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quinta-feira, 6 de setembro de 2012

ENTREVISTA COM LUIZ ROSEMBERG FILHO - 2





11- E do Mercado, o que você tem a falar?

r - Sempre me permitir achar que resiste uma falsa compreensão do conceito de mercado. Ele não precisa ser só o lixo de “Os 2 Filhos de Francisco”, “De Pernas Para o Ar” ou “Cilada.com”, “Cidade de Deus” ou as “”Tropas das Elite”. Aí é lixo, né? Meu conceito de mercado é “Macunaíma”, “Estômago”, “Tom Jobim”... O trabalho com o lixo quem faz é a Comlurb, e até parece que o faz bem. Penso que é preciso desmistificar esse conceito de quanto pior, melhor! Isso é ignorância e fascismo. Pode até servir ao poder e a TV, não ao cinema. E menos ainda a poesia. Se é que a poesia ainda é importante! Muito raramente eu a vejo no nosso cinema. Pena.

12 – Existiu em algum momento, ou existe ainda generosidade e afeto no mundo do cinema?

r - Não. Nunca existiu. O cinema foi sempre um campo de guerra, com todos lutando pelo poder. E quando alguns poucos lá chegam, só fazem merda. Tornam-se até fascista e passam a defender lixo, repressão, prostituição e horrores. Mas... onde foram parar? Na televisão mais conservadora e reacionária do país. E a defendem como se fosse o útero angelical de suas mães. O afeto é uma coisa mais séria e profunda que a luta pelo poder. Com o afeto goza-se! Com o poder matam-se os sonhos e a própria vida.

13- Por que você foi sempre avesso a participar de festivais, premiações e até cerimônias feitas para você?

r – Nunca aceitei muito bem essa exposição sistemática a uma espécie de festividade reinante, onde o cinema como postura ou linguagem é o que menos importa. Gasta-se muito dinheiro público com esses eventos e cineastas como Fabio Carvalho, Sergio Santeiro, Tonacci, Ricardo Miranda, José Sette, Marcelo Ikeda...não conseguem filmar com um mínimo de dinheiro. E repare como esse circo dos grandes eventos com verbas públicas comporta tudo: das mulheres frutas a vedetinha da TV que entrou ontem e já se acha atriz? Eu teria vergonha de ser entrevistado no Copacabana Palace, por uma perua afetada da sociedade. Nossos mundos são totalmente diferentes, e eu não teria nada a dizer aos seus possíveis telespectadores. A perua até ganha para fazer o seu papel de “inteligente” e “profunda”. Agora o outro não ganha nada e sai se achando o rei da merdinha previsível. Não fui educado para isso, e tem questões mais sérias a serem enfrentadas. Por que nesses eventos festivos não se levanta a questão da burocracia e da ocupação dos nossos espaços no cinema e na TV? Quem está por trás das verbas oficiais? Como podemos aceitar calados editais burocratizantes? E a quadrilha da Ancine que trabalha para os mesmos de sempre também burocratizando tudo, com a quadrilha sendo bem remunerada. Não estão ali pelo cinema brasileiro e sim pelos bons salários. E nos ditos festivais, falam alguma coisa? Falar implica em se comprometer e isso pelo visto morreu com o Glauber. Prefiro ficar na minha e falando o que eu penso quando tenho espaço.

14- E como crítico o que você foi fazer nela?

r - Nunca me considerei um crítico. Eu sempre escrevi sem a preocupação de ser um crítico. E tirando o Paolo Emílio, o Jaime Rodrigues, o Alex Vianni, o Jairo Ferreira, o Rogério Sganzerla, o Sergio Santeiro, o Celso Marconi, o Carlos Guimarães de Mattos, o Gustavo Dahl... eu raríssimamente leio uma crítica, pois vivo metido em livros, projetos e afetos. O tempo depois de certa idade conta e é cruel pois passa muito rapidamente. Ainda ontem eu tinha vinte anos e lutava por um país que não aconteceu. Não por nossa culpa, mas pelas religiões, Bancos, Partidos, mídia e políticos. Eu sou mais um cineasta que escreve o que vai saindo sem a preocupação e rigidez necessária a um bom crítico. Pô, eu não fui elogiar um filme fraco como o “Orfeu” do Cacá? Se fosse um critico criterioso não o elogiaria nem no inferno! Reconheço aí um grande erro. Mas na época achava que poderia interferir e melhorar a ação do Outro sobre o cinema. Errei, né? Também nunca fiz questão de ter a generosidade do Paulo Emílio. Ele segue sendo único, e seus copiadores são humanamente pobres, poderosos e lamentáveis. E pior: fascistões colloridos, emplumados pelo poder!

15- Tendo feito “Deserto’ no final do ano de 2011, que significado tem esses novos “Fragmentos”? Não é uma insistência um tanto egóica da tua parte voltando a aparecer falando muito sobre a dor?

r - Depois do “Deserto” fiz um filme muito duro sobre as péssimas relações de trabalho, no Brasil. O trabalho como fonte de alienação, repressão e humilhação. O trabalho como elevação do horror! É um filme que me foi muito duro. Por sorte dividido com amigos como o fotografo Renaud Leenhardt, o montador Antonio Ecki e a leitura do José Carlos Asbeg. Com “Fragmentos” volto ao “Deserto” para colocar um ponto final nessa injustiça chamada angustia e o envelhecimento. Digamos que essa burra encenação da felicidade na velhice, é uma peça mal escrita sobre a morte. De egóico não tem nada pois está além dos meus muitos medos, e mesmo do cinema que faço. É um depoimento que foi saindo sem ensaio ou um roteiro prévio. O filme foi sendo procurado a medida em que era feito. O que o texto diz, saiu exatamente como foi sendo escrito: como um tango onde a dança está ausente e a encenação foi sendo procurada entre raízes e imagens soltas e criadas ao acaso, como no curta “O Inventário” de Audrey e Arthur Frazão. Mas já estou com outro rodado, mais bem humorado, sobre o conceito do Espetáculo, com um texto lido por uma linda menina chamada Gabriela Rosa, filha do talentoso Juan Posada que defendi na Revista Moviola em “O Estado de Exceção”, um filme para que se tente entender essa convivência da sociedade com a repressão e a morte.

16- Você não acha “Fragmentos” um texto muito fúnebre fixado na dor e na derrota?

r – Fúnebre é a política dos Partidos, e do país. “Fragmentos” ainda que um tanto pessimista, é um pequeno espaço de liberdade e de prazer. É uma outra dimensão de associações livres para com as imagens. Concordem ou não, não tem a mínima aproximação com as caricaturas vendidas pelo mercado. É um trabalho onde a complexidade está na simplicidade, sem ser simplório em nenhum momento. E to nele exposto como sou: como uma contradição! Todo mundo de um modo geral sabe bem o idiota em que se deixou transformar. Eu ainda tenho lá as minhas dúvidas. Mas...continuo abertamente crítico aos fascismos de fora e de dentro.

17- E como as pessoas reagem a este tipo de trabalho pessoal?

r - Como conseguirem chegar nele. Podem não gostar que não serão chamadas de burro. Eu nunca fiz merda para o público. Acostumá-lo com isso, é o que o mercado vem fazendo insistentemente. Mas porque o mercado não pode ser sensível e inteligente? Pó que é na burrice que exerce o seu poder de fogo? E claro que você pode querendo, trabalhar filmes melhores para o mercado. “Estômago” e “Tom Jobim” foram belos exemplos recentes de filmes de mercado, sem o mínimo momento de pobreza. Faturaram e foram belíssimos.

18- Existe uma nova geração favorável a um Cinema de Invenção, como defendia o teu amigo e crítico Jairo Ferreira?

r – Bem, os bostas vão sempre existir! Mas vão existir também inventores como Ana Carolina, Leonardo Esteves, Marcelo Ikeda, Juan Posada, Jose Carlos Asbeg, Abelardo de Carvalho, Arthur Frazão, Isabel Lacerda, Ricardo Miranda, Pedro Asbeg... que apesar da repressão do dinheiro se permitem trabalhar não a anestesia ou a satanização da experimentação, mas a linguagem, a poesia e a revolução. Não como afirmação de pequenas vidas buscando o seu lugar ao sol. Mas com a ousadia criativa da juventude.

19- E para onde vai o cinema?

r - Vai depender muito para onde vai a humanidade. Se vai voltar a assumir o fascismo uma vez mais, ou compartilhar da busca de um mundo melhor para todos. Penso que esse disfarce de democracia tá chegando ao fim pois os sistemas caminham para o suicídio. Basta que vejamos por algumas horas as programações da TV, para se constatar o culto a burrice em conexão com a reprodução permanente de fascismos. Mas nesse seu processo, ela atua disciplinadamente dopando! E não a nada que se salve. Da falsa e deslumbrada Galisteu ao Jornal Nacional. Claro, sem falarmos de Ratinhos, religiões, Datenas e Faustões. É um aparelho de enloquecer e empobrecer a coletividade. Já imaginou essa constante mecanização do coletivo em mais algumas décadas? E como se pensar o cinema no futuro, desconectado desses tantos horrores? Eu prefiro ir tocando meu barco como venho fazendo.

20- E o que é esse novo curta sobre o curioso conceito de “Espetáculo”?

r - Um trágico reconhecimento da nossa doença: a ignorância “protetora” sendo questionada por uma criança.. Um retorno à pureza, como confronto com a ordem militarizada do país. Talvez um paralelo mais bem humorado com o “Trabalho”, rodado depois do “Deserto”. De modo algum aceito essa ordem criminosa de fascismos e idiotismos comerciais burros. Dito de outro modo, sempre odiei o lixo oficial! Nunca acreditei nas boas intenções das múmias do velho cinema brasileiro. Cultuam só, os clichês da fraqueza humana. “Espetáculo” tenta então disfuncionalizar a perversidade castradora das velhas e novas múmias que vivem de lamber a falsificação como atuação assistencialista (populista, pô!) de fascismos.

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