de trabalho é representada, por exemplo, por oito alqueires de trigo se a estação é favorável e por quatro alqueires somente, no caso contrário. A mesma quantidade de trabalho extrai mais metal das minas ricas do que das minas pobres, etc. Os diamantes só raramente aparecem na camada superior da crosta terrestre; para encontrá-los, torna-se necessário, em média, um tempo considerável, de modo que representam muito trabalho num pequeno volume. É duvidoso que o ouro tenha alguma vez pago completamente o seu valor. Isto ainda é mais verdadeiro no caso dos diamantes. Segundo Eschwege, o produto total da exploração das minas de diamantes do Brasil, durante oitenta anos, não tinha ainda atingido em 1823 o preço do produto
médio de um ano e meio das plantações de açúcar ou de café do mesmo país, embora
representasse muito mais trabalho e, portanto, mais valor. Com minas mais ricas, a mesma quantidade de trabalho representaria uma maior quantidade de diamantes, cujo valor baixaria. Se se conseguisse transformar com pouco trabalho o carvão em diamante, o valor deste último desceria talvez abaixo do valor dos tijolos. Em geral: quanto maior é a força produtiva do trabalho, menor é o tempo necessário à produção de um artigo, menor é a massa de trabalho nele cristalizada, menor é o seu valor. Inversamente, quanto menor é a força produtiva do trabalho, maior é o tempo necessário à produção de um artigo, maior é o seu va1or. A grandeza de valor de uma mercadoria varia, pois, na razão directa da quantidade e na razão inversa da produtividade do trabalho que nela se realiza
Conhecemos agora a substância do valor: é o trabalho. Conhecemos a medida da sua grandeza: é a duração do trabalho. [Resta analisar a sua forma, que qualifica o valor precisamente como valorde-troca. Antes disso, porém, importa precisar as definições a que já chegamos. Uma coisa pode ser um valor-de-uso e não ser um valor: basta que seja útil ao homem sem provir do seu trabalho. Assim acontecem com o ar, prados naturais, terras virgens, etc. Uma coisa pode ser útil e produto do trabalho humano e não ser mercadoria. Quem, pelo seu produto, satisfaz as suas próprias necessidades, apenas cria um valor-de-uso pessoal [,mas não uma mercadoria] .Para produzir mercadorias, tem não somente de produzir valores-de-uso, mas valores-de-uso para os outros, valores-de-uso sociais. [E não basta produzir para os outros. O camponês medieval produzia cereais para pagar o tributo ao senhor feudal e o dízimo à igreja. Mas nem o tributo nem o dízimo, embora produzidos para outrem, eram mercadorias. Para ser mercadoria é necessário que o produto seja transferido para outrem, que o utilize como valor-de-uso, por meio de troca.
Finalmente, nenhum objeto pode ser um valor se não for uma coisa útil. Se é inútil, o trabalho que contém é gasto inutilmente [não conta como trabalho] e, portanto, não cria valor.

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