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quarta-feira, 21 de setembro de 2011

MEMÓRIA VIVA

O FAMOSO CINEASTA ORSON WELLES RETORNA AS MINAS GERAIS E CAUSA NOVA POLÊMICA
Recebi do meu amigo escritor, crítico e autor de cinema, Sérvulo Siqueira, um emeio onde ele se espanta com a reportagem que alguns jornalistas mineiros tentam esquartejar (segundo suas palavras) a figura emblemática de Orson Welles na sua visita ao Brasil e principalmente a Minas Gerais usando para isso passagens escritas no seu livro publicado na Estante Virtual. Livro que todos que gostam do bom cinema deveriam se interessar em ler.
O emeio do Sérvulo Siqueira:
“...Estou muito triste porque fui vítima de um estelionato perpetrado por uma jornalista do Estado de Minas. Ela me procurou alegando que queria que fazer uma matéria sobre a passagem de Welles por Minas. No domingo passado, com a publicação da reportagem, verifiquei que se tratava na verdade da fabricação de um gancho destinado a promover um documentário ainda em sua fase inicial, que naturalmente se propõe a captar dinheiro público. Pura picaretagem: tanto a jornalista quanto a diretora não sabiam nada do assunto e se serviram dos meus conhecimentos para se promover. Pior ainda, a matéria realiza em esquartejamento explícito de um dos grandes gênios da arte do século XX, desfiando toda sua escatologia. Me sentí envergonhado em participar, involuntariamente, desta quadrilha. Coincidentemente, na semana passada a diretora do suposto "documentário" comprou um exemplar do livro na Estante Virtual....”
Matéria escrita pela jornalista Ana Clara Brant para o jornal O Estado de Minas em 14/08/2011 com observações do autor do livro citado:
Orson Welles adorou a luz da capital e gerou divertido folclore a respeito de suas aventuras. Conta a lenda que ele foi ao cabaré Montanhês e fez xixi de cima de um fícus na Praça Sete
A luminosidade de Belo Horizonte impressionou o cineasta Orson Welles. “Acho linda esta cidade, sempre esbatida de sol, de uma alegria solene e comunicativa. Vou vê-la melhor agora”, declarou ele ao Estado de Minas em 11 de março de 1942. Na entrevista, o americano elogiou o país e se disse surpreso com o que encontrou: “Nunca supus que pudesse haver tanto material filmável no Brasil. Creio que vou fazer muita cousa séria em torno deste país interessante e amável. Estou encantado com o Nordeste e os jangadeiros. Não sei como eles puderam permanecer tanto tempo desconhecidos do mundo”.
Não saiu no jornal, mas a passagem de Orson Welles por BH gerou verdadeira coleção de causos pitorescos. Há quem garanta que ele teria “enchido a cara” nos bares da Avenida Afonso Pena, chegando ao ponto de subir em uma árvore da Praça Sete. Teria dado trabalho à polícia. Foi visto no Montanhês Dancing e foi fazendo xixi em uma árvore da Rua Rio de Janeiro, assim que deixou o salão de dança. Teria se esbaldado não só com a bebida – trata-se de notório boêmio –, mas com a famosa culinária mineira.
“Quem sabia muitas histórias dele, inclusive os dois chegaram a trocar cartas, foi o falecido professor de teatro da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Francisco Pontes de Paula Lima. Ele comentava a empreitada do Welles pela noite da capital. Nos contava o episódio na Praça Sete, onde o diretor teria até subido em um fícus e urinado lá de cima. Se não é verdade, pelo menos virou lenda”, comenta o cineasta e crítico Paulo Augusto Mello Gomes, de 61 anos.O diretor Sérvulo Siqueira acha que, como Welles estava no país a serviço do governo norte-americano, ele pode ter mantido compromissos oficiais, inclusive em Belo Horizonte, onde teria se encontrado com o governador mineiro Benedito Valadares.
“Welles era emissário do governo dos Estados Unidos, que estavam perdendo espaço durante a Segunda Guerra Mundial. A América Latina tinha papel fundamental nessa história”, emenda Sérvulo. Entretanto, a missão e o filme que Orson Welles veio a fazer no Brasil acabaram tomando outro rumo. Isso talvez explique um pouco o “boicote” da imprensa em relação à estadia dele no país. “O diretor se encantou pela cultura negra, o samba e as favelas. Ficou muito amigo de um ator mineiro excepcional, o Grande Otelo. Não era isso que os governos norte-americano e brasileiro desejavam. Então, a imprensa, que sempre serviu aos poderosos, ficou do lado do governo e passou a boicotá-lo”, teoriza Sérvulo Siqueira, autor de livro sobre a estadia do artista americano no país.
