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domingo, 12 de outubro de 2014

DEPOIMENTO DE CINEMA


Depoimento de Paulo Emílio Sales Gomes à CPI do Cinema, realizado em 1964.

Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as atividades da indústria cinematográfica nacional e estrangeira.

Aos cinco de maio de mil novecentos e sessenta e quatro, perante esta Comissão Parlamentar de Inquérito, o senhor Paulo Emílio Sales Gomes prestou o seguinte depoimento:

[Sr. Presidente] Está aberta a sessão. Com a palavra o senhor Paulo Emílio Sales Gomes.
Senhor Presidente e senhores membros da Comissão, eu gostaria inicialmente de dizer o ângulo através do qual estudei a problemática do cinema brasileiro. Primeiramente foi de um ângulo histórico e se me permito aqui abordar rapidamente esse ângulo histórico é porque me parece que ele nos traz a chave para a problemática do cinema brasileiro, inclusive do contemporâneo. Se imaginarmos o que foi a chegada do cinema no Brasil reinava uma mentalidade importadora, veremos que era uma época em que nós, no Brasil, importávamos tudo. Ficamos surpresos quando lemos nas memórias de Gilberto Amado, por exemplo, ele que trabalhou na Anfândega de Recife quando moço, ficamos surpresos, repito, quando encontramos a enumeração daquilo que importávamos naquele tempo: sabonetes, doces, evidentemente toda uma espécie de bebidas e até palito. Éramos um país importador, inclusive de palitos. Naturalmente, quando surgiu o cinema, esse tipo de manifestação popular, que exige para a sua fabricação uma complexidade maior que para a fabricação de sabão ou de palitos, nós, imediatamente, nos pusemos na condução de importadores dessa forma de entretenimento e de diversão popular que em seguida adquiriu a fisionomia de arte. Apesar da mentalidade importadora que reinava no começo do século e que se desenvolveu no Brasil durante muito tempo, vemos que o período de ouro do cinema brasileiro vai até a Guerra de 1914-1918 e que nos fez sentir que essa época a proporção de filmes brasileiros exibidos em nossos cinemas era muito maior que a atual. Isso se explica: naquela época os programas cinematográficos eram compostos de vários filmes, filmes curtinhos. Em média geral, um programa cinematográfico tinha seis ou sete filmes de forma que um filme brasileiro entrava nessa programação constantemente, sem perturbar aquela importação de filmes estrangeiros. Por outro lado, naquela época o cinema não tinha a importância comercial que adquiriu depois e que num país como os Estados Unidos só a partir de 1906 e 1908 começou a ver grande número de cinemas estabilizados, casas de espetáculo especialmente dedicadas a passar filmes, quanto mais no Brasil. Nesse período o número de cinemas permanentes, de casas de espetáculos que existiam só para passar filmes era relativamente pequeno. O cinema era atividade de espécie de pessoas que viajavam mostrando o filme através do país. De qualquer maneira, e apesar dessa presença, o cinema brasileiro, quando a Guerra impediu a importação de filme virgem, praticamente desapareceu do mercado e nunca mais conquistou a posição que havia obtido naqueles anos. Vemos, então que toda a atividade cinematográfica no Brasil, tudo que se referia a nossa legislação da época, aliás, reflete isso muito bem, quando o legislador se interessava pela classe cinematográfica brasileira. Se formos examinar o que essa essa classe cinematográfica brasileira veremos que eram as pessoas todas empenhadas no comércio de importação de filmes, primeiro através de marcas como a Pathé francesa, inclusive a Nordest, depois a Nordest Dinamarca, a Itália, italiana, e outras americanas que se afirmaram em 1914-1918. Toda a movimentação cinematográfica brasileira existia em termos de importação. Naturalmente, alguns brasileiros, desde o começo do século, tentaram fazer filmes e continuaram a fazê-los. O que vemos, cada vez que há uma tentativa, seja a tentativa de 1910, em Pelotas, seja a tentativa de Campinas ou em Pernambuco, dos anos de 1920, sejam as mais permanentes do Rio ou São Paulo, seja algumas das tentativas de Belo Horizonte, o que vemos sempre, desde as aspirações mais humildes até o empreendimento mais ambicioso, como foi o da Vera Cruz que ainda está na nossa memória, o que temos visto acontecer é sempre a mesma coisa: surgem pessoas que resolvem fazer um filme, pensando que basta fazer um filme e que esse filme automaticamente encontrar escoamento, encontrará um mercado. Eles se lançam na aventura, fazem os filmes e quando estes estão prontos encontram a maior dificuldade para que eles sejam distribuídos, para que sejam exibidos, porque no momento em que o filme brasileiro está pronto, ele entra em conflito com toda uma estrutura organizada, tendo em vista exclusivamente a importação de filmes estrangeiros. A história do nosso cinema é constantemente esta. É sempre esta. Há do nosso lado os filmes que não conseguem conquistar o seu próprio mercado, que não encontram lugar em seu próprio país para sobreviver e para desenvolver. Este é o esquema histórico do cinema brasileiro. Tendo-se esse esquema histórico, essa visão, compreende-se o que acontece, inclusive, atualmente e compreende-se qual o único problema do cinema brasileiro, porque frequentemente as pessoas que estão empenhadas nos negócios cinematográficos perdem de vista a seriação dos problemas e n˜åo percebem qual aquele fundamento que de todos nós depende. E o problema fundamental é este: os nossos filmes não têm lugar no mercado brasileiro, não têm um lugar condigno, o nosso filme continua a ser um caso num esquema organizado para a importação, a distribuição e a exibição do filme estrangeiro. Esta é a situação. De forma que pensar na possibilidade de resolver o cinema brasileiro sem resolver inicialmente esse problema é impossível, é uma utopia. O Brasil, no que se refere aos grandes países do mundo, é hoje o último país onde há praticamente mercado aberto. Tenho certeza de que muitos depoentes, com estatísticas completas, já vieram diante desta comissão apresentar cifras, demonstrando, por exemplo, que tínhamos há dois anos, não sei as cifras do ano passado, trezentos milhões de espectadores por ano. Temos, no nosso mercado, inicialmente, cerca de setecentos filmes, ao passo que um país como os Estados Unidos da América do Norte, que têm um mercado de dois bilhões e quinhentos milhões de espectadores por ano, têm no seu mercado, de início, aproximadamente a metade da quantidade desses filmes. Isso parece que define bem a situação. De forma que eu não vejo nenhuma possibilidade de se resolver o problema do cinema brasileiros, de se salvar o cinema brasileiro. Precisamos de medidas a fim de diminuir de forma substancial a importação de filmes estrangeiros, precisamos chegar a um momento em que se diminua de 50% a importação do filme estrangeiro com a finalidade de permitir que o nosso filmes tenha chance, a nossa indústria tenha chance e se desenvolva. Aliás, esse corte massivo da importação será inclusive favorável, não será desfavorável para aqueles filmes que serão importados, porque os que serão importados irão lucrar muito mais, terão um lucro muito maior ao mesmo tempo em que esse abrirá chance para o cinema brasileiro. Os filmes que conseguirem ultrapassar as barreiras que deverão ser feitas para a sua importação terão depois, em virtude de o mercado estar muito mais saneado, eles terão chance muito maior. Esta é a visão global, inicial, que queria dar da minha posição diante do problema. E me ponho inteiramente à disposição do senhor presidente e dos demais membros da Comisssão para responder às perguntas que porventura me queiram fazer.

