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domingo, 26 de janeiro de 2014

FATOS


Catedrais do Capitalismo

O assunto central das preocupações políticas, sociais, econômicas e eleitorais brasileiras neste mês de janeiro está sendo os rolezinhos. Para os leitores não brasileiros, rolê (em São Paulo se diz rolé), palavra da gíria jovem do Brasil já registrada nos dicionários, significa passear, dar uma volta ou um giro, vagar sem compromisso, espairecer. Rolezinho é um pequeno rolê, mas ganhou outro significado nas últimas semanas: é um passeio de jovens, convocados nas redes sociais, em shopping centers. Um flash mob. A onda começou em 8 de dezembro, quando seis mil adolescentes decidiram passear no Shopping Itaquera, em São Paulo. A polícia foi acionada e houve confusão, o shopping fechou as portas antes da hora.
A partir daí os rolezinhos cresceram no Rio e em São Paulo e estão acontecendo em outras grandes cidades. A mídia e os acadêmicos tentam analisar o “problema”, os governos locais dizem que os jovens têm direito de passear nos shoppings contanto que não quebrem nem roubem, os comerciantes dizem que os shoppings são privados e quem tem obrigação de oferecer espaços de lazer aos jovens é o governo. Os shoppings conseguiram liminares na Justiça prevendo multas de 10 mil reais para quem participar dos rolezinhos, valor em muitos casos superior às indenizações que as empresas pagam por lesar consumidores 
O governo federal acusou a oposição, que pedia providências, de “discriminação social”, já que a maioria dos rolezeiros são ex-pobres em ascensão, a “nova classe média”. Em contraponto, a poderosa Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop) pediu uma reunião com a presidente Dilma para demonstrar o prejuízo que as invasões de adolescentes causam aos centros comerciais. A reunião acontecerá no dia 29, não com a presidente e sim com alguns de seus ministros.
A meninada que promove e opera os rolezinhos são parte dos 40 milhões de brasileiros que, nos últimos 10 anos, elevaram-se da pobreza à classe C, são os ex-excluídos, os emergentes. Ascenderam, consomem, pagam altos impostos, exigem bons serviços de saúde, educação e cultura. E também lazer. Entendem que shopping é lugar para comprar, comer e se divertir (cinemas, teatros). Entendem que não há mais justificativas de discriminação porque estão perfumados (antes “cheiravam mal”) e com roupas de grife (“pano pesado” como eles dizem). Eles não vão abdicar de seu direito de conquistar mais espaço e mais audiência.
O que não se entende é porque os shoppings optam pelo caminho da repressão aos passeios e correrias dos jovens pelos seus corredores e escadas rolantes: afinal, eles são ou serão consumidores. Por medo a saques e arrastões, dizem os comerciantes. Aconteceram alguns poucos atos de vandalismo. As minorias vândalas estão por toda parte: nas manifestações populares, nos black blocs, nas torcidas organizadas. Os rolezeiros chamam a essa gente de “sem noção”, “rato” ou, no seu falar punk, “lóki”, expressão relacionada a bagunça sem sentido, sem lógica.
Uma salada de medos, preconceitos arraigados, conceitos superados, incompetência policial, açodamento jurídico, adequação da questão ao ano eleitoral. Tudo muito parecido com as reações iniciais às gigantescas manifestações de junho. Os rolezinhos são manifestações pequenas, então — por que tanto alvoroço? É que eles têm um aspecto especial, um frisson inesperado: os flash mobs acontecem em shoppings, templos do consumo, as Catedrais do Capitalismo, como definiu o cineasta filósofo Julio García Espinosa. É como um sacrilégio, uma profanação ao símbolo maior de uma civilização. E também um indício de que o tempo em que o mercado organizava a relação com o consumidor está chegando ao fim, cedendo caminho a um tempo em que será o consumidor (com sua parafernália tecnológica) a organizar essa relação. 

Por Orlando Senna

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