ABAIXO TEXTOS - CRÍTICAS - ENSAIOS - CONTOS - ROTEIROS CURTOS - REFLEXÕES - FOTOS - DESENHOS - PINTURAS - NOTÍCIAS

Translate

sábado, 12 de outubro de 2013

RESTAURAÇÃO DE UM CULTO EM INSTIÇÃO

PROJETO NUNES PEREIRA E A CASA DAS MINAS
(Brasil o continente indecifrável das terras ocultas)

UM POUCO DE HISTÓRIA

Conheci o escritor, etnógrafo e antropólogo, Nunes Pereira, em 1975, logo após terminar as filmagens do meu primeiro filme. Fui até a sua casa que ficava no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Ele estava com 83 anos (1892). Cheguei até ele durante uma pesquisa que eu e meu amigo, o poeta Rolando Monteiro, fazíamos sobre os índios maués. Ficamos amigos fraternais deste sábio mestiço nestes seus últimos dez anos de vida. Ele freqüentava a minha casa no Alto da Boa Vista e eu a sua. Conversávamos sempre sobre o Brasil e sua gente. O índio, o negro e o branco: “as três raças tristes”, como ele gostava de dizer. Nunes tinha uma cultura geral extraordinária e víamos nele o intelectual experimentado que estávamos precisando para escrever um roteiro sobre o Brasil profundo que ele gostava de chamar de “o continente indecifrável das terras ocultas”. Seria um filme sobre todas as origens do homem brasileiro. Ele adorava a idéia, principalmente pelo tempero mágico que eu insistia em colocar nesta sopa antropológica. Com uma didática irrepreensível, ele me falava, lembro-me bem, com muita intimidade, de Roger Bastide e Claude Lévi-Strauss, enquanto me passava seus conhecimentos. Nunes possuía na sua lúcida memória as mais fantásticas histórias sobre seu amigo alemão Curt Nimuendajú. Tinha um humor sarcástico e contava-me, as gargalhada, quando o confundiam com o músico Nelson Cavaquinho. Tudo que ele sabia que me interessava vinha em doses homeopáticas como se ele quisesse prolongar os nossos encontros. Um dia depois de ter me presenteado com os dois volumes e uma bela dedicatória no seu livro Moronguetá - um decameron indígena, conjunto monumental de pesquisas, prefaciado pelo grande poeta Thiago de Mello, retirou um livro que estava escondido na sua vasta biblioteca com o título de A Casa das Minas e me disse: “leia Sette, aqui está o começo da história oculta do Brasil! Aqui eu nasci, aqui eu cresci, vamos começar por aqui”. Li o livro e, em 1976, rodamos a primeira parte do filme, guiado pelo velho morubixaba, num terreiro Mina Jeje do Rio de Janeiro, só depois é que filmamos a segunda parte na cidade de São Luiz no Maranhão. Todas as filmagens aconteceram em 1976 e só quando fomos exibir o filme na posse de Nunes Pereira na Academia Maranhense de Letras é que rodamos a segunda parte na Rua São Pantaleão. De volta ao Rio terminamos a edição do filme e fizemos uma grande exibição em 1978 no MAM (Museu de Arte Moderna) do Rio com a presença de Nunes Pereira e do meu ilustre amigo mineiro José Aparecido de Oliveira, que fez, com sua brilhante oratória, um belo discurso de apresentação e de defesa do grande antropólogo maranhense. Os dois filmes ainda tiveram projeções internacionais.. O grande projeto do redescobrimento não foi em frente e em 1985, pouco tempo após ser homenageado no meu premiado filme sobre o poeta modernista francês Blaise Cendrars “Um Filme 100% Brazileiro”, ele veio a falecer.
O tempo passa, já faz 37 anos que tudo isso aconteceu. Sinto-me hoje no dever de reviver a figura deste maranhense notável que foi o meu amigo Nunes Pereira, restaurando os dois filmes sobre “A Casa das Minas”; copiando suas aparições em outros filmes (Júlio Bressane; Paulo Veríssimo, arquivos, etc.) e filmando, fazendo novas entrevistas, dialogando com quem o conheceu ou tenha conhecimento sobre a história da cultura negra Mina Jeje no Brasil.
A segunda edição do livro, A Casa das Minas: contribuição ao estudo das sobrevivências do culto dos vodus, do panteão daomeano, no estado do Maranhão. Brasil. 2 ed. Petrópolis, Vozes, 1979.  Esta nova edição foi providenciada pelo escritor com o apoio do ex-presidente José Sarney.
Tendo passado mais de meio século de sua vida nonagenária e ainda movimentada nas atividades de pesquisador etnológico, se aproximado de grandes vultos da ciência e da literatura em nosso país e no exterior, amigo de poetas e políticos que viam Nunes Pereira com sua cabeleira branca e a máscara de velho morubixaba e perguntavam: por que ele teria saído de seus habituais cuidados para com o homem tribal amazônico e a ecologia da hiléia para tratar dos remanescentes culturais dos daomeanos na Atenas Brasileira? A resposta vinha do menino ainda, muito antes de ser o grande etnógrafo indianista em que se transformou. É que ele foi entregue por sua mãe, D. Felicidade, a proteção do Vodum Badé, com suas contas azuis, na casa matriarcal das minas, e, acolá, durante muito tempo, verificou a ritualística jeje, motivo da obra, a primeira a realmente tratar dos resquícios da cultura de africanos naquela parte do Brasil.

Quem sabe se, o velho andarilho que é, voltará um dia até o Maranhão, à sua boa terra, mesmo de passagem, para o abraço nos amigos e comer aquela moqueca de que tanto gosta, na praia, preparada enquanto recita de cor Dante em voz alta, sentindo-se no paraíso, alegre com o relançamento local dessa nova edição do seu filme Nunes Pereira e A Casa das Minas.

Nenhum comentário: