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quarta-feira, 5 de junho de 2013

ARTES PLÁSTICAS

Em 28 de agosto 2013 comemora-se vinte anos da morte de Arlindo Daibert.

Releitura pop de Macunaíma

 Herói sem caráter e outros mitos da cultura nacional revelam-se através de desenhos

 Pedro Maciel
         
          Macunaíma, a obra mais conhecida de Mário de Andrade, transformada em filme por Joaquim Pedro de Andrade e recriada nos palcos por Antunes Filho, ganha nova releitura através de uma série de desenhos de Arlindo Daibert (1952-1993). Os desenhos fazem parte da coleção de Gilberto Chateaubriand, assim como as duas outras séries do artista, Imagens do Grande Sertão e Alice.
          Arlindo Daibert, ao reconstruir personagens de Mário de Andrade, insere traços autobiográficos, transforma os amigos em personagens, escolhe Tarsila do Amaral para representar Uiara e Ci, e elege o pintor Siron Franco como Macunaíma, no quadro das adivinhas. No final do capítulo de Macumba, Mário de Andrade também “mistura aos personagens de ficção alguns ‘macumbeiros’ reais como Bandeira, Antônio Bento, Cendrars, etc. Trata-se de uma lembrança de caráter efetivo ou talvez por identificação ideológica, como no caso de Raul Bopp, também evolvido no estudo da cultura popular”.
            Macunaíma de Andrade, Arlindo Daibert, ed. Editora UFJF, é ilustrado com 58 imagens em técnica mista (desenho, pintura, fotografia, xerox e colagem) e 10 esboços, realizados entre 1980 e 1982. Daibert, no Diário de Bordo, registro do planejamento e realização de seus desenhos, diz que, “o projeto está muito mais ligado ao campo da literatura comparada e semiologia do que as chamadas artes plásticas”. E prossegue: “Meu objetivo é traduzir o discurso literário em imagens, recriando os processos de escritura do autor e procurar paralelos nos fabulários americanos”.
          O livro Macunaíma, de Mário Andrade, é uma rapsódia moderna, história mítica do Brasil esquecido, lenda de um “herói sem nenhum caráter nem moral nem psicológico”. Segundo a pesquisadora Telê Ancona Lopez, “Macunaíma é um projeto que ultrapassa o nacionalismo modernista no qual se inscreve ao nascer, na segunda metade da década de 20. Na estrutura que recolhe, unifica e dá novo sentido a um sem número de fragmentos, que se pergunta com ironia sobre seu próprio rumo; no tratamento conferido ao tempo e ao espaço, na inclusão do mito; na prosa experimental que se liga à musica e à poesia, na linguagem decalcada na fala brasileira, no herói/anti-herói, espelho dos descaminhos do homem contemporâneo, Macunaíma consegue oferecer, através de sua arte e da sua funda reflexão sobre o Brasil, expressiva contribuição à literatura universal”.
          Para delimitar seu próprio Macunaíma, Daibert anota no final do Diário de Bordo: “o projeto não se trata de uma ilustração literal do livro e sim de uma recriação feita a partir do texto, o que me permite preferir este episódio àquele e, até mesmo, romper com a ordem da narrativa. Constato a impossibilidade (inutilidade?) de esgotar as possibilidades de ilustração do livro. Trata-se de uma narrativa essencialmente aberta e é este seu encanto”.
          O leitor/observador não precisa necessariamente conhecer a grande obra de Mário de Andrade para se encantar com a leitura pop que o artista promove. A série de desenhos surpreende até mesmo o leitor/observador distraído ou desavisado.
          Daibert, com sua estética kitsch-cômico, faz associações livres e colagens bem-humoradas. Retrata um país incivilizado. Desregionaliza personagens populares. Goza com a cara sem vergonha do Brasil, como na colagem Piaimã, O Gigante Comedor de Gente; Getúlio Vargas é colorido no centro de uma cédula de dez cruzeiros, entre um anjo e um demônio, e um balão de história em quadrinhos estampa a frase “Afasta que vos engulo”. A montagem sugere o Estado Novo, O DIP, o autoritarismo e a repressão.
          Há outras leituras cômicas e tropicalizadas da sociedade brasileira, como o desenho Ai, Que Preguiça; o artista recria a bandeira brasileira com estampas de araras e papagaios e o losângulo e o círculo centrais em branco estampam uma faixa presidencial em verde e amarelo com a frase do herói sem caráter: “Ai, que preguiça”.
          Daibert, em Macunaíma de Andrade, não teve a intenção de ilustrar o livro mas de recriar o repertório imaginário do modernismo. O artista propõe uma nova leitura do mito Macunaíma, leitura que certamente trará novos leitores para dentro da maior obra de criação de Mário de Andrade.
         
De um pequeno porto para o mundo afora

          Arlindo Daibert Amaral nasce em Juiz de Fora, Minas Gerais, no dia 12 de agosto de 1952. Em 1970 inicia o curso de Letras. Realiza a sua primeira exposição individual na Galeria Studio 186, no Rio de Janeiro, 1974. Recebe o prêmio Ambassade de France, que oferece ao artista uma bolsa de estudos em Paris durante o período de outubro de 1975 a junho de 1976. Após retornar ao Brasil, participa do Salão Paulista de Arte Contemporânea em São Paulo e da exposição Brasil Arte Agora, realizada no MAM-RJ.
          Em 1977 apresenta individual no MAM-RJ, onde mostra 61 trabalhos divididos em quatro séries: Alice no País das Maravilhas, Persephone, Gran Circo Alegria de Viver e Ofício das Trevas. Em 1979, Daibert obtém o Prêmio de Melhor Desenhista, oferecido pela Associação Paulista de Críticos de Arte. Ainda neste ano participa do II Salão Nacional de Arte do Rio de Janeiro e do VII Salão de Arte Contemporânea, em São Paulo.
          No ano seguinte o artista recebe, com trabalhos da série Retrato do Artista, o Grande Prêmio da II Bienal Ibero-Americana do México e o Prêmio de Viagem ao Estrangeiro do III Salão Nacional de Artes Plásticas, no Rio de Janeiro. Em 1982 o artista apresenta, na Galeria de Arte Banerj, no Rio de Janeiro, a série Macunaíma de Andrade.
          Participa da I Bienal de Havana, Cuba, 1984. Coordena como professor universitário, projeto de estudo e organização do acervo do poeta Murilo Mendes. Nos anos seguintes organiza várias mostras do acervo artístico de Murilo. A partir de 1976 realiza várias individuais na Europa. É novamente premiado pela Associação Paulista de Críticos de Arte em 1990. Nos anos seguintes participa de muitas outras exposições nacionais e internacionais.
          No dia 28 de agosto de 1993, Arlindo Daibert falece em Juiz de Fora. Logo após seu falecimento é inaugurada a mostra Grande Sertão Veredas, no Anexo do Museu da Inconfidência, em Ouro Preto. Suas obras encontram-se em importantes acervos, como o Museum of Modern Art, Jerusalém (Israel), Museo de Arte Americano, Maldonado (Uruguai), Foro de Arte Contemporânea (México), Pinacoteca do Estado (São Paulo), MAM-SP, MAC/USP, MNBA-RJ, Casa de Cultura Murilo Mendes (Juiz de Fora, MG), Museu de Arte da Pampulha (Belo Horizonte, Coleção Gilberto Chateaubrinad, entre outros.

Pedro Maciel é autor do romance Como deixei de ser Deus (Editora Topbooks, 2009). Segundo o filósofo e poeta Antonio Cícero, “de certo modo, é o tempo o verdadeiro tema desse livro, que pode ser considerado uma espécie de Bildungsroman, isto é, de romance de educação ou formação. Pode-se dizer que é justamente a intensa capacidade de instigar a sensibilidade, o pensamento e a imaginação que constitui um dos maiores encantos de Como deixei de ser Deus”. Já o escritor Moacyr Scliar diz que, “Como deixei de ser Deus foi para mim uma gratíssima surpresa, pela originalidade, pela profundidade e pela transcendência do texto”. Pedro Maciel, segundo o poeta e tradutor Ivo Barroso, "nos faz acreditar que a literatura brasileira possa ainda apresentar alguma coisa de novo que, curiosamente, remonta à própria arte de escrever: o estilo. O seu primeiro romance A Hora dos Náufragos (Bertrand Brasil, 2006) perturba pela força da linguagem. O que há de mais próximo desse livro seriam os famosos fusées de Baudelaire".

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