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quarta-feira, 5 de setembro de 2012

EXERCÍCIO DE MEMÓRIA


Em memória do meu pai

Durante os longos dias de preparação para a produção e as gravações dos programas políticos do PSOL de Cabo Frio, eu conheci uma gaúcha chamada Laurelis. Não sei se é assim que se escreve e nem o seu sobrenome sei, mas sei que ela é falante e extrovertida e vive, faz tempo, nesta pequena cidade costeira. Por saber da minha admiração pelo povo dos pampas, presenteou-me com este livro de reportagem (capa aqui reproduzida), quase biográfico, que fala sobre alguns momentos vividos por Manoel Leães, piloto e amigo do Presidente João Goulart (Jango).
Quando eu saí do Rio de Janeiro, em 1958, acompanhando a minha família, fui morar em Minas Gerais. Conheci então, nestes seis anos que antecederam ao golpe militar, algumas das grandes figuras, hoje históricas, da política brasileira: Juscelino, Tancredo, Santiago Dantas, entre outros. Meu pai, que era médico, já havia sido eleito, em 1958, Deputado Federal, depois de ter sido no Rio, Diretor Geral do SAMDU no governo de JK. Sua nomeação foi um pedido do seu amigo Jango, então vice-presidente da república, ao Presidente Juscelino. Em 1959, o Professor Santiago Dantas queria fazer política em Minas, seu estado natal.  João Goulart, querendo eleger o amigo, pediu ao meu pai, Sette de Barros, que voltasse para Belo Horizonte e lá presidisse e reorganizasse  o PTB, partido no qual ele havia se filiado no início de 1950, durante o segundo governo do Presidente Getúlio Vargas.
Aqui está o cenário para o quadro que irei retratar. Foi então reorganizado o partido em Minas, e com as novas eleições de 1960 se aproximando,  O PTB prepara seus candidatos em todo país concorrendo com a reeleição de Jango para a vice Presidente da República e para o Governo de Minas com a candidatura do Professor Santiago Dantas na chapa Tancredo Neves, ex-ministro do governo de Getúlio Vargas. Estava unindo no estado e no país o PSD com o PTB contra a reacionária UDN. O adversário udenistas em Minas era o banqueiro Magalhães Pinto e no país o endiabrado Janio Quadros. O velho racha: UDN X PTB tornava-se uma luta política de vida ou morte.
Jango percorre Minas em campanha para a sua reeleição a vice-presidência da república e na cidade do meu pai, Ponte Nova, terra também do vice de Janio, Milton Campos, situada na zona da mata mineira, ocorre uma eleição dura, disputada a ferro e fogo entre as oligarquias e a classe rural dos fazendeiros e cortadores de cana. Jango vai à cidade para um grande comício na praça principal e entre um foguetório ensurdecedor e outro,  é recebido por uma multidão de trabalhadores eufóricos e esperançosos com a volta do Ministro do Trabalho de Getúlio Vargas. A vitória sorria para o gaúcho. Jango tinha uma característica comportamental que muito me impressionou ao conhecê-lo: quando conversava com você olhava para o chão e ao andar mancava de uma perna, mas nada disso impedia que o seu carisma contagiasse de quem se aproximasse dele. Lembro-me que fiquei fascinado com a sua simpatia e encantado quando ele passou a mão, que tinha um forte cheiro de tabaco, na minha cabeça. No dia seguinte do comício fomos todos ao vilarejo de Urucânia, pois havia chegado um recado na cidade que o Padre Antônio, dito milagreiro, precisava falar com o vice-presidente.
Quando a comitiva chegou à casinha humilde do padre, ele, que não andava, fez questão de se levantar para receber o vice-presidente. Ao abraçá-lo, apertou a sua mão e lhe deu uma medalhinha que Jango guardou-a no bolso. O Padre então disse com a voz embargada para que todos ali na sala pudessem ouvir:  - O senhor será, em muito pouco tempo, o nosso presidente, mas tenha cuidado com o que pode vir a acontecer... Todos ali se emocionaram com essas palavras, principalmente Jango e meu pai e todos fizeram silêncio quando uma reza soou como um mantra pela boca do padre. Depois pousaram para a foto abaixo que eu descobri neste livrinho que chegou as minhas mãos, misteriosamente dado por esta gaucha de sotaque carregado.
As eleições ocorreram e Tancredo perdeu para Magalhães, derrotando também o Professor Santiago Dantas. Mas Jango venceu em Ponte Nova, com grande maioria, para alegria do meu pai, derrotando o  Milton Campos na sua cidade natal... O resto da história vocês já conhecem...


Comício com
Tancredo,
Sette,
Jango e
Santiago

A direita: (dois desconhecidos) Sette, Padre Antônio, Jango, Manoel e Waldemar Jorge (lider ferroviário de P.N.)

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