Orson Welles nasceu em Wisconsin, em 6 de maio de 1915. Dirigiu 27 filmes entre os 113 que compõem seu currículo de ator, roteirista, montador e produtor. É dele um dos longas-metragens mais aclamados da história: Cidadão Kane, que completou sete décadas este ano. Welles também chamou a atenção com o programa Guerra dos mundos. Essa adaptação radiofônica do romance de H. G. Wells foi tão impressionante, com impactantes recursos dramáticos, que as pessoas em pânico fugiram de casa ao ouvir pelo rádio que marcianos haviam chegado à Terra. Locutor da façanha, Welles morreu em 1985.
A jornalista Laura Godoy, que prepara documentário sobre a visita de Orson Welles a Ouro Preto, diz que ele não teve tempo de conhecer muita coisa na cidade histórica, mas aposta na Matriz do Pilar como um dos lugares conferidos por ele. “A igreja era um dos pontos mais conhecidos e visitados”, teoriza ela.
O poeta ouro-pretano Guilherme Mansur, de 53 anos, chegou a escrever uma crônica fictícia sobre o ilustre visitante. Conta que o diretor teria sido visto debruçado na balaustrada da Ladeira de São José, completamente bêbado, amparado pelo fotógrafo Jean Mazon. Depois teria comido pé de porco e se embebedado nos botecos no Largo de Marília de Dirceu. Teria até se deliciado com pão de queijo e admirado o purgatório do Aleijadinho sobre a portada da Igreja do Bom Jesus. “Criei um roteiro. Ele até pode ter passado por todos esses lugares, mas não tenho provas. Só sei que adorava beber e comer. Vejo-o como um glutão que vai descobrindo Ouro Preto por meio das gulodices”, afirma.
Dá para imaginar Orson Welles, um dos gênios do cinema, esbaldando-se em pleno Montanhês Dancing, na zona boêmia de Belo Horizonte, e comendo pé de moleque em um boteco em Itabirito? Ou passeando pelas ladeiras históricas de Ouro Preto? Há quem jure: tudo não passa de lenda, tamanha a falta de registros e informações sobre a visita relâmpago do ator e diretor norte-americano ao estado. Mas é fato: em março de 1942, Welles conheceu Minas. Deixou o rastro de mistério, imaginação e dúvida.
“Eram tempos da política da boa vizinhança. Aos 26 anos, Orson Welles já havia filmado a obra-prima Cidadão Kane. Foi encarregado pelo governo norte-americano de aproximar os Estados Unidos do Brasil. A gente sabe muita coisa da visita dele ao Rio de Janeiro e ao Ceará, pois estava aqui para fazer o documentário It’s all true sobre o país. Mas o que ocorreu em outras cidades brasileiras por onde passou é meio obscuro. Para falar a verdade, quase todos os acontecimentos relacionados a Welles sempre são cercados da atmosfera de mito e realidade, para a qual ele contribuiu de forma proposital ou involuntária. Como a serpente que mordeu a própria cauda, ele acabou se tornando vítima dessa fantasia”, afirma o cineasta paulista Sérvulo Siqueira, de 64 anos, que acaba de lançar um livro sobre a temporada brasileira de Welles, FRAGMENTOS DE UM BOTÃO DE ROSA TROPICAL.
Setenta anos depois da visita, não apenas Sérvulo segue o rastro do diretor americano no Brasil. Há quatro meses, a jornalista Laura Godoy, de 31 anos, “come, dorme e acorda Orson Welles”, como define. Moradora de Ouro Preto, por conta própria ela decidiu pesquisar a passagem relâmpago de Welles pela antiga Vila Rica. Além da intenção de publicar artigo em parceria com o cineasta Luiz Carlos Lacerda, Laura está produzindo um documentário baseado nessa enigmática visita. “Meu pai tem um dos maiores acervos fotográficos de Ouro Preto e já pesquisava essa história. Sempre ouvi falar nela. Fiquei curiosa para saber até que ponto era lenda. A experiência vem sendo muito instigante. É trabalho de formiguinha, mas quero montar o quebra-cabeça e esclarecer quando exatamente ele veio, o que fez aqui. Nosso documentário pretende abordar todo esse imaginário”, adianta a jornalista.
Laura vasculhou arquivos e museus. “Não achei muita coisa sobre ele ou sobre Minas e Ouro Preto na década de 1940. O mundo vivia a Segunda Guerra Mundial, era esse o assunto que dominava os jornais. Além do mais, infelizmente, somos um país que não cultua muito a memória”, lamenta. De acordo com ela, tudo leva a crer que Orson Welles foi a Ouro Preto registrar as solenidades da semana santa. A jornalista apurou que a intenção dele era fazer contraponto ao carnaval carioca, documentado por ele em filme. “O mais estranho é: como Orson Welles filma isso, vem a Ouro Preto e não há nada comprovando essa passagem? Onde estão esses rolos? Esse tipo de lacuna ainda falta decifrar”, diz.
Sérvulo Siqueira diz que Welles pegou forte gripe na cidade mineira e por isso acabou não concluindo o projeto de documentar o evento religioso. “Segundo os relatórios de Lynn Shores, diretor de produção de It's all true, ele ficou doente e teve que voltar ao Rio. As filmagens em Ouro Preto foram dirigidas pelo roteirista Robert Meltzer e fotografadas por Gregg Toland, diretor de fotografia de Cidadão Kane”, acredita. Se os ouro-pretanos perseguem o fantasma do gênio do cinema, não há dúvida: o homem passou mesmo pela capital mineira. E há prova disso: “Belo Horizonte hospeda o Cidadão Kane”, manchetou o Estado de Minas em 11 de março de 1942. A reportagem conta que o “revolucionário de Hollywood” passou apenas um dia na cidade. Informa que ele percorria o país “em busca de originalidades que representem a vida dos brasileiros no que ela possui de mais característico e interessante”. Welles desembarcou no aeroporto da Pampulha em avião da extinta N.A.B, e de lá se dirigiu para o extinto Grande Hotel, onde hoje está o Edifício Maletta, na Avenida Augusto de Lima.
Ele era apenas um moço de 21 anos. Em certa manhã de 1942, deparou-se com um rosto hollywoodiano em plena ponte de Itabirito, a 55 quilômetros de Belo Horizonte. Não acreditou que o responsável pelo clássico Cidadão Kane estava ali, diante de seus olhos. “Eu o conhecia, admirava seu trabalho. Mas muita gente nem imaginava de quem se tratava. Fiquei pensando: ‘Meu Deus, o que o Orson Welles estaria fazendo em Itabirito?’”, conta o juiz e desembargador aposentado Alyrio Cavallieri, de 90 anos. O jovem mineiro trabalhava com o pai no Bar e Restaurante do Primo, que pertencia à família. E foi lá que o astro norte-americano passou pelo menos uma hora, depois de o carro enguiçar. “Welles ia de BH para Ouro Preto. O Bar do Primo era parada literalmente obrigatória para quem seguia aquele caminho, o único lugar em que se podia fazer xixi”, brinca o itabiritense, que fez carreira no Rio de Janeiro e se tornou famoso juiz de menores. Orson Welles caminhou pela rua principal. Alyrio Cavallieri logo tratou de pedir autógrafo, com seu inglês de ginásio. Em seguida, veio o insight. Correu para casa, trouxe a velha câmera Kodak. “Quando voltei, ele fechava a braguilha. De cima da ponte, acabara de ‘batizar’ o Rio Itabirito. Assim que se recompôs, pedi para fazer a foto. Ele foi bem simpático, tirou os óculos escuros e fez pose”, recorda. Orson Welles deu uma chegadinha no bar do Primo e se encantou com os doces expostos na vitrine. Não pensou duas vezes, tratou de experimentar o pé de moleque. “Quis agradá-lo e disse: ‘It’s free for you, mister!’. Lembro-me da resposta. Ou melhor, guardei o som, pois só fui entender as palavras mais tarde. ‘It’s foolish’, respondeu. Ele insistiu em pagar, mas não aceitei”, relembra Cavallieri.
Quem passar hoje por Itabirito vai, finalmente, encontrar um registro público da aventura mineira do Cidadão Kane. Perto da ponte onde ele “batizou” o rio que corta a cidade está a estátua do cineasta. Ao lado do monumento de bronze – que pouco lembra os traços do diretor –, a placa traz as palavras de Alyrio Cavallieri: “Uma visita digna de nota de um artista ilustre a Itabirito!”

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