[Sr. Presidente] Tem a palavra o nobre relator, Deputado Evaldo Pinto.
[Sr. Relator] Retomando a mesma linha sua exposição inicial, vou solicitar agora alguns pormenores sobre os pontos fundamentais se sua explanação. Quais as medidas práticas que o depoente recomenda para chegarmos à defesa do mercado brasileiro para o cinema brasileiro?
Esse problema eu já o examinei algumas vezes e cada vez fico mais perplexo, porque vejo que essa situação que sufoca a existência do cinema brasileiro é uma situação perfeitamente legal, o que não me espanta porque, conforme disse no decorrer de minha exposição, toda a legislação existente a respeito do cinema é uma legislação destinada a amparar a importação. Por exemplo, quando vejo o que se paga na Censura para censurar um filme é uma some ridícula de quarenta centavos, se não me engano, que foi fixada em 1939, então eu pergunto a juristas, pessoas autorizadas, bem-informadas sobre esse problema, se não é possível modificar isso e essas pessoas me explicam que essa soma foi fixada num decreto-lei, numa época em que o decreto-lei tinha força de lei. De forma que para ser modificado precisa de uma outra lei. Quando examino algum problema tarifário, algum problema de licença de importação, de taxação ad valorem, dizem-me que também nesse terreno nó´s estamos com os braços mais ou menos tolhidos, porque a coisa está vinculada a compromissos internacionais do Brasil com o GATT e fico também perplexo. De forma que, de maneira global, eu vejo que essa situação nefasta par ao desenvolvimento do cinema brasileiro é situação perfeitamente legal. Nós todos sabemos que as leis podem ser modificadas e eu penso, inclusive, que seria importante, talvez, aproveitar o momento em que as leis, em que a legalidade tem menor importância do que habitualmente (grifo meu – paulada do Paulo Emílio), para criar nossos meios dirigentes, nos nossos meios não só do Legislativo, mas do Executivo, uma mentalidade que permita talvez forçar um pouco e modificar essa lei. Realmente, na situação atual, sobretudo na situação nova em que nos encontramos, que cabe a iniciativa de fazer toda uma série de leis. Acho que o trabalho a ser feito seria o de convencer o Executivo a pedir a seu órgão, que é o GEICINE, que preparasse todo um plano a fim de permitir que 50%, dentro de "X"tempo, cinquenta por centos do filmes importados fossem pagos.

