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sábado, 4 de outubro de 2014

Um Conto de Reis

BRISA SECRETA DAS ALTURAS                    

Fábio Carvalho

Sem as devidas preparações, com o inconsciente liberado, fui fazendo as imagens para este filme antes de perceber que já o estava compondo. Não me lembro de ter acontecido de outra vez assim. No balcão certa noite, Adam, meu conhecido australiano também guitarrista, disse que para ele o Jimi Hendrix era líquido.  Nada mais me sobressalta, digo isso em lembrança a D. Regina, que além de outros predicados cultivava o dom da oratória. Vamos para o campo de batalha do cinema onde palavras se exibem como musas.  A exuberante nudez daquela atriz poderia mudar o mundo, torná-lo mais justo. Tudo se transmutou naquele enevoado e friorento fim de semana depois que o velho pianista Chick Corea não veio até a velha cidade de Ouro Preto.  Ficou preso na Argentina.  Sombras demais provocam medo ao coração. Ontem hoje amanhã depois. Toninho tocou com a Orquestra Fantasma bem lá no alto acima das dez, improvisando o que estava previsto para acontecer lá embaixo às seis dentro da Igreja do Pilar. Ah, meu samba, não me deixe acreditar que a saudade possa me desesperar. Com olhos terrivelmente maldosos encharcados com Acqua Vita, assisti ao emo paulista com dedos longos, tortos e trêmulos locando o drone munido de hélices e câmera HD para roubar o ponto de vista da pomba que voava por sobre os telhados barrocos sem pagar direitos autorais.  Isto tudo bem no beiral da ponte logo depois do Passo antes da Casa dos Contos. Naturalmente eu estava na contramão então houve uma trombada em nós. Nada além, apenas um desconforto foi provocado no entorno e nas adjacências, o que claramente eu poderia ter evitado, o problema foi que só pensei assim no dia seguinte. Sigamos a passos largos e rápidos já que tratamos de cinema para adultos. Por mais incrível que possa parecer, naquela noite de Sexta Feira de agosto a Fafá tomou banho, lavou os cabelos e se vestiu com roupas limpas. Milagres acontecem como bem dizia o velho Sarra. A Lua cheia brilhou novamente, os sonhos em profusão também. Difícil eu sem mar eu sem chuva eu sem respiração. Sonho muito com movimentos, disse a bailarina. Sonho que dou um salto e vôo. Depois em outro sonho emendado estouro de gargalhar. Sou um concentrado disperso. O físico Ramayana Gazzinelli contou que foi certa vez, com o arquiteto Roberto Lacerda, à casa do filósofo Moacyr Laterza, então na Rua Dona Cecília na Serra. Já no terceiro ou quarto uísque, entabularam um papo sobre as pessoas próximas que já tinham morrido e sobre seus fantasmas que apareciam de vez em quando. Aquele assunto foi deixando o físico arrepiado, com um medo gelado percorrendo todo o corpo. No fim da noite voltou para casa. Como sua esposa estava viajando, ele bastante ressabiado não guardou o carro na garagem, deixou-o do lado de fora para qualquer emergência.  Lá pelas tantas, sem conseguir dormir, andando de um lado para o outro dentro de casa com as luzes todas acesas, tomou a seguinte resolução: telefonou para sua mãe e pediu para dormir com ela, o que a velha senhora atendeu prontamente. O cientista e seus fantasmas. Escrever é não dizer nada, escrever é escrever, disse o M.D. com asterisco. Escrever seria encontrar algo na noite escura ou qualquer coisa assim? A ponte que todo mundo conhece e ninguém sabe o nome finalmente foi decifrada como Ponte Dos Contos, poderia ser dos Tontos, seria mais divertido. Vamos à diversão.  Na sequência na mesa da frente dentro do Toffolo, reinava a poesia do Paulo Augusto Franzem de Lima, provocada e proferida por vários dinossauros centrifugados na própria e incontestável imagem através do tempo, naquele enquadramento espesso e iluminado que não se dissolvia diante da realidade de cristal. Exatamente vinte e duas e treze, a hora é essa. Um Louva- Deus gigante pousou na parede de tijolos envernizados da cor ocre no mês do cachorro louco. Alertaram-me mais tarde que na verdade o Louva-Deus era um Bicho-Folha bem verdinho. Abre as asas sobre mim, oh senhora liberdade, fui condenado sem merecimento, por um sentimento por uma paixão, violenta emoção. Há dias esta música vem me rondando por dentro da minha cabeça. Deve ser alguma coisa boa, espero que seja. No centro do quadro a panturrilha branca e nua de mulher com uma borboleta azul pousada bem ali. Aceleração equivocada numa pressão desmedida. Aurino Ferreira e Hector Costita se alternavam no sax- tenor, enquanto eu dava início aos trabalhos, abria a porta do escritório. Novamente teria que atravessar todo aquele dia na expectativa de não ter que vê-la. A sensação é complexa. O tempo morto naquele abrigo torna imprescindível a segunda dose. Um filme música. Cabe uma mudança séria na ordem da montagem, mudar a forma de caminhar é sempre complicado, é preciso coragem, aventurar-me na minha guerra interior com mais afinco. Continuo rezando pelos cantos vazios e escuros dos bares conhecidos e desconhecidos que chegam até a mim. Duas bocas perpassam todo o filme e as outras partes em blocos. A sombra e a brisa da Rua Dos Guajajaras me fizeram esperar o ônibus para subir até a Serra de modo tranquilo e barato. Sem esquecer que longa é a dor do pecador querida. Louco é o desejo do amador perdida. Suave em primeiro lugar a descrição da neve pela visão interior, em segundo o tratamento dos dentes em duas etapas. Em terceiro a subida de elevador e as alterações necessárias. Estou farto da simetria! No filme só os enquadramentos me interessam por enquanto, a ilustração.  Repugnante e obscena esta afirmação, ao mesmo tempo vemos o belo rosto da Monica Vitti em cores saturadas. Durante aquele espaço real tentamos nos evitar, para tanto tivemos um pensamento viajante coadunado. Repentinamente éramos mistérios leitosos escorrendo para onde nunca conseguimos chegar como implosões microscópicas em forma de salutar experimentação.  Depois de almoçar um p.f., tomando uma Bohemia, ele tirou um cachimbo de osso do bolso, e sem poder acender dentro do restaurante, ficou mordendo o seu cabo. No meu modo de ver o cinema se expressa como organismo vivo através da sensualidade, a imagem é mulher. O movimento mucoso vermelho interno e o contorno malemolente do quadro contém a lascívia em estado de cio. O calor da duração da cor e mesmo a ausência dela a cor, perturbam a libido no meio do escuro. A esperança num perfeito refúgio de um cine poeira no meio da tarde de um dia de semana. Biro-Biro e Ivan o Terrível, declamaram para mim às três e meia daquele Domingo ensolarado com prazer deslavado e cúmplice a letra da música do Sebastião Cirino chamada Três Amores: tenho três amores na vida, música, mulher e bebida. Eis a razão do meu ser. A música me enleva a alma, a mulher me tira a calma  e a bebida me faz esquecer.

 


 

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