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sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Paisagem do Tempo


Alô Cinema!
Um novo governo precisa entender que mexendo em apenas três itens do já estabelecido, pode acontecer uma reforma significativa na produção, exibição, proteção e conservação do cinema financiado pelo estado brasileiro.
1 Desburocratizar os meios de produção cinematográfica e colocar na direção dos órgãos específicos pessoas do meio cultural, artistas, intelectuais, que defendam os interesses do cinema brasileiro.
2 A aprovação não mais de projetos repletos de papeladas e burocracia. O proponente, pessoa física, a um financiamento público, apresentaria primeiro ao Ministério da Cultura um roteiro, em primeiro tratamento e entraria na fila dos que serão selecionados. Se seu roteiro fosse selecionado e aprovado, o proponente procuraria uma produtora para fazer o projeto completo, com os custos e prazos de realizações definidos. Isto facilitaria e agilizaria o longo processo de realização de um filme e a produtora não correria o risco de ver tanto trabalho jogado no lixo.
3 Colocar em prática a Lei, já existente, do Curta-Metragem a ser exibido antes dos filmes estrangeiros e estender essa mesma lei (do Curta) para as televisões brasileiras que exibam filmes estrangeiros.
Vamos avançar ou não vamos?

O GOLPE EM MARCHA
Nas redes da internet, nos jornais, nos noticiários das tevês, nos comentários ouvidos nas ruas, dos bares, nas festas chiques, nas batucadas do morro, enfim por todo o país eu posso sentir o que eles querem dizer entre contrários, entre a alegria dos que gritam: Já ganhamos! Viva o povo! Viva o Brasil! Com a revolta hostil, raivosa, dos que sofrem com a derrota, pois estavam certos da vitória e que aos poucos vai se tornando silenciosa, formando em pequenos grupos nada secretos que esperam, como se fossem disputar uma peleja, o dia da revanche, e, para essa desastrosa conquista, passa a valer tudo novamente: as denúncias, o arbítrio do sistema, a incompetência estratégica na defesa da mentira, em vez do ataque da verdade, o interesse estrangeiro inconfesso na divisão do país em dois, três, quatro, que fico em dúvida se tudo isso não caminha para o pior. O fato é que farão de tudo para criar conflitos, olho vivo! Já corre uma lista de adesão pela internet para levar os vitoriosos a se explicarem novamente em uma CPI (com o congresso eleito mais reacionário da história) da Petrobras, ou mesmo em processos criminais armados com o auxílio dos contrários. Nunca esquecer que ao contrário das forças democráticas, existem as forças armadas. É como em um filme de suspense do velho Alfred: é preciso estar preparado para o embate que ira na certa acontecer se não, meus amigos, (VERTIGO) a casa cai (novamente).

SER GAGÁ
Millôr Fernandes
Ser Gagá não é viver apenas nos idos do passado: é muito mais! É saber que todos os amigos já morreram e os que teimam em viver, são entrevados. É sorrir, interminavelmente, não por necessidade interior, mas porque a boca não fecha ou a dentadura é maior do que a arcada.

Ser Gagá é ficar pensando o dia inteiro em como seria bom ter trinta anos ou, vá lá, quarenta, ou mesmo, ó Deus, sessenta! É ficar olhando os brotinhos que passeiam, com o olhar esclerosado, numa inútil esperança. É ficar aposentado o dia inteiro, olhando no vazio, pensando em morrer logo, e sair subitamente, andando a meia hora que o separa dos cem metros da esquina, porque é preciso resistir. É dobrar o jornal encabulado, quando chega alguém jovem da família, mas ficar olhando, de soslaio, para os íntimos da coluna funerária. Ser Gagá é saber todos os mortos inscritos no Time, em Milestones. Não é saber o Who is who, mas os WHEN. É só pensar em comer, como na infância. E em certo dia passar fome as vinte e quatro horas, só de melancolia. É, na hora mais ativa do mais veloz Bang-Bang, descobrir, lá no terceiro plano, uni ator antigo, do cinema mudo, e sentir no peito a punhalada. É surpreender, subitamente, um olhar irônico que trocam dois brotinhos, que, no entanto, o ouvem seriamente. É querer aderir à bossa nova, falar “Sossega Leão” e morrer de vergonha ao perceber o fora. É não querer, não querer, mas cada dia ficar mais necessitado de amparo do que outrora. É ter estado em Paris, em 19. É descobrir, de repente, um buraco na roupa e dar graças a Deus, por ser na roupa.                                                                                                                   Ser Gagá é sentir plenamente que tudo que se leu, que se aprendeu, que se viu e se viveu não vale nada diante do que estua. Ser Gagá é estar sempre na iminência de ouvir em plena rua: “Olha o tarado!” É ficar contente em ver Chaplin e Picasso como os “mais charmosos” de sessenta! É chamar de menina à quarentona. É ter uma esperança senil nos cientistas. É reparar, nos mais jovens, o imperceptível sinal de decadência. É ficar olhando o detalhe, nos amigos; a lentigem nas mãos, o cabelo que afina, a pele que vai desidratando. Ser Gagá é o orgulho vão de ainda ter cabelo e poucos brancos! A vaidade tola de não ter barriga; a felicidade de ter dentes próprios. E fazer grandes planos qüinqüenais que espantam os jovens que acham cinco anos a própria eternidade, mas que o Gagá sabe que voam como voaram tantos, tantos, tantos... É se apegar, desesperadamente, pelo tremendo impulso da existência, aos filhos, aos netos e aos bisnetos, embora saiba que eles não o querem, que a convivência com eles é apenas parte e total do egoísmo vital que o enterra. É sentir que agora, outra vez, está bem de saúde. É sentir a saúde ocasional. É carregar o corpo o tempo todo. É sentir o caixão no próprio corpo. É saber que já não há quem tenha prazer em lhe acarinhar a pele. É já não ter prazer em passar a mão na própria pele. É esquecer de coisas importantes e lembrar, sem saber por que, um gosto, um calor, uma palavra há tempos
esquecidos.                                                                                                                              
Ser Gagá é procurar com afã a importância do cargo para de novo ser solicitado, embora pelo cargo. É sentir que nada do que faça, espantoso que seja, terá a importância do feito de outro homem, nos inícios da vida. Ser Gagá é quando dormir tarde se torna uma loucura, resgatada em feroz resfriado que dura uma semana. É ter sabido francês, e esquecido. É já não jogar xadrez como outrora! É olhar o retrato amarelado e lembrar que fotógrafo usava magnésio. É dizer, como um feito, que ainda lê sem óculos. É ouvir que alguém diz, quando passa na rua: “inda está firme!” É ficar galante e baboseiro na terceira taça de champanha. É casar com uma mulher mais jovem e querer dar logo ao mundo a inegável prova de um filhinho.                                                                          
Ser Gagá é, num esforço mortal, aceitar tudo que inventam, todas as idéias, as modas, a música, o ritmo de vida, mas não deixar de dizer numa ironia profunda e amargurada. “Eu não entendo”. É sentir de repente o isolamento. É ficar egoísta, e amedrontado. É não ter vez e nem misericórdia.                                                                                               
Ser Gagá é fogo. Ou melhor, é muito frio.

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