[Sr. Relator] Qual a opinião de V.Exa sobre dispositivos legais que tratem da obrigatoriedade de exibição de filmes brasileiros?
Parece-me totalmente inócua, porque quando uma lei não corresponde à realidade profunda das coisas ela é certamente violada. É uma visão sociológica do problema e que me parece válida. A nossa situação, a legislação, a situação de fato do Brasil, vincula de tal maneira o interesse do comércio cinematográfico à importação de filmes que esses comerciantes são levados, necessariamente, a não aceitarem, a violar, a fraudar todas as leis de proteção ao cinema brasileiro. Esses comerciantes só teriam um comportamento diferente, e aqui não estou fazendo nenhuma manifestação pejorativa a esses comerciantes, eles são comerciantes como os outros, tão patriotas ou menos patriotas do que os outros, em geral são homens que pensam nos seus negócios. Acontece que a situação criada faz com que os seus negócios dependam fundamentalmente de importação de filmes. No momento em que fosse criada uma situação, no Brasil, que vinculasse o interesse desses comerciantes ao cinema brasileiro, esses comerciantes se vinculariam ao destino do nosso cinema com o mesmo prazer e entusiasmo com que se vinculam atualmente ao destino do filme estrangeiro, porque nesse momento seria com o filme brasileiro que ganhariam mais.

[Sr. Relator] Qual a opinião do depoente sobre o problema de incorporação? O desenvolvimento de acordo de vários países poderia constituir medida vantajosa para o cinema brasileiro?
Na situação atual não teríamos condição de fazer acordo de igual pra igual. Nosso mercado é pequeno, nós não controlamos nosso mercado e não podemos garantir aos nossos partners. De outro lado, poderemos exibir o filme aqui com as mesmas garantias e vantagens com o que a outra parte poderia exibir em seu país. Isso por um lado. Por outro lado, a situação geral do cinema brasileiro desencoraja os nosso capitalistas ou encoraja muito pouco. De forma que não podíamos também, nesse terreno, ter uma participação equivalente àquela que os nossos companheiros de negócios do exterior trariam para o negócio em comum. De forma que nós, necessariamente, ficaríamos numa situação de inferioridade. E essa situação de inferioridade teria como consequência, praticamente, fazer esses filmes estrangeiros aqui no Brasil, utilizando exclusivamente a nossa barateza de mão de obra, inclusive de nossa mão artística. Atualmente, estamos em condições de fazer coproduções que sejam válidas em países em situação cinematográfica igual à nossa ou em situação de inferioridade, inclusive já com a Argentina, numa situação mais sólida, podíamos fazer acordos de coprodução. Mas mesmo nesse caso, pelas razões já expostas, nós ficaríamos em situação de inferioridade.

[Sr. Relator] Os jornais noticiaram que a delegação brasileira mais uma vez chegou ao festival cinematográfico de Cannes sem um centavo sequer para promoção de sua mercadoria. O depoente não acredita que, com tratamento publicitário mais intenso, com uma divulgação razoável, o cinema brasileiro, determinados filmes brasileiros, pelo menos, poderiam ter possibilidades maiores do que as atuais no mercado mundial de filmes?
Certamente, senhor deputado. Isso, não tanto devido ao nosso cinema, mas devido ao nosso país. Há, atualmente, no mundo – e eu, que viajo de vez em quando para congresso, para trabalhos internacionais, posso sentir até que ponto isso é verdadeiro – crescente interesse pelo Brasil, pelos nossos problemas, pela nossa afirmação como nação e, inclusive, pela nossa afirmação cultural. Na medida em que há esse interesse, essa curiosidade pela nossa pátria, esse interesse e essa curiosidade se refletem pelos nossos filmes. Os nossos filmes poderão ter possibilidades no estrangeiro. Mas devo dizer que não é possível calcular-se, imaginar-se indústria cinematográfica baseada na exportação. A exportação é algo que pode vir como suplemento. Basicamente uma indústria cinematográfica tem que buscar-se no mercado interno. os filmes têm que ser pagos no mercado interno.

[Pulei algumas perguntas sobre a Cinemateca e outras coisas que me interessavam pouco no que diz respeito ao imperialismo estrangeiro sobre o cinema brasileiro e prossegui na transcrição]

[Sr. Presidente] Com a palavra o nobre Deputado Alceu de Carvalho.
[Sr. Alceu de Carvalho] Sr. Paulo Emílio, no decorrer de seu depoimento V.Sa.m – aliás destacando bem esse ponto – frisou que, para proteção do cinema nacional, no sentido de seu desenvolvimento, se sua existência real, necessitaríamos levantar barreiras à importação. Pergunto à V.Sa. se, dentre essas providências, não seria aconselhável, atendendo-se a ambos os aspectos – oferecer certa resistência à importação e possibilitar a exportação de nossa produção – o sistema de reciprocidade. Quer dizer: para importarmos determinado número de filmes, esses países produtores dos quais importássemos seriam forçados a adquirir ou exibir filmes nossos. V.Sa. acha possível, exequível, esse sistema de reciprocidade?
O sistema de reciprocidade apresente o seguinte defeito: mostra a prática que ele só é possível quando, numa das partes, há o controle governamental da indústria e do comércio cinematográficos. No caso, por exemplo, da Polônia com os Estados Unidos, foi feito um acordo de reciprocidade, acordo curioso, aliás, porque no fundo n˜åo foi um acordo de Governo para governo. Foi um acordo entre o governo polonês que controla toda a indústria e todo o comércio cinematográfico e a indústria cinematográfica norte-americana. Foi um acordo comercial nessa forma de reciprocidade feito de uma indústria para um governo.

[Sr. Deputado Alceu de Carvalho] Porque na Polônia existe o monopólio estatal.
Exatamente.

[Sr. Deputado Alceu de Carvalho] Mas, por exemplo, entre o Brasil e os Estados Unidos, entre entidades privadas, isso não seria possível?
Sr. Deputado, não vejo qual o interesse que poderia ter o industrial do cinema norte-americano numa reciprocidade com filmes brasileiros. Conforme tive ocasião de ler em depoimento que foi feito aqui tudo aqui é tão fácil para a entrada de filmes estrangeiros que os produtores estrangeiros não teriam razão alguma para modificar essa situação, a não ser que fossem obrigados.

[Sr. Deputado Alceu de Carvalho] O meu raciocínio - e quero que V.Sa. entenda – parte do seguinte princípio: se nós estabelecemos determinadas restrições à importação, evidentemente o produtor estrangeiro se procurará ressarcir também adotando medidas em sentido de represália, taxando o preço do filme de uma forma exorbitante, com certo ágio. Tenho a impressão que, com reciprocidade, se diminuiria essa possibilidade de represália do produtor estrangeiro com relação ao nosso mercado.
No terreno cinematográfico, propriamente, eu não vejo qual é a represália que se poderia fazer contra o cinema brasileiro. Não vejo o que se poderia fazer de pior em relação aos filmes brasileiros do que já se faz por parte do estrangeiro, isto é, ignorar a existência do filme brasileiro. A pior coisa que um país estrangeiro pode fazer em relação ao filme brasileiro é nem tomar conhecimento de sua existência.

[Sr. Deputado Alceu de Carvalho] Mas essa represália seria com relação ao exibidor nacional. O nosso mercado consumidor é que seria forçado a dispender maiores quantias porque, diminuindo a importação deles, evidentemente cobrariam mais.
Diminuindo a importação o que acontecerá automaticamente é o desenvolvimento de nossa produção. Isso é que nós queremos.

[Sr. Deputado Alceu de Carvalho] Quer dizer que V.Sa. não acredita, como aconteceu com outro depoente, que os produtores estrangeiros procurassem impor maiores ônus ao nosso mercado na hipótese de se diminuir a importação?
Não acredito.

[Sr. Deputado Alceu de Carvalho] Aliás, é a minha opinião. Sr. Presidente, estou satisfeito com as respostas do ilustre depoente.
[Sr. Presidente] Tem a palavra o sr. Deputado Ruy Santos.
[Sr. Deputado Ruy Santos] Sr. Presidente, antes da primeira pergunta, agradecendo a referência do depoente, queria apenas ponderar que o que por acaso eu fiz na Bahia não foi tanto por mim mesmo, mas em função da orientação do próprio Governador da Bahia então, sr. Juracy Magalhães. Atendendo às orientações de S. Exa. é que me foi possível ajudar não só os produtores nacionais, como Glauber Rocha, como Anselmo Duarte, como Nelson Pereira dos Santos, como mesmo aos pequenos produtores estrangeiros. No caso do auxílio ao produtor estrangeiro o nosso interesse era, naturalmente, o interesse na divulgação da ambiência, o interesse na propaganda da terra. eu mesmo tive oportunidade de ir até ao Nordeste quando um grupo que fez Carnaval veio para estudar a possibilidade de fazer Canudos com base o livro de Euclides da Cunha. Eu mesmo larguei meus afazeres para acompanhar os produtores até Canudos. Tive, inclusive, oportunidade até de colaborar na retirada de certos senões, de certos equívocos do roteiro elaborado pelos roteiristas franceses com base apenas no livro de Euclides, sem conhecer o ambiente. Ainda me lembro de uma das passagens. Quem conhece o Nordeste e conhece a fruta nativa do umbu sabe como o umbu é colhido. Balançando-se o galho a fruta cai. É uma fruta mais ou menos como o limão. Pois bem: no roteiro estava que o jagunço tirava a faca e cortava a fruta do pé. E como isso havia coisas que, naturalmente, não têm cabimento, coisas, afinal, de contas, próprias da dialogação mesmo. O que fizemos na Bahia foi fruto, até certo ponto, não so do interesse pelo cinema que o Governador tinha, mas também do próprio estímulo que vem do ambiente baiano. O ambiente baiano, como todos sabem, ajuda a produção do cinema, desse cinema no bom estilo. Nele há possibilidade, por exemplo, de serem realizados filmes como O pagador de promessas, com a utilização do Zé do Burro, isto porque temos naquela igreja, aquela escadaria muito boa e muito bonita que possibilitou todo aquele cenário que realmente deu uma vida espetacular ao filme. Agora mesmo está em Cannes um filme de Glauber, Deus e o diabo na terra dos pobres (sic). O Glauber é indiscutivelmente um rapaz de talento. Mas – e eu afirmo isso porque já disse isso ao Glauber mais de uma vez – ele é inteiramente louco. Mas, muitas vezes, desses loucos é que veem as grandes coisas. O que fizemos na Bahia – e apenas falei isso porque fui provocado a como uma retificação – foi em função não do meu interesse, mas da orientação do próprio Governador do Estado. Como, no entanto, tenho um projeto da Ordem do Dia, de constituição de uma Comissão de Inquérito, e terei já de subir ao plenário, vou apenas fazer duas perguntas rápidas. A primeira é a seguinte: acha o depoente que a indústria cinematográfica brasileira já saiu da fase artesanal, vamos assim dizer, para a fase industrial?
Já tentou, mas não conseguiu sair, porque uma indústria só é possível quando os seus produtos têm mercado.

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