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terça-feira, 13 de janeiro de 2015

UM CONTO DE REIS


VOU BEIJAR-TE AGORA
 Fabio Carvalho
                                                                      
Partiu cinema a chave perdida. Senti-me atravessando uma espécie de júbilo, no centro desse organismo ultra–sensorial com apenas cento e poucos anos, enquanto os imemoriais fundamentalistas explodiam catedrais na cidade luz. O cinema é jovem. Este é meu presente com um pouquinho de antecipação. Maracas tonificadoras para você entrar no ritmo.
Quando Olofim criou a luz inicial, veio Eleguá vibrar toda tensão vital. Diz Oduduá, sou de quem? Sou do mar? Sou do chão? Diz se é um mal ou um bem? Diz Oduduá, quem me deu este ar tão leve assim? (Solo).
Segundo o nosso diplomata Arnaldo Carrilho, Pier Paolo Pasolini ainda nos anos 70, sentenciou o seguinte: “vivemos o que chamo de mutação antropológica homologada, que é o poder do neo capitalismo consumista, matando as raízes críticas do pensamento, a fim de não provocar opções não consumísticas em você. Porque você tem como ser humano civilizado que consumir aquilo que se fabrica e que se faz. Você tem que consumir aquilo que eles querem.” É o sistema avassalador. Minha ambição continua sendo prejudicada pela preguiça e também pela madorna nas tardes ao forno desse verão inóspito que está apenas começando. Na mesma noite que ela sonhou comigo, de sexta para sábado, sonhei um sonho em longa metragem narrativo, então senta que lá vem estória. Pois bem, desembarquei em uma cidade histórica que era uma mistura de Tiradentes, Diamantina, Ouro Preto e Baependi. Tinha sido contratado a peso de ouro por jovens alunos que moravam na república Necrotério para dar um show na festa da música que estava acontecendo por lá. Eu deveria cantar e tocar acompanhado por dois amigos que não vejo há anos, Bigú e Magoo. Depois que me instalaram numa pensão com um colchão no chão, fomos comer caranguejo na carroceria de um caminhão. Amarrei minha câmera fotográfica Nikon no encosto da cadeira e fiquei tentando beber algo. Para minha tristeza não consegui nem uma aguinha. Voltei para pensão para tomar um banho e trocar de roupa, quando percebi que esquecera a câmera. Desci a ladeira e ela ainda estava lá junto da florista lourinha e sorridente que tinha ficado vigiando. Retornei para a pensão, assim que me despi para entrar embaixo do chuveiro, meus alunos chegaram para me buscar, já estava na hora do show. Fomos descendo a escadaria de madeira, quando comecei a me inquietar com a aproximação do momento da subida ao palco.  Como vou tocar e cantar para uma platéia se eu nunca tinha tocado nenhum instrumento muito menos cantado na vida? Pensei que única solução seria a seguinte: eu falaria com o Bigú e o Magoo para fazermos muito barulho, já que nenhum de nós era músico, faríamos tipo o Sex Pistols, no meio da quebradeira eu inventaria uma letra e a gritaria, ou seja, uma tremenda picaretagem. Fiquei grilado pela possibilidade contumaz do Bigú com suas teorias subterrâneas, inverter minha estratégia de dirigir aquele engodo canastrão em que nos metemos. Segundo Jaques Lacan, “o momento em que o desejo se humaniza é também aquele em que a criança nasce para a linguagem”. Eu aqui agora me lembrando do Ricardo Miranda. Enquanto ia caminhando pelas ruas de pedra pensando como seria a não decantada magnificência, avistei logo ali em frente, várias vans com grande parte da minha família, vivos e mortos, me olhando através do vidro fumê, muitos conhecidos e desconhecidos ao redor. Todos vieram para meu espetáculo. Aproveitei que alguns seguiriam a pé para o local que eu não sabia onde era, fui junto com esses me concentrando no meu “repertório”. Profunda foi minha penetração em adágio longe que se ouve daqui. Perdi meus acompanhantes e descobri que também estava perdido na cidade, não sabia mais onde seria meu show. Passei por um grande bar cercado por uma arquibancada, lá uma dupla bastante conhecida já se apresentava. Pior do que não saber tocar é não comparecer ao local contratado. A debacle se abateu sobre mim. Esse momento foi muito aflitivo. Não sabia para onde ir, procurava alguma referência e não encontrava. Por fim era apenas um sonho, minha vitória foi conseguir acordar. Eram exatamente seis horas da manhã, a hora em que nasci mais uma vez. Desde meu nascimento sempre acordo às seis da manhã, sei que nunca saberei por quê. Em cada dia tenho a natureza me esperando, nova luz em meu caminho e toda noite pra ficar sozinho. Funk até o caroço. Na cultura cigana roubar pérolas é proibido, ouro, dinheiro ou outras jóias não. Em nenhum lugar existe tempo algum, disse o velho cineasta de um filme só. Marinas Ilhoas. No obelisco da memória como células dormentes, muitas palavras são jogadas fora diuturnamente, uma hora ou outra serão descobertas novamente. Tinha uma coisa para te contar, mas prefiro deixar para outra ocasião. Vagueando lépido feito um gato malhado vira lata na noite do centro da cidade descobri o dom da invisibilidade. Nem bons nem maus olhos conseguiram me ver. Escapei, invés de triste fosse alegre de partir, se invés de ver só minha sombra nessa estrada eu visse ao longo dessa estrada outra sombra a me seguir. É preciso que eu volte a cantar. Meu samba espera nova chance pra sorrir.  Este ano em que estamos em andamento sem clareza desnecessária, com avassaladora pujança, ainda depois de um dia com o diplomata, o filme, me recolhi ao meu esconderijo. Ouvi tudo que já sabia sem saber e sem poder esquecer, encontrei-me com aqueles necessários durante toda noite alta no Natal das meditações sob a luz de velas em volta do caldeirão das mulheres adoradoras de Jesus Cristo. Voltando para as artes plásticas, nu descendo a escada. E Deus criou a mulher a abordagem em profundidade, uma análise de Insanos Dezembros me veio da letra de uma música. Aninho que foi ao mesmo tempo esquisitinho e bastante interessante, bom também passou demorando rapidamente. Dizem que o fato causador do tremendo tersol que apareceu no meu olho direito, foi o desejo de uma mulher grávida de comer o que ela viu que eu estava comendo, e sem me pedir ou sem poder comer aquilo também, ficou aguada e desejosa. Assim desabrochou o meu tersol, a vontade insatisfeita do olho da grávida. Sabedoria popular e lei da natureza: o olho grande atinge o outro olho. Na manhã daquele dia fui mais cedo do que de costume, enquanto esperava o elevador, fotografei o fotógrafo despistando não sei o quê no balcão da portaria. Do outro lado do salão vi uma mulher baixinha de turbante branco e túnica marrom fazendo sinais para mim. Logo entendi que ela estava me chamando para pegar o elevador de serviço que estava parado ali no térreo.  Subimos juntos, ela se posicionou à minha frente, assim observando-a detalhadamente percebi que era islâmica. Um sorridente e baixinho bom dia nos separou, quando ela saltou antes de mim, para meu alívio não sei também de quê. Aparentemente ela era menos violenta do que muitos franceses que conheci. Eu estava embriagado pela falta de mar, não havia nenhum bar aberto no dia 25 e já cansado do teclado desobediente, depois de ter perdido todas as esperanças, Murilo Mendes veio me salvar. Por isto repito: quando o vazio do nada se aproximar chame o Murilo Mendes. Novamente Murilo Mendes. O fecho-eclair estava encrencado. A sensualidade do cinema sempre presente, mesmo que o assunto seja a morte porque ainda assim tratamos da vida. Sou um homem sem aplicativos, por isto quase me perco na recepção do Museu Cassino da Pampulha, só em plano sequência encontrei o inflamável branquinho no degrau da vitrine da loja A Serenata. Atravessei a rua e continuei andando em outros batimentos coronários. Vendo outras coisas das mesmas que já vi